No coração do bairro São Francisco, no cruzamento das ruas Paula Gomes e Trajano Reis, moradores, comerciantes e frequentadores dos bares da região convivem com uma feira livre noturna inusitada de produtos orgânicos e não orgânicos. O trecho está sendo chamado de "feira livre de drogas". Vende-se crack, maconha, LSD e cocaína. Qualquer um pode ser abordado e os "feirantes" revelam ousadia. Em duas ocasiões, a reportagem flagrou a realidade do local e foi abordada por traficantes que prospectavam novos fregueses para o seu comércio clandestino.
De cara limpa e sem qualquer inibição, um grupo de jovens aparentando ter entre 17 e 25 anos oferecem droga e deixam rastro de violência e medo na região. Alguns moradores acabam presos dentro da própria casa. Em um caso relatado à reportagem, uma moradora deixou de ir trabalhar após ver um dos traficantes violentar sexualmente um usuário de droga próximo à sua casa. "Não tive coragem de ir trabalhar naquele dia. Fiquei traumatizada."
Coação e medo
A moradora diz ter sido vítima de dois assaltos praticados por "noiados". "Por sorte, tinha o celular para dar. Se não, ele me matava. Com uma faca na minha barriga, ele falou: não corra." Outro morador relata problemas semelhantes. Ele diz ter perdido as contas de quantas vezes chamou a polícia. Duas semanas atrás, inclusive, viu usuários atirarem pedras contra a janela de um morador que mostrou insatisfação com a movimentação da "feira livre".
"Desde que esse ponto de tráfico começou, rezo todos os dias pela chuva. Porque ela afugenta um pouco os usuários e os traficantes. Como não chove todo dia, sobra pra gente explicar para os nossos filhos o que é aquilo e o que provoca na sociedade", diz um homem que mora há mais de duas décadas no bairro São Francisco.
Essa violência e o clima descritos têm colocado uma pressão em cima dos comerciantes que já avisaram a polícia, segundo contam. "Nosso medo é que possa acontecer uma briga, uma disputa entre eles e acabar muito mal para todos nós", explicou um comerciante da região. Além disso, há um medo estabelecido de a região ficar rotulada como ponto de venda e consumo de drogas. "É ruim para todo mundo", lamenta.
Os clientes
O movimento de clientes é grande na feira livre de drogas no São Francisco. Em sua maioria, são jovens de classe média e alta entre 18 e 30 anos, que avançam pela madrugada atrás de uma carreira, um baseado ou uma pedra. Depois, saem, caminham, dão uma volta na quadra para "desbaratinar". Eles não têm a mesma desenvoltura dos vendedores, mas ficam bem à vontade. No caso da maconha, o cigarro é queimado ali mesmo.
Tráfico é escancarado e vendedores agem como donos do pedaço
Ao chegar a um dos bares na esquina das ruas Paula Gomes e Trajano Reis, é evidente o movimento diferente. Um rapaz de boné, bermuda jeans e jeito de moleque caminha para lá e para cá, com ar superior, como se mandasse no local. Conversa com alguns amigos. Dividem-se. Em uma esquina, um rapaz bem apessoado oferece a droga e conta o dinheiro recebido. Chegou, passou a grana, levou a droga. É assim que funciona. Sem mais, nem menos. Aos olhos de todos.
Do outro lado, o jovem de bermuda jeans traz para perto do grupo um cliente. Pede para esperar um minuto, pega algo em uma mochila e o chama para outra ponta da esquina, já na Rua Paula Gomes. Ali, ele consolida a venda. Depois volta para o grupo, onde cheira uma carreira de cocaína no colo de alguém.
O grupo é unido. Estão em dez, às vezes doze. Passam a noite inteira conversando e articulando. "Trazem até marmita para passarem a noite sem fome", informa um morador da região. E há até quem carregue o filho junto uma criança, com cerca de 5 anos de idade, que fica no local a noite inteira enquanto a mãe vende drogas.