No dia 20 de junho, a Justiça catarinense negou um pedido da deputada Julia Zanatta (PL-SC) para obrigar Felipe Neto a remover publicações na rede social X dando a entender que a tiara usada pela deputada fosse símbolo nazista.| Foto: Reprodução / X
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Em entrevista concedida na terça-feira (23) a um canal progressista, o youtuber Felipe Neto aproveitou uma decisão favorável na Justiça para ensinar como sugerir que uma pessoa é nazista sem ser punido.

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No dia 20 de junho, a Justiça catarinense negou um pedido de liminar feito pela deputada Julia Zanatta (PL-SC) para obrigar o youtuber a remover publicações na rede social X dando a entender que a tiara usada pela deputada fosse símbolo nazista.

Na postagem, feita no dia 13 de junho, Felipe Neto dizia que a tiara de flores na cabeça “é tida por muita gente como um símbolo de apologia ao nazismo. Essa moça usa quase o tempo inteiro, mas garante que não é essa a sua motivação.” Na mesma mensagem, o youtuber aponta que Zanatta tirou o adereço ao falar no Parlamento Europeu, como se houvesse alguma intenção escusa. Além disso, em resposta a um comentário de internauta, o youtuber disse ainda: “Ninguém vai achar que você está fazendo apologia ao nazismo porque tirou uma foto com coroa de flores na cabeça. Agora, se você adota isso como seu look permanente, aí as pessoas podem suspeitar”.

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Ao denegar a liminar, a juíza Bertha Steckert Agacci, do Juizado Especial Cível de Criciúma (SC), considerou que “inexiste frase ou publicação em que o réu afirma categoricamente ser a autora ‘nazista’”. A decisão é provisória e pode ser revertida pela própria juíza na futura sentença.

Ao comentar a decisão na entrevista de terça, Felipe Neto afirmou que o caso “serve para a gente se guiar” sobre como “trazer para o debate” especulações do gênero, como as que envolvem eventual ideologia nazista, sem dar margem a condenação judicial. Segundo o youtuber, “levantar questionamento” é permitido pelo Judiciário: “O que você não pode é acusar”.

Zanatta não foi o único alvo da estratégia de Felipe Neto. No dia 28 de junho, cerca de uma semana após a decisão da Justiça catarinense, Felipe Neto voltou a fazer especulação do mesmo gênero, desta vez envolvendo outro youtuber voltado ao público infantil, Ronaldo Souza, de nome artístico “Gato Galáctico”: “O cara postou foto bebendo leite e usando camisa verde (procure saber a relação disso com movimentos de supremacia branca)”.

A acusação foi repercutida nacionalmente e levou Souza a publicar nota dizendo que abominava “o nazismo e todas as formas de autoritarismo e violência”.

Especialistas veem fala de Felipe Neto como incentivo à prática de ilícitos

Advogados ouvidos pela Gazeta do Povo discordam da mensagem veiculada por Felipe Neto.

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O advogado Rhuan Nascimento Batista qualifica a fala como um “tutorial de como cometer crimes contra a honra sem ser preso”, criticando-a como potencial incentivo à prática de ilícitos, além de alertar que é enganosa. Segundo o advogado, “levantar questionamento” pode, ao contrário do que afirma o youtuber, ser entendido pelo Judiciário em determinados contextos como forma de acusação, ainda que “mascarada”.

De atuação especializada em direito digital e crimes contra a honra, o advogado afirma ter atuado em múltiplos casos de acusação velada de nazismo, tendo tido sucesso judicial em todos eles ao pedir liminar de remoção de conteúdo.

Batista explica que o fundamento para os pedidos do gênero é a proteção da “honra objetiva” da pessoa, ou seja, “o que as pessoas veem nela”. Segundo Batista, danos à reputação de um indivíduo podem ter consequências pessoais e profissionais severas, e, nesse aspecto, conforme explica o advogado, não há diferença entre as acusações diretas e as veladas, desde que sejam compreensíveis pelo público: de uma forma ou de outra, o alvo pode passar a ser visto, por exemplo, “como possível nazista”.

O advogado João de Senzi, também especializado em direito digital, concorda, mas faz uma ressalva para os crimes de calúnia e difamação. Segundo Senzi, por serem crimes (puníveis com detenção e multa), devem ser interpretados de forma restritiva; na opinião do advogado, “levantar questionamento”, como descreve Felipe Neto, não poderia ser enquadrado nas condutas específicas de “caluniar” e “difamar”, não caracterizando, assim, crime.

Senzi ressalta, contudo, que nada impede que as acusações indiretas continuem sendo consideradas ilícitos cíveis, ou seja, que geram direito a indenização por danos morais e remoção do conteúdo.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]