“Tristeza”. Se bem lembra, foi o que sentiu o arquiteto e restaurador Leandro Nicoletti Gilioli, 36 anos, ao pisar pela primeira vez na Ferragens Hauer – um prédio antigo, em ruínas, atrás da Catedral Metropolitana. Foi em 2012 e Leandro estava ali para livrá-lo dos andaimes de urgência que a escoravam, trazendo-o de volta à paisagem. “Difícil” foi a próxima palavra.
Um viajante solitário chamado José
O primeiro Hauer foi náufrago em São Francisco (SC), cruzou a Serra do Mar a pé e descreveu em cartas uma Curitiba miserável e escravocrata.
Leia a matéria completaCuritiba era uma grande Vila Hauer
Descendentes se tornam historiadores aventureiros, recolhem documentos e se ocupam de separar lendas e fatos sobre a grande família que dominou o setor produtivo da capital
Leia a matéria completaO estabelecimento – um exemplar castiço do estilo eclético que vingou em fins do século 19, fundado pelos alemães Francisco e Augusto Hauer – pouco lembrava os tempos em que pontificou o comércio local. Foram pelo menos seis décadas de êxitos. Em maio de 1998 – ano em que a casa completava um século de serviços prestados – um incêndio controvertido encerrou o expediente, levando consigo o estoque, instalações luxuosas, documentos que poderiam servir de pasto a historiadores. No lugar disso tudo, chuva caindo pelo teto e as constantes contribuições de visitantes ocasionais, que utilizavam o local para “necessidades fisiológicas”. Além da tristeza e da dificuldade, havia também o odor.
LINHA DO TEMPO
Confira, fato a fato, a história da família Hauer em Curitiba
Leia a matéria completaSituado na Praça Tiradentes, no ponto exato em que as estreitas ruas José Bonifácio e Padre Júlio de Campos se encontram, o local ganhou o título de “Beco do Mijo”. O apelido é impreciso, já que muitos não se furtavam do serviço completo. Além de despejar ali os líquidos, deixavam também os sólidos. De símbolo de um período virou exemplo de descaso com a memória.
Se por fora a situação beirava o Juízo Final, na parte interna a condenação parecia perpétua. O pouco que havia resistido às chamas foi dizimado nos seis anos de abandono – paredes pintadas no auge da Belle Époque, janelas em madeira-de-lei, frisos dourados para as letras “Hauer & Irmão”, colunas feitas na Fundição Müller, adornos aristocráticos e escadarias que fariam bonito em filmes de época. Sobrou apenas a casca. “Por sorte os balaústres não caíram na cabeça de ninguém. Pesam 100 quilos cada um”, observa Leandro, que comandou uma equipe de uma centena de profissionais para dar cabo ao projeto.
Cai?
O medo do desabamento era constante. Os muros espessos como uma fortaleza foram erguidos em “alvenaria estrutural”, sem vigas ou sem pilares, técnica usada pelos construtores alemães na pré-história do concreto. Uma parede segura a outra, de forma tão engenhosa quanto assustadora. “Mas estavam abrindo”, explica o arquiteto. Um dos primeiros passos do restauro foi garantir que permanecessem em pé, com os préstimos de novíssimas tecnologias. Deu certo – à revelia da falta da mão de obra especializada, uma das tormentas de quem atua no setor.
A Ferragens Hauer não só não caiu como encontrou nova identidade. Por fora, o restauro a deixou muito próxima das linhas originais, incluindo a cor vinho com detalhes em branco, as imponentes 50 janelas de mais de 4 metros de altura, agora em madeira itaúba; os “cachorros”, estruturas decorativas que seguram as cimalhas – molduras das sacadas e telhados. Por dentro, é um grande vão que soma no total 3,5 mil metros quadrados em três andares, moderno, mas com temperos passadistas. Ganhou terraço e uma impressionante vista para os fundos da catedral.
O valor empregado no restauro é segredo de estado, assim como o nome do novo proprietário, um bem-sucedido comerciante de origem árabe, em atividade no Centro da cidade. Comprou a propriedade em leilão. Não desfrutou de benefícios para a obra. “Ele não quer publicidade”, informam seus auxiliares, em resposta à reportagem. Prestes a ser reinaugurada, a construção interessou a lojistas e a bancos – há probabilidade de que seja alugada para uma agência da Caixa Econômica Federal, frustrando as expectativas dos gestores da área da cultura. Desde o início das obras, ficou evidente a vocação do local para abrigar exposições, oficinas, restaurantes e cafés, à moda do que ocorre com o Paço Municipal, na Praça Generoso Marques. O Ippuc chegou a fazer planos, mas não vai ser dessa vez.
Para Leandro Nicoletti Gilioli, mais importante do que as cifras e identidades, é o efeito que o restauro da Ferragens Hauer pode causar no seu entorno, uma das áreas mais decadentes do Centro. “O vizinho vê uma casa bonita dessas e fica com vergonha da sua”, brinca. Uma construção, desse porte, restaurada, funciona como um viral, fazendo da região um ponto de passagem e de interesse para viajantes. Se o padrão de outros lugares que passaram por situação parecida se repetir, como ocorreu em Barcelona, os demais proprietários da região tendem a promover novos restauros. É uma perspectiva otimista, debaixo de todas as dificuldades em captar dinheiro para defesa do patrimônio desde que os recursos do potencial construtivo da Arena da Baixada saturaram o mercado.
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