Uma circular que tentava impedir discriminação religiosa nas escolas de Taubaté (SP) acabou por proibir a legítima manifestação de crenças e convicções. Com a repercussão negativa do documento, a Secretaria de Educação da Prefeitura enviou outra informação às escolas retificando a circular inicial.
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Tudo começou com uma denúncia anônima de “discriminação religiosa e violação do Estado Laico” em uma escola pública, enviada à Promotoria de Justiça Cível de Taubaté, contra o município.
Durante a investigação, o Ministério Público perguntou à Prefeitura de Taubaté se havia uma recomendação formal às escolas sobre o tema. Como não existia, a Secretaria de Educação decidiu por conta própria redigir uma orientação formal e enviar às escolas, no último 6 de março.
O texto, porém, acabou atacando o direito constitucional de liberdade religiosa e contrariando decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou constitucional o ensino religioso confessional nas escolas públicas, desde que facultativo.
O que dizia a circular
A circular continha cinco fundamentações e três orientações para as escolas. Entre as justificações, estava a vedação a qualquer tentativa de converter alunos a uma determinada crença, o que de fato está previsto na Constituição. A laicidade do Estado, por outro lado, aparece erroneamente como incompatível com a manifestação pública de uma pessoa de sua religião. Já o ensino religioso é descrito de forma diferente da interpretação adotada pelo STF, como se fosse proibido o seu conteúdo ser confessional.
A última orientação foi a mais citada nas redes sociais por professores, pais e alunos: “As diferentes formas de acolhimento dos estudantes, no início do período de aula, devem ser direcionadas com palavras de encorajamento e virtudes sem qualquer referência de caráter religioso”, diz o documento. Os docentes entenderam que poderiam ser punidos ao utilizar frases como “fica com Deus” ou “Deus te abençoe”.
O advogado Thiago Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), lembra que a “laicidade do Estado” deve ser interpretada de acordo com a Constituição: o Estado não tem religião oficial, protege as manifestações públicas de todas as crenças e veda o proselitismo, entendido como forçar alguém a se converter a uma determinada confissão religiosa.
“Existe, no Brasil, total liberdade e colaboração da parte do Estado com o fenômeno religioso, não impedindo nem embaraçando de nenhuma forma o exercício de crença”, diz Vieira. “Embaraço do exercício da crença na escola é típico do laicismo francês, que não existe no Brasil”.
Para ele, o item que proíbe professores de acolherem alunos com frases de cunho religioso é “descabido”.
“O próprio termo virtude é muito presente no espectro religioso, seria como impedir o pensamento e dimensão interna de quem está acolhendo o aluno”, afirma. “As ações humanas são orientadas pela consciência de cada um, inclusive religiosa, impedir isso é uma violação ao íntimo e à consciência”, continua.
Vieira insiste ainda que o professor não pode tentar fazer alguém mudar de religião e aderir à sua, “buscar conversos ou prosélitos”. “Mas exercer sua crença e fé, em qualquer espaço, é perfeitamente legal, aliás, é inviolável, conforme diz o inciso VI ao artigo 5º da Constituição”.
A retificação da Prefeitura
Após a repercussão do caso, a Prefeitura de Taubaté (SP) enviou outra circular alegando que a orientação aos servidores foi para que, no cotidiano, adotem condutas que respeitem a liberdade de crença. “Não foi emitida ordem impedindo manifestações de crença e de convicções pessoais pelos docentes”, alegou. Ainda, diante da repercussão do caso, no final da nota, a Prefeitura disse “Deus vos abençoe e vos guie, nessa importante jornada”.
Circular da Prefeitura de Taubaté (SP) na íntegra
"Considerando as dúvidas a respeito da Circular n°03, de 06 de fevereiro de 2023
A Secretaria de Educação esclarece. Em cumprimento às regras da Constituição Federal de 1998 e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n°9.394/1996), a Secretaria de Educação emitiu orientação aos servidores das unidades do Sistema Municipal de Ensino para que, no cotidiano, adotem condutas que respeitem a liberdade de crença e a consciência dos alunos, preservando a tolerância e o respeito a todas as manifestações religiosas, além do caráter do Estado, ou seja, a inexistência de religião oficial. Não foi emitida ordem impedindo a manifestação de crença a de convicções pessoais para os docentes. O que foi orientado é que não deve ser imposta a participação dos alunos, o constrangimento à aceitação dessa ou daquela fé e/ou a tentativa de convencimento para arregimentar fiéis, desrespeitando a neutralidade do Estado, o pluralismo e a liberdade de consciência. Que Deus vos abençoe e vos guie, nessa importante jornada."
*Colaborou Gabriele Bonat.
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