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A violência contra a criança não tem dia, nem hora ou lugar certo para acontecer. Pode ser em casa, na rua, na escola ou em alguma unidade pública de proteção. Os dados dos oito conselhos tutelares levam à triste constatação de que não há um só dia em que alguma criança ou adolescente não tenha seus direitos fundamentais violados em Curitiba. Foram 10.300 ocorrências só neste ano, média de 860 por mês. São casos de negligência, agressão física e psicológica, abuso sexual, abandono familiar, falta de creche ou evasão escolar. A violação parte do estado ou da sociedade, mas é em casa que ela mais acontece.

Em média, os pais respondem por 59% dos casos de violência contra os filhos. Eles foram os responsáveis por 6 mil casos atendidos pelos conselhos tutelares. Estes números levam a outros ainda mais graves: 7 entre dez atendimentos devem-se ao uso de drogas lícitas e ilícitas. Ou seja, em 4.200 casos o álcool e o crack foram, nesta ordem, a causa do desajuste familiar que levou à violação dos direitos dos filhos. A facilidade em se conseguir todo tipo de entorpecente tem provocado a inversão desta ordem. Esta conclusão vem não só dos conselheiros tutelares, os ponta-de-lança na atenção à criança e adolescente.

O álcool ainda é comum entre os pais de mais idade, geralmente acima dos 35 ou 40 anos, enquanto drogas como o crack avançam entre os mais jovens. Quem constata é a juíza da Vara da Infância e Juventude de Curitiba, Lídia Munhoz Mattos Guedes, que, em última análise, recebe os casos mais críticos. Cabe a ela uma das mais difíceis decisões diante do comportamento inadequado dos pais: a destituição do poder familiar. Não há outro jeito quando a criança está em risco. Foi assim em 51 casos em 2004, outros 78 no ano seguinte e 65 neste ano. Comparando os números, tem-se a falsa impressão de redução do problema. Mera ilusão.

Abandono

O Ministério Público, de onde parte a proposta de destituição da guarda dos pais, teve mudanças de pessoal em 2006. A troca do promotor desacelerou a análise dos processos em andamento até que o novo encarregado tomasse ciência dos casos. Mas a destituição do poder familiar é apenas a ponta de um iceberg de histórias tristes que chegam todos os dias aos conselhos tutelares. "A criança é penalizada duas vezes: primeiro porque o pai ou a mãe é alcoolista; segundo, porque faltam políticas públicas de atendimento adequado a ela e à família", diz o presidente do Conselho Tutelar da Regional Boa Vista, Luiz Juvêncio Pereira.

De acordo com Pereira, às vezes até existem políticas públicas para a criança e o adolescente, mas faltam programas de prevenção para atender aos pais dependentes químicos. Sem um tratamento eficiente, torna-se difícil reaver o filho. Por isso, uma destituição temporária do poder familiar pode se tornar definitiva. Além da falta de apoio aos pais em recuperação, o estado também viola os direitos da infância quando não oferece vagas em creche ou no ensino fundamental, por exemplo, o que leva à exclusão ou à evasão escolar. Foram 167 registros desse gênero apenas no Conselho Tutelar da Regional Boqueirão.

Esta região de Curitiba, a propósito, revela alguma das facetas mais cruéis de pais desnaturados. Só neste ano o Conselho acolheu 20 crianças e adolescentes abandonados, encaminhando-os para abrigos da cidade. De acordo com a conselheira Viviane Lara, também foram retiradas 35 crianças em situações graves de convivência com dependentes de álcool e drogas, além do registro de quatro casos de abuso sexual, 25 de violência psicológica e 19 de violência física. Destas últimas ocorrências, 18 foram maus-tratos praticados pelos pais e uma de adolescente agredido por um cuidador num abrigo, onde estava justamente para escapar da violência doméstica.

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