É cada vez menor o número de processos que chegam ou conseguem chegar à análise do Supremo Tribunal Federal (STF). No ano passado, houve redução de 35% no total de casos distribuídos no STF, em relação a 2008: 42.729 processos em 2009, contra 66.873 no ano anterior. Comparado a 2007, quando registrou-se o recorde de processos distribuídos em toda a história do STF mais de 116 mil casos , o número de 2009 é aproximadamente 63% menor. Assim, a quantidade de casos distribuídos na Corte retrocedeu a patamares do final da década de 1990.
O principal responsável por tal redução no trabalho dos ministros do Supremo é o mecanismo da repercussão geral, instituído pela Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional n.º 45, de 2004), segundo o qual apenas serão julgados pelo STF os processos que envolvam "questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa" conforme artigo 543-A, § 1.º, do Código de Processo Civil, que regula o instituto.
Na prática, a repercussão geral é um filtro dos recursos para o Supremo os chamados recursos extraordinários. Um filtro eficiente, como os números mostram. Porém, juridicamente questionável. Ao menos para o advogado Pedro Luiz Lessi Rabello, que no final da semana passada, em nome do Instituto Brasileiro de Defesa dos Lojistas de Shopping (Idelos), ajuizou uma Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI n.º 4.371) no Supremo, colocando em dúvida a conformidade da repercussão geral com a Constituição Federal. Para Lessi Rabello, o filtro é inconstitucional desde sua origem. "Criada por emenda, a repercussão é inconstitucional, porque abala uma cláusula pétrea. Afinal, os direitos e garantias fundamentais (como o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário) são cláusulas pétreas e só podem ser alterados por outra constituinte originária, nunca por emenda do poder constituinte derivado", afirma.
Obstáculo?
Segundo o advogado do Idelos, a repercussão geral cria um obstáculo para o acesso à Justiça. "O Supremo precisa parar de politizar e de cercear o direito ao devido processo legal, ao contraditório, à ampla defesa, o direito recursal do cidadão", diz. Já o advogado Flávio Pansieri, presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), pensa que a repercussão geral não obsta o acesso à Justiça, apenas cria uma estrutura de proteção social. "Se o Supremo tiver que julgar todo e qualquer caso que a ele chegue, não vai conseguir se manifestar nas questões mais relevantes", explica. Apesar de não identificar inconstitucionalidade na repercussão geral, contudo, Pansieri vê espaço para melhora na aplicação do instituto. "O problema da repercussão geral me parece ser a ausência da participação da sociedade e a discricionariedade do Supremo. É o próprio STF que define o que tem e o que não tem a repercussão. Talvez a legislação pudesse dar contornos mais definidos à questão", analisa.
A ADI da semana passada, distribuída para a relatoria do ministro Eros Grau, é a terceira ação similar movida pelo Idelos contra o instituto da repercussão geral. As outras duas, ADIs n.º 4.149 e n.º 4.175, foram indeferidas de plano pelos ministros Menezes Direito e Carlos Ayres Britto, respectivamente, por considerarem o Idelos ilegítimo para propor a causa. "O Idelos é uma associação e tem, conforme a lei da ação civil pública, legitimidade para entrar no Judiciário contra tudo aquilo que afeta o cidadão enquanto consumidor", defende o advogado da instituição, Lessi Rabello. Ele revelou ainda a intenção de ajuizar outra ação, agora contra a sistemática dos recursos repetitivos espécie de filtro de recursos especiais, para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). "Somos contra os subterfúgios do Poder Judiciário para colocar a culpa de sua falta de estrutura no cidadão. Espero agora que o Judiciário se redima, declarando inconstitucionais essas excrescências jurídicas", completa.
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