Fachada do Ministério da Educação, em Brasília.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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A educação é uma das áreas que passará por grandes mudanças no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em relação ao que vinha sendo feito pelo presidente Jair Bolsonaro. Na campanha e agora, nos primeiros passos da equipe de transição, as promessas são de acabar com a Política Nacional de Alfabetização (PNA) e outras iniciativas, como o programa de fomento de escolas cívico-militares, e aumentar os investimentos – sem clareza ainda de como esses recursos serão empregados.

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A composição da equipe de transição de educação de Lula foi elaborada pelo ex-ministro Fernando Haddad e conta com a presença de ONGs, professores de universidades e representantes de grandes instituições empresariais na educação como Instituto Unibanco, Itaú Educação, Natura e Fundação Lemann - cujos proprietários tentam receber recursos públicos por meio de suas empresas e projetos no setor. A predominância de empresários no grupo não agradou a ala esquerdista do governo, mas atende a indicações do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, que tem buscado uma proximidade com a ala empresarial. O grupo é coordenado por Henrique Paim, economista e ex-ministro da Educação na gestão de Dilma Rousseff, que está definindo o plano de prioridades e pensando em possíveis nomes para assumir o ministério.

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O GT de Educação tem criticado a PNA de Bolsonaro, elogiada pela OCDE, mesmo tendo apontado entre as prioridades do governo Lula a alfabetização de crianças. Ao mesmo tempo, os petistas querem mais dinheiro para os cofres da educação, sem ter metas claras de comprometimento com resultados – o Brasil é um dos países que mais gasta no setor em proporção no PIB, mas sem resultado proporcional em qualidade. Na lista de temas importantes, estão também o fomento do ensino médio profissionalizante, o aumento do orçamento de universidades federais, além da reformulação de secretarias do MEC.

Revisão da Política Nacional de Alfabetização 

Grande parte das críticas dos integrantes da equipe de transição do PT às estratégias de educação durante o governo Bolsonaro é destinada à PNA. O programa de alfabetização é uma das grandes mudanças promovidas no governo Bolsonaro, se comparado aos governos petistas, que tiveram um desempenho ruim nesse quesito: em 2017, após quase 14 anos do PT na Presidência da República, 33% das crianças no 5º ano do ensino fundamental no país apresentavam níveis sofríveis de escrita e leitura.

Imagem da apresentação do Inep, órgão do MEC, em 2017. Do total de crianças avaliadas no 5º do ensino fundamental, 33% estavam apenas no nível 1 e 2 (são 9 níveis no total). Foto: Reprodução / Inep.

A política de alfabetização de Bolsonaro fomentou a implementação de todas as fases de uma alfabetização considerada eficaz, seguindo a últimas pesquisas sobre o tema, com algumas etapas ainda negligenciadas por professores, como a abordagem fônica e a fluência.

A iniciativa voltada à alfabetização formal, com início na pré-escola e aprimoramento no 1º e 2º anos do ensino fundamental, encontrou resistência de representantes de entidades e ONGs de educação. Inicialmente, muitos gestores a rechaçaram e acusaram o MEC de não debater a elaboração do programa com estados e entidades do setor, mesmo após um Congresso, com especialistas mundiais sobre o tema, realizado pelo governo em 2019. Por questões ideológicas - o método é diferente ao aplicado por Paulo Freire e por grande parte das abordagens construtivistas que dominam os cursos de Pedagogia no país -, sindicatos e ONGs, mesmo algumas que já haviam elogiado a inserção de elementos como o ensino dos fonemas, combateram a PNA, apesar da ampla fundamentação científica.

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A ex-secretária da Secretaria de Educação Básica do MEC, Ilona Becskeházy, lamenta a possibilidade de um possível desmonte da PNA em um novo governo do PT. "Em um governo dominado por sindicalistas, com ideologia à esquerda, a tendência é de o decreto ser revogado imediatamente, ou modificado ou descaracterizado, porque não interessa à esquerda alfabetizar com eficácia a população, nunca interessou, a ideia, historicamente, é formar militantes, e nós continuaremos com a população semianalfabeta", disse.

A professora Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), e que faz parte da equipe de transição, confirmou que ensinar a consciência fonológica, o som das letras, é essencial para alfabetizar. "A alfabetização tem que ser fundada em evidências científicas”, confirmou. Mesmo assim, ela não disse se a equipe de transição irá ou não aproveitar todo o caminho realizado pelo governo Bolsonaro desde 2019.

Revogação do Programa de Escolas Cívico-Militares 

Outro programa que está na mira do PT é o Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim) que, segundo representantes do PT, teria fracassado. Os dados do governo Bolsonaro, no entanto, são diferentes: escolas públicas que passaram a ter gestão de militares registraram redução de violência e de faltas e têm sido elogiadas pelos pais. Escolas cívico-militares implantadas antes do governo Bolsonaro também fizeram a diferença para aumentar o Ideb (índice que mede a qualidade do ensino no Brasil) do ensino médio de estados como Goiás, que saltou do 16º lugar para o primeiro do país, em 10 anos, após uma série de medidas, entre elas, aumentar para 53 o número de escolas cívico-militares.

No grupo de transição, a maioria dos integrantes defendem que os militares não têm de fazer gestão do processo pedagógico e descartam novos acordos para escolas deste modelo. Os sindicatos temem a militarização das escolas, por motivos ideológicos e receio da possível privatização do ambiente escolar. “As gestões militarizadas têm comprovado que, pedagogicamente, são um fracasso e são também um mecanismo para desincompatibilizar a gestão democrática, uma forma de extinguir a categoria de professores, uma maneira autoritária de privatizar a educação pública”, escreveu o Sindicato dos Professores no Distrito Federal.

Para Claudia Costin, o modelo cívico-militar implementado pelo governo Bolsonaro representa “um atraso no século XXI”, e não deveria ser visto como uma solução para a educação. “Esse modelo deve ser mudado. A minha crítica à escola cívico-militar é que ela parte de um diagnóstico correto, mas constrói uma solução que não é do século XXI, ou seja, problema da indisciplina dos jovens. Não vi no mundo nenhuma escola com esse modelo”, disse.

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Segundo o deputado federal Idilvan Alencar (PDT/CE), que participa das discussões, o novo governo “não deve chegar chutando a porta” do programa cívico-militar, mas avaliar cada caso e dialogar com estados e municípios que fazem a gestão do modelo para tomar uma decisão. Como um dos críticos ao programa no Congresso Nacional, Idilvan disse que “o modelo não resolve, não é sustentável financeiramente e tem uma visão de educação ultrapassada. Temos o desafio da segurança nas escolas e no Brasil como um todo, mas isso não se resolve militarizando escola”.

Prorrogação do Plano Nacional de Educação 

Uma medida dada como certa pelos petistas é a prorrogação do Plano Nacional de Educação (PNE), com o objetivo de multiplicar investimentos públicos. Um relatório com recomendações de políticas de educação para 2023, elaborado pelo instituto Movimento pela Base e pela Fundação Lemann, em parceria com a ONG Todos pela Educação, foi apresentado ao grupo de transição como um modelo a ser seguido pelo futuro governo.

Entre as recomendações, constam o aprimoramento das avaliações nacionais, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), além da prorrogação do Plano Nacional de Educação (PNE), que deve ter vigência de dez anos a partir de 2025. O governo Bolsonaro inseriu o Brasil em duas avaliações internacionais por acreditar que as antigas avaliações, já utilizadas pelo PT, tinham nível medíocre de exigência. Não se sabe se o governo Lula vai continuar com a participação do Brasil nessas provas, que incluem crianças da primeira fase do ensino fundamental de mais de 60 países.

O medo agora é se a régua de exigência em qualidade vai diminuir, já que ONGs como o Todos pela Educação costumam comemorar avanços pequenos no Ideb, muito aquém do nível alcançado por alunos de outros países (muitos deles que gastam menos em educação, mas em projetos de qualidade).

Um dos integrantes do grupo de transição que quer mais dinheiro para a educação sem propostas claras para aumentar a qualidade do ensino é Daniel Cara, professor da USP. Dirigente da Campanha Nacional pela Educação, de visão de esquerda e ‘paulofreireana’ da educação, Cara defende um aumento de recursos ainda maior para atingir as metas do PNE. “Vamos trabalhar a Educação em concepção sistêmica (da creche à pós-graduação) e vamos ter o PNE como referência”, escreveu no Twitter.

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O deputado federal Idilvan Alencar (PDT/CE), vice-presidente da Subcomissão Especial do PNE, também defende a prorrogação do plano como uma “visão sistêmica da educação”. A professora Cláudia Costin é mais concreta: para ela o dinheiro deve ser investido em escolas de tempo integral e na valorização dos professores, para tornar a docência uma carreira mais atrativa. "O que é mais caro na educação é pagar adequadamente os professores. Ter uma educação de qualidade custa dinheiro e tem que ter boa gestão", disse.

Por outro lado, Becskeházy insiste que o PNE, com metas medíocres, tem servido de desculpa para aumentar os recursos para a educação pública, sem consertar suas falhas, favorecendo sindicatos e professores sem qualidade, e favorecendo ideologias que focam mais na militância política do que no ensino.

"As metas de expansão de recursos são ambiciosas e as metas de aprendizagem extremamente medíocres. Definir 10% do PIB é uma coisa ridícula pra educação, mas o lobby venceu e o pessoal do PT que ajudou aprovar a lei que estipulou esse valor chutou para o pré-sal essa responsabilidade. Defendem mais recursos, e menos parâmetro de desempenho", alertou Ilona.

Revisão da Reforma do Ensino Médio 

O novo ensino médio, aprovado em 2017 durante o governo Temer, e que começou a vigorar apenas no ano passado, de forma ainda lenta, deve ser analisado com cautela no novo governo. Na época da votação da reforma, por meio de Medida Provisória, parlamentares petistas criticaram a falta de diálogo com a população e disseram que a mudança era um retrocesso na educação brasileira.

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Daniel Cara, um dos integrantes do grupo de transição, tem defendido a revogação da reforma do Ensino Médio. Pela rede social, ele escreveu: “Ninguém está satisfeito com a Reforma do Ensino Médio. Ninguém”.

Por outro lado, a professora Cláudia Costin avalia que revogar o programa não é o caminho, já que os estados e municípios estão se esforçando para colocar o novo modelo em prática.

"Não acredito que deva ser revogado, a ideia começou no governo do próprio Lula - durante o período do Haddad e continuou no governo Temer. Já tem 27 estados implementando com dificuldades e aperfeiçoando o novo currículo que foi aprovado. O que se pode fazer é aperfeiçoar, mas não dá pra voltar ao modelo anterior", explicou Cláudia.

O novo ensino médio prevê que 60% das aulas dos três anos serão de disciplinas obrigatórias, e os outros 40% serão preenchidos por itinerários formativos (ênfase em humanas ou exatas, por exemplo) ou formação técnica e profissional. Na carga horária, em vez de sete, os estados devem se esforçar para que os estudantes passem a ter oito horas-aula por dia.

"O ensino médio continua como um dos grandes desafios, e precisamos torná-lo mais atrativo", disse o deputado Idilvan.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]