"Derrotamos o bolsonarismo", disse, em julho, o ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em um evento da União Nacional dos Estudantes (UNE). A fala, pela qual Barroso pediu desculpas um dia depois, é emblemática de uma tendência que se consolidou no ano de 2023: os ministros do Supremo deixaram de lado o pudor sobre a exposição excessiva de suas preferências políticas.
Foram várias as ocasiões em que os magistrados explicitaram em eventos públicos ou no próprio plenário do STF as suas visões políticas, em alguns casos deixando claro que a Corte agiu intencionalmente para vedar a manifestação de certos tipos de opiniões e aniquilar determinados grupos políticos.
Além de Barroso, o ministro Gilmar Mendes deixou claro que a Corte se sente responsável pela não reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2022. "Se hoje nós temos a eleição do presidente Lula, isso se deveu a uma decisão do Supremo Tribunal Federal", afirmou em um evento em Paris em outubro.
Em evento do grupo Lide de fevereiro, em Lisboa, Gilmar Mendes já tinha afirmado que o Brasil "estava sendo governado por uma gente do porão". Em maio, no programa Roda Viva, da TV Cultura, ele disse que a atuação de procuradores e de juízes da Operação Lava Jato em Curitiba foi responsável pela eleição de Bolsonaro à Presidência da República em 2018, e que a cidade "tem o germe do fascismo".
Sem dar nomes, mas em referência quase evidente à ascensão de Bolsonaro, Alexandre de Moraes afirmou no começo de dezembro que a consequência da corrupção na política foi a chegada ao poder da "extrema-direita" com "ódio" e "sangue nos olhos" durante evento promovido pelo Ministério Público Federal (MPF). "Todos os sistemas preventivos falharam no combate à corrupção. Isso acabou criando um vácuo muito grande e gerou uma polarização, o ódio e um surgimento, não só no Brasil, de uma extrema-direita com sangue nos olhos e antidemocrática", disse.
Os membros do STF não perderam oportunidades de palpitar publicamente sobre assuntos políticos diversos. No começo de dezembro, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023, a COP-28, em Dubai, Barroso defendeu a necessidade de uma solução transnacional para problemas relacionados a mudanças climáticas no mundo.
Com frequência, os magistrados usaram casos de violência com grande repercussão nacional para levantar bandeiras políticas. Em setembro, Gilmar Mendes tuitou sobre os casos da menina Heloísa dos Santos Silva e de Genivaldo de Jesus Santos para dizer que a Polícia Rodoviária Federal "merece ter a sua existência repensada". O ministro afirmou com ironia que a PRF, "nas horas vagas, envolve-se com tentativas de golpes eleitorais", em referência à suspeita de que a atuação do órgão tenha impedido pessoas de votar na região Nordeste em outubro de 2022.
Além de declarações, as participações dos magistrados em eventos com evidente viés político-ideológico também foi normalizada. A própria presença de Barroso em evento da UNE é um exemplo dessa tendência.
Em fevereiro, o então ministro Ricardo Lewandowski participou de um evento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), durante o qual vestiu um boné da organização de extrema-esquerda.
Influência de ministros do STF nos bastidores da política se intensifica
O Supremo também exerceu pressão política em assuntos de competência do Congresso, ameaçando decidir antes dos parlamentares caso eles não tomassem atitudes sobre determinados temas, ou levando a julgamento assuntos que já estão em tramitação no Poder Legislativo.
No começo do ano, o STF iniciou uma intensa campanha por uma mudança no Marco Civil da Internet, promovendo uma audiência pública sobre o assunto com viés político evidente.
Em diversas ocasiões, os ministros tentaram vincular os atos de vandalismo do 8/1 e até mesmo os ataques às escolas à falta de regulamentação na internet, tratando os dois fenômenos violentos como consequência da ascensão do grupo político que governou o país entre 2019 e 2022. Em discursos e atos, ministros tentaram sinalizar que têm uma carta na manga caso o Congresso não aprove uma lei contra fake news: o julgamento sobre o artigo 19 do Marco Civil.
Os magistrados também agiram nos bastidores para negociar politicamente as indicações de novos ministros, participaram de almoços e jantares para selar acordos, deram declarações anônimas a colunas de jornalistas famosos com óbvio intuito de influir no jogo político, e criticaram publicamente parlamentares quando se sentiram contrariados pelo Congresso.
À jornalista Eliane Cantanhêde, um juiz do Supremo deixou uma declaração anônima protestando contra o voto do líder do governo, Jaques Wagner, favorável à PEC que limita decisões monocráticas do STF em novembro. O ministro em questão classificou o fato como uma "traição rasteira" e confessou que antes havia uma "lua-de-mel" com o governo. A fala foi divulgada por Cantanhêde.
"Acabou a lua-de-mel com o governo. Traição rasteira. União com os bolsonaristas contra o STF? Depois de tudo o que aconteceu? Jaques Wagner precisa renunciar à liderança, senão acabou o papo com o STF", disse um ministro segundo a jornalista, que excluiu a possibilidade de que Gilmar Mendes fosse o membro do Supremo em questão.
Publicamente, Barroso e Mendes também se manifestaram para criticar a PEC. "Este Supremo está preparado para enfrentar as investidas desmedidas e inconstitucionais, agora provenientes do Poder Legislativo. Esse tribunal não admite intimidações", afirmou Gilmar Mendes. "Esta Casa não é composta por covardes, esta casa não é composta por medrosos", acrescentou.
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