A associação sem fins lucrativos denominada Nossas.org, dona da plataforma BONDE contratada pela milícia digital Sleeping Giants, recebeu, desde 2013, cerca de U$S 2 milhões (o que equivalente a aproximadamente R$ 11 milhões, em valores atuais) em doações do Luminate Group – organização filantrópica fundada pelo Grupo Omidyar.
O grupo pertence a Pierre Omidyar, um bilionário francês de origem iraniana, fundador do site de leilões eBay e financiador de projetos e instituições progressistas. Um dos empreendimentos que integra o grupo do bilionário é o First Look Media, mantenedora do The Intercept.
O valor total das doações do Luminate Group à ONG Nossas, uma rede de ativismo político, divide-se em três contribuições, conforme consta no site do grupo: a primeira (US$ 475 mil – equivalente a R$2,5 milhões em valores corrigidos atuais) foi feita em 2013; a segunda (US$ 480 mil – quase R$2,6 milhões) ocorreu em 2016. Já na terceira contribuição, em 2018, os valores mais que dobraram, totalizando US$ 1 milhão (quase R$5,5 milhões).
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Quem é Pierre Omidyar
Pierre Omidyar, de 53 anos, é um dos fundadores do eBay (atualmente atua no conselho da organização) e um dos principais acionistas do Paypal. Ele figura entre as pessoas mais ricas do mundo. Com uma fortuna estimada em US$ 11 bilhões, ocupa a 118ª posição do ranking atual da Forbes. O empresário é conhecido por ter uma agenda de oposição ao presidente norte-americano Donald Trump. Em 2016, doou US$ 100 mil para o NeverTrump PAC, grupo que se opôs à candidatura de Trump à presidência dos Estados Unidos. Ele também fez doações para campanhas de candidatos do Partido Democrata, incluindo Hillary Clinton e Barack Obama durante as primárias presidenciais do Partido Democrata em 2008.
Desde 2004 já investiu mais de US$ 1,5 bilhão em projetos de impacto e organizações sem fins lucrativos. Em 2017, Omidyar prometeu doar US$ 100 milhões para combater "fake news". O dinheiro seria alocado em projetos de jornalismo investigativo.
Jornalismo ativista
Omidyar fundou a First Look Media em outubro de 2013, sendo o The Intercept o seu primeiro produto de “jornalismo independente”. O The Intercept foi fundado em parceria com Glenn Greenwald, que tinha acabado de deixar o The Guardian após ganhar notoriedade expondo documentos secretos da National Security Agency (NSA). Greenwald deixou o The Intercept neste ano alegando ter sido censurado ao tentar publicar um artigo que iria expor denúncias contra o então candidato democrata Joe Biden. O aporte de Omidyar ao veículo foi de 250 milhões de dólares.
O Luminate Group é um braço de engajamento que pertence ao Grupo Omidyar. A instituição já apoiou 296 organizações em 17 países com mais de US$ 378 milhões em financiamento – a ONG Nossas consta no site da entidade como “atual parceira”, alvo de investimentos. Em um artigo recente uma das diretoras do Luminate Group Alissa Black comemora a quantidade de votos de Joe Biden, define a política do presidente Donald Trump como de “ódio e divisão” e ressalta avanços nos movimentos LGBT, contra a injustiça racial e de culpabilidade da polícia.
“Como uma organização filantrópica focada na construção de sociedades justas, estamos prontos para apoiar nossos parceiros e as comunidades a que servem nestes tempos tumultuados”, cita a diretora. “Vimos o impacto de nossos parceiros nesta eleição e temos esperança de que juntos possamos, e iremos, superar os desafios que temos pela frente”.
Em seu site oficial, a entidade prega ações para a redução do que alega ser “crimes de ódio”. Em outro trecho, cita que o Luminate Group atua num cenário em que “aqueles com poder estão cada vez mais fazendo mau uso da tecnologia e dos dados para manter e melhorar suas posições na sociedade”.
Qual é a relação com o Sleeping Giants?
Não há nenhum vínculo oficial entre o The Intercept Brasil e o Sleeping Giants Brasil. O veículo, no entanto, é um entusiasta das ações da milícia digital, e integrantes da equipe manifestam publicamente apoio ao grupo anônimo.
Em conteúdos publicados em seu site, o The Intercept Brasil mencionou o movimento poucas vezes. Em um artigo publicado em 24 de maio, uma semana após a criação do perfil da milícia digital no Twitter, o autor do texto declara: “Parece que finalmente estamos tomando um bom caminho para combater a máquina de propaganda fascistoide do bolsonarismo”, ao abordar o sucesso do grupo anônimo ao fazer com que empresas cancelassem anúncios do jornal que foi a primeira vítima do grupo.
Em uma matéria que trata de uma investigação policial relacionada à milícia – cujo título é “Com argumentação psicodélica, Polícia Federal investigou Sleeping Giants Brasil”, publicada em 18 de agosto, os jornalistas que assinam o texto criticam o pedido de quebra do anonimato dos integrantes da milícia. Em publicações em seu perfil oficial no Twitter, o The Intercept Brasil também ironiza as tentativas judiciais de descobrir a identidade de quem comanda a milícia digital.
Ao compartilhar uma postagem do Sleeping Giants Brasil, no dia 7 junho, um editor do The Intercept Brasil declarou que as ações do grupo não iriam parar: “Sleeping Giants é a ação mais efetiva do Brasil esse ano. Tirar dinheiro da mão dessas pessoas é algo que ninguém conseguiu até hoje. Não por acaso estão desesperados. Não vai parar.”
Em outro tuíte, publicado em 8 de setembro em resposta a um usuário, o mesmo editor afirmou: “Foi a ideia mais genial do ano e eu tenho muita inveja de não ter tido ela antes. Não cometem nenhum crime e tiram dinheiro do bolso de canalhas e aproveitadores. Que surjam mais mil Sleeping Giants que apoiarei os mil. Chola mais”.
O editor convida seus seguidores a aderirem à página da milícia e também interage com o perfil do movimento. Ao responder o questionamento de uma usuária em sua conta do Twitter, citou: “O sleeping giants demitiu alguém por emitir opinião? Essa é nova pra mim”.
O grupo mobilizou seguidores para que marcas deixassem de anunciar na Gazeta do Povo, um jornal centenário, até que o colunista Rodrigo Constantino fosse demitido. Outros colaboradores do The Intercept também já publicaram mensagens em suas redes em defesa da milícia digital.
ONG Nossas, The Intercept Brasil e o “dinheiro infinito”
Na época do lançamento do The Intercept, Greenwald deu a seguinte declaração à revista New York, em uma reportagem sobre Omidyar: “Podemos nos dar ao luxo de fazer uma coisa diferente porque temos por trás um tipo de apoio com recursos infinitos”.
Parte destes recursos, que abastecem o The Intercept e a ONG Nossas, saem da mesma fonte: O Omidyar Group, por meio da First Look Media e pelo Luminate.
Como mostrou reportagem da Gazeta do Povo, apenas nos dois últimos anos a ONG Nossas recebeu R$9,7 milhões em doações, cuja origem, de acordo com seu site oficial, vem de pessoas físicas, mas também de fundações – como é o caso do Luminate Group. Por meio da plataforma Bonde, a ONG mantém no ar um site da milícia Sleeping Giants Brasil.
A Gazeta do Povo solicitou informações à ONG Nossas para tentar esclarecer a parceria com o Sleeping Giants e solicitou os nomes das fundações que contribuem com os valores que sustentam a rede de ativismo. Em nota, a entidade afirmou que o Sleeping Giants é apenas um dos usuários externos do Bonde, que utiliza seus serviços pagos, e que não há nenhum vínculo formal. A ONG afirmou também que não se responsabiliza pelo conteúdo dos sites criados por terceiros usando o Bonde. “O trabalho que a organização Sleeping Giants desenvolve em outras plataformas, como nas redes sociais, não é de competência do NOSSAS, por isso não temos meios formais de intervir em sua atuação. No entanto, caso julgássemos essa atuação antiética ou contrária a valores de democracia e solidariedade, não permitiríamos o uso do BONDE”, cita a nota.
A ONG, contudo, não respondeu aos questionamentos sobre quais outras fundações e instituições contribuem financiando suas atividades. A reportagem reforçou esse pedido de informação, que será publicado assim que for recebido, bem como solicitou o envio do relatório de despesas para entender o destino dos expressivos valores recebidos e administrados pela organização.
A Gazeta do Povo também entrou em contato com o Luminate Group, na sexta-feira (13), solicitando informações sobre os objetivos relacionados ao financiamento da ONG Nossas, bem como o monitoramento do uso desses recursos. Na mesma data, a reportagem contatou o The Intercept Brasil e questionou sobre a possibilidade de existência de vínculos do veículo com a ONG Nossas e com a milícia anônima Sleeping Giants Brasil. O Luminate e o The Intercept não responderam aos questionamentos. Caso o façam, a matéria será atualizada.
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