O aborto nunca esteve tão perto de se tornar legal no Brasil. O Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para votar a ADPF 442, que pode autorizar a prática até a décima segunda semana de gestação. O caso teve origem em um pedido apresentado pelo PSOL em março de 2017. E a lista de entidades que pedem para serem ouvidas pela corte pode dar uma falsa impressão de que a defesa do aborto é mais popular do que a oposição a ele. A Gazeta do Povo mapeou todas as organizações que pediram para ser ouvidas no processo como amicus curiae – figura jurídica usada em julgamentos de grande repercussão para permitir que diferentes perspectivas sejam representadas. São, até agora, 37 entidades pró-aborto e 15 contrárias à legalização.
De cara, uma particularidade chama atenção: todas as entidades pró-vida da lista são brasileiras, e nenhuma delas se mantém com recursos vindos do exterior. Do outro lado, pelo menos quatorze organizações são estrangeiras ou financiadas por entidades internacionais.
Entre as entidades pró-aborto que pediram para serem ouvidas no processo, estão a International Women’s Health Coalition (IWHC), a Human Rightws Watch, o Center for Reproductive Rights, o Consórcio Latino-Americano contra o Aborto Inseguro, o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher e o O’Neil Center, da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos. Todos eles têm sede fora do Brasil.
Na lista de organizações brasileiras a favor da legalização do aborto, muitas são financiadas por entidades estrangeiras. O Conectas Direitos Humanos, por exemplo, obteve doações generosas da Open Society Foundations, do bilionário progressista George Soros, nos últimos anos. O total entre 2017 e 2020 chega a US$ 7,3 milhões. O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) e a ong CRIOLA também são financiados pela entidade de George soros. O Grupo Curumim Gestação e Parto é mantido pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos, que por sua vez é abastecido por recursos de… George Soros. Na lista de Soros também estão Rede de Desenvolvimento Humano – REDEH, que conta ainda com o apoio da União Europeia e já foi beneficiada pela Fundação Ford. A ong SOS Corpo também recebeu financiamento da União Europeia. A Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos é parceira da ONU. A ong Católicas pelo Direito de Decidir é o braço brasileiro de uma organização sediada nos Estados Unidos, e também recebe financiamento estrangeiro.
As entidades pró-aborto afirmam ao STF que a proibição viola os direitos das mulheres porque nega a autonomia delas sobre o próprio corpo. Poucas petições dão a devida atenção ao aspecto central da disputa: a discussão sobre a proteção da vida do nascituro. A ong CRIOLA argumenta que a proibição do aborto alimenta o “racismo estrutural”. A Associação Brasileira de Antropologia alega que “as normas e leis a propósito da saúde sexual e reprodutiva das mulheres em nosso país são sobremaneira androcêntricas, escritas e validadas por homens sobre o domínio e normatização dos corpos das mulheres.” O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) se apega à “defesa do Estado laico e a efetiva separação entre Estado e Igreja.”
O Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, até toca no tema da vida do nascituro, mas argumenta que o direito à vida não se sobrepõe aos demais. “Como não há na Constituição Federal qualquer direito absoluto, inexiste hierarquia predeterminada do direito à vida do feto em relação aos diversos direitos da mulher, altamente restringidos em decorrência da criminalização do aborto”, a petição do Centro Acadêmico argumenta.
Desproporção de forças
Embora as pesquisas apontem que a maioria dos brasileiros se opõe à legalização do aborto, essa corrente nem sempre se reflete na esfera pública. Para Paulo Fernando Melo da Costa, que assina a petição de amicus curiae da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, existe uma diferença de perfil entre as entidades contra o aborto e as que são a favor da prática. "De fato, poucas entidades pró-vida organizadas ingressaram como amicus curiae. Temos muitas entidades pró-vida espalhadas pelo país, mantidas por voluntários e com o firme propósito de salvar vidas – diferente das entidades pró-aborto que são patrocinadas e financiadas", afirma ele, que é advogado e atua na causa há muitos anos.
Para Paulo Fernando, a promoção internacional do aborto teve sua origem no Relatório Kissinger, uma diretiva adotada pelo governo dos Estados Unidos na década de 1970 e que prevê o controle demográfico por meio de diversos mecanismos, inclusive o aborto. De lá para cá, multiplicaram-se também as entidades não governamentais que atuam na causa.
Edna Zili, presidente da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos, que também apresentou petição para defender a proibição do aborto na ADPF 442, tem uma explicação diferente: “Uma das razões pode ser a argumentação de que o aborto seria uma questão de saúde pública e um direito da mulher. Isso pode fazer com que a pauta receba apoio sob a justificativa de proteger um direito humano”. Para ela, o equívoco “é ignorar a vida carregada no ventre materno, cuja proteção deve ser concedida desde a concepção.”
Apesar da pressão de grupos pró-aborto, a presidente da Anajure acredita que o STF pode decidir pela proteção à vida – não só por causa dos argumentos científicos e morais, mas também pelo que estabelece a própria Constituição. “Trata-se de exercer a vocação atribuída ao STF de guardião constitucional, uma vez que o texto constitucional é muito claro ao proteger, sem ressalvas atinentes à fase do desenvolvimento humano, o direito à vida e à integridade física”, observa.
Uma das poucas entidades não religiosas e não governamentais a peticionar para defender a vida na ADPF 442 foi o Instituto Liberal do Nordeste. Membro da organização e signatário do documento, o advogado Rafael Saldanha, afirma que, como o Brasil tem uma sólida maioria contra o aborto e é um país de tradição católica, aqueles que querem mudar este cenário sabem que precisam investir pesado. "A descriminalização do aborto é uma das pautas consequentes da liberação sexual de décadas atrás. É a ponta final da irresponsabilidade sobre os frutos do ato sexual, ainda que sob o custo desumano de ceifar uma vida. Colocando a coisa assim, cruamente, talvez nos ajude a imaginar o quanto de investimento e esforços em publicidade, comunicação, dominação dos meios escolares se fazem necessários para corromper a posição moral das pessoas e as convencer de serem pró-aborto", ele analisa.
Na visão de Saldanha, é preciso que mais organizações da sociedade civil se dediquem à defesa da vida, inclusive no âmbito judicial: "Se a sociedade abre mão do valor da vida, especialmente num momento em que esta vida é tão dependente de cuidados, restam pouco pilares de moralidade para estabilização e confiabilidade social. Afrouxar a legislação que pune o aborto é acelerar ante o abismo do desarranjo social."
Há a expectativa de que o julgamento da ADPF 442 seja iniciado em breve, já que Rosa Weber assumiu a presidência do STF no mês passado e decidiu manter a relatoria do caso em vez de repassá-la a um colega, o que aconteceu com praticamente todos os outros processos que eram relatados por ela. Como Rosa Weber vai se aposentar em outubro do ano que vem, é provável que ela queira incluir o tema do aborto em pauta antes de deixar a corte.
Até agora, a ministra relatora do caso, Rosa Weber, deferiu três pedidos de amicus curiae – todos ainda na fase inicial do processo, em maio de 2017: os do Partido Social Cristão (PSC), da União dos Juristas Católicos de São Paulo e do Instituto de Defesa da Vida e da Família.
Se o pedido do PSOL prevalecer, os artigos 124 e 126 do Código Penal (que proíbem o aborto, mas preveem que a prática não seja punida em casos de estupro e risco de vida à mãe) serão modificados para permitir o aborto – por qualquer motivo – até as 12 semanas de gestação.
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