Serviço
Flora Munhoz da Rocha está sendo velada na Capela Vaticano (Rua Hugo Simas, 26), até as 15 horas de hoje.
Os paranaenses dos quatro costados costumam contar uma história saborosa. No final da 1960, ao comprar um imóvel na Praça Osório, o então ex-governador Bento Munhoz da Rocha disse a sua companheira, Flora, que "aquele seria seu apartamento de viúva". Ela achava graça. Poderia ir antes do marido, afinal. Ao que ele respondia: "Os Camargo são eternos", numa referência à longeva família da mulher, filha de um dos mitos políticos do estado, Affonso Camargo.
Bento estava certo. Morreu em 1973. Flora "viveu para contar", merecendo a fama de eterna. Chegou aos 103 anos, completados em 23 de setembro deste ano. Gostava de dizer que buscava um recorde ir mais longe do que sua irmã, Eleonora da Veiga, hoje com 110 anos. Perdeu essa aposta, mas ganhou todas as outras. A discreta esposa de Bento eleito o "Paranaense do Século" numa pesquisa de 2008 da Gazeta do Povo morreu ontem, no início da tarde, de causas naturais, no posto de a mais marcante primeira dama de que se teve notícia. Não é exagero dizer que há um antes e depois de Flora.
Flora Camargo seguiu à risca os protocolos das meninas bem-nascidas. Estudou no Cajuru e no Sacre-Coeur, cultivou tanto as letras quanto as habilidades manuais. É curioso. Por boas décadas não só confeccionou seu próprio guarda-roupa como se deu por satisfeita com ele. "Conservava várias peças, numa espécie de galeria, e nos mostrava quando a visitávamos", conta a amiga e parceria na Academia Paranaense de Letras (APL), Chloris Casagrande Justen, atual presidente da instituição.
A moça prendada se casou aos 17 anos os Camargo e os Munhoz da Rocha eram próximos, nada mais natural. Tiveram cinco filhos: Caetano, Mitzy, Daisy, Sandra e Suzana. Em 1951, com a chegada de Bento ao poder, a surpresa. Flora manteve a discrição própria de quem foi educada por freiras francesas. Os amigos, inclusive, sempre a destacam como "a grande observadora". A questão é que o governo a que assistiu colocou o Paraná nas trilhas da modernidade, um fato que não a pegou distraída. "Tenho para mim que Flora foi educada para viver esse papel. Não decepcionou", diz a amiga "de uma vida inteira", a escritora Liamir Hauer, 91.
"Gosto de dizer que Flora era feminista antes mesmo dessa palavra existir", resume a nora Gilda Carnasciali Munhoz da Rocha. Prova disso é que não se acomodou aos rapapés palacianos. Nos idos da década de 1950, enquanto o marido erguia o Centro Cívico, para citar um de seus feitos, ela fundava a assistência social no estado. Criou o projeto Cidade dos Meninos para a dita "infância desvalida" e mais de 400 postos de puericultura. Parte desses projetos sumiram em gestões posteriores um desacato que, também em silêncio, nunca perdoou. "Marca de sua elegância", comenta a jornalista Rosy de Sá Cardoso, que soma mais de 60 anos de vida profissional, tempo em que observou a grande dama.
Não se tratava de uma mulher para ser lembrada pela roupa que usou numa recepção do Palácio Iguaçu. Era ilustrada. Ainda que à sombra de um orador como Bento, dava-se com as palavras, um gosto que não conseguiu manter preso aos diários privados. Escreveu uma dezena livros, o primeiro, Apontamentos, em 1954. Publicou colunas na revista O Cruzeiro e jornal Gazeta do Povo, entre outros veículos. Em 2008, quando somava já 97 anos, as escritoras Chloris Justen e Adélia Woellner lutaram para lhe fazer justiça, apoiando sua candidatura à Academia Paranaense de Letras. Ocupava a cadeira n.º 10. O tempo e a idade logo a impediram de desfrutar da vida de acadêmica mas Flora sabia se comunicar como poucos, inclusive por cartas. "Continuou presente, a seu modo. Era um ícone", reforça Chloris.
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