Participantes do projeto Revelando Olhares| Foto: Divulgação/ Revelando Olhares
As fotografias são resultado das aulas práticas que ocorrem uma vez a cada três semanas

"Fotografar é colocar na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração", disse certa vez o francês Henri Cartier Bresson (1908-2004), considerado um dos maiores fotógrafos da história. Porém, a dicotomia entre técnica e arte está ultrapassada. Celulares e mídias sociais trouxeram o registro e publicação de imagens para o campo do comportamento. Um fenômeno perceptível entre os mais jovens, cuja alfabetização digital, espontânea, corre paralela ao domínio da escrita.

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Nesse cenário de excessos, um grupo voluntário de Curitiba está ajudando crianças da rede pública de ensino a alinhar as três ferramentas citadas por Bresson. Profissionais de comunicação, elas promovem o Revelando Olhares, curso itinerante de fotografia com câmeras profissionais. O objetivo é, além de domar o equipamento, fazer com que o aluno consiga desenvolver sensibilidade para registrar e apreciar imagens. Ou, parafraseando Dorothea Lange, outra fotógrafa, usar a câmera para ensinar a ver sem a câmera.

Fruto de amizade

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O projeto nasceu da amizade entre as designers e fotógrafas Carolina Corção, 24 anos, e Deborah Schwanke, 40. Elas se conheceram em 2007, durante estudos de pós-graduação e descobriram que, além do interesse pelas lentes, também tinham em comum a afinidade com trabalhos sociais. "A fotografia é uma forma eficiente de retratar a realidade e também fazer uma crítica a ela. Em meu projeto de conclusão de curso, estudava a atividade como forma de transformação social", lembra Deborah. Durante esse período, ela conheceu um projeto na favela da Maré, no Rio de Janeiro, em que as crianças usavam a fotografia como forma de destacar beleza em meio a tantas carências.

Enquanto isso, Carolina participava de alguns trabalhos voluntários nessa área. "Fiquei intrigada com a vontade das crianças de tirar foto. É uma natureza específica, sem a preocupação de acertar ou errar", conta. "As crianças são mais abertas a novidades e grandes receptores de informação". Somando experiências, elas amadureceram a ideia até formatar a proposta original apresentada aos diretores de escolas.

A dupla virou um quarteto com a chegada de Tainá Zanchet, 30 anos, e Paula Minetto 40, responsáveis pelo setor financeiro e de contato comercial do Revelando Olhares. O projeto não recebe recursos em dinheiro, mas empresas parceiras fornecem revelação e conserto de equipamentos gratuitamente.

Foram realizados cursos em escolas de São José dos Pinhais, Campina Grande do Sul, Almirante Tamandaré, Lapa e Rio Branco do Sul. Após o projeto ser recebido pelo diretor da instituição escolhida, elas passam a ministrar aula aos sábados, uma vez a cada três semanas, por um semestre. A turma tem em torno de vinte crianças, e o público-alvo são alunos com problemas de disciplina ou aprendizado.

Estranheza inicial se transforma em confiança, amizade e interação

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As câmeras do projeto Revelando Olhares são digitais, doadas por colegas. São modelos menos sofisticados, embora preservem as funções manuais próprias da fotografia profissional. A relação das crianças com a atividade é diversa. Por se tratar de comunidades de baixa renda, algumas jamais tiveram contato com qualquer tipo de câmera. Porém, o celular é um equipamento que começa a penetrar também nessa faixa de idade e renda familiar.

Na primeira aula, as coordenadoras pedem às crianças que escolham uma das fotos da oficina anterior, feita por outras crianças, e levem para casa. "Elas explicam porque gostaram daquela imagem. É uma criança se comunicando com outra", relata Carolina Corção, uma das voluntárias.

Para além da técnica, a alfabetização visual é considerada a contribuição mais importante para o desenvolvimento intelectual dos beneficiados. "Essa geração está exposta a uma quantidade de imagens muito maior que a nossa. Na aula sobre fotografia analógica, elas ficam surpresas ao conhecer o processo de filme. Mostramos a elas os diferentes usos que podem ser feitos, e como diferenciar cada função".

Comportamento

Na primeira aula, contam os coordenadores, o sentimento é de estranheza. As crianças ficam tímidas e demonstram medo em manusear a câmera. Mas em breve a interação começa a ocorrer – primeiro entre os alunos e o equipamento, depois entre si. "Eles trocam muita informação e se elogiam com frequência. Temos casos de alunos que antes não falavam com os colegas e se tornaram comunicativas", destaca Carolina. Em oposição, alunos muito inquietos melhoram a capacidade de direcionar essa energia para uma tarefa específica.

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Ao final do curso, os alunos fazem uma curadoria do próprio trabalho e organizam uma exposição na escola. "As fotos são tiradas para que fiquem visíveis, e não no fundo da gaveta. Além de despertar o olhar das crianças, acredito que esse trabalho mude também o nosso próprio olhar, acostumado a uma vida corrida e maluca. É um exercício de carinho e paciência", afirma a voluntária Deborah Schwanke.

Revelando Olhares