Se os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) pedissem a opinião do curitibano O.G., 39 anos, sobre a descriminalização das drogas, receberiam um “OK”. “Sempre vai ter o tráfico. Essa é outra questão. Para os dependentes químicos, seria ótimo”, diz o rapaz que tem dependência cruzada – usa várias drogas – está desempregado e considera que a curiosidade, que o levou às drogas, “só atrasou sua vida”. Hoje, a maconha é uma espécie de remédio para O.G. – uma estratégia terapêutica para redução de danos. Ou a cannabis, ou...
O.G. fez sua primeira viagem ao mundo das drogas aos 17 anos. “Queria ver qual era”. Começou com a cocaína – e não com a maconha, em desacordo com o que se pensa ser um padrão. Gostou, “muito”, como diz, de modo que pautou sua rotina pelo consumo, sempre no crescente, até a implosão de todo e qualquer plano.
Morava com os pais – na Vila São Pedro, Xaxim – e por muito tempo eles mal suspeitavam do que acontecia. Nem das mudanças súbitas de comportamento desconfiavam. “Eles eram ingênuos”. O dinheiro O.G. ganhava ia para as drogas, consumidas em casa de amigos ou em bares da região sul, cujos proprietários autorizavam a roda de conversa regada a álcool e o que mais pintasse.
Foram 22 anos de maratona em busca de entorpecentes – uma verdadeira crônica da “vida loka”, com todos os capítulos clássicos: dilapidação do pequeno patrimônio, desemprego, relação tensa com a família e desagregação. O.G. não soube o que era rotina nas duas últimas décadas. Fugiu de traficante. Atravessou drogas. Produziu sua própria pedra – cuja receita caseira ele partilha com a reportagem qual um programa de culinária. “O crack nem estava na moda e eu já sabia fazer”.
Um dia perdeu tudo – os pais não suportaram sua companhia, não havia emprego, as recaídas vinham cada vez mais amiúde. “Tive uma overdose. Fiquei com 50 quilos. Fui expulso de clínicas. Pensei até em virar evangélico. Mas seria uma mentira. Não acredito”. Restou-lhe uma rotina de “correria”, a serviço de traficantes, dos quais hoje têm de fugir. “Eles querem me matar. Mas não posso viver me escondendo”.
O.G. mora numa pensão-abrigo – o que mais lhe custa. “É um lugar horrível. Não vejo a hora de sair dali. Há pessoas lesadas, que urinam no chão. Que surtam. Uma tormenta”, conta. Mas viver ali é uma condição para que possa frequentar o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CapsAD) no qual está vinculado.
A pensão lhe incomoda. A impossibilidade de se aproximar da mãe é um desalento – mas uma condição imposta pela família, depois de tantos desacertos. De tudo, porém, o que mais dói é a sensação de tempo perdido – de uma vida jogada fora. Os terapeutas do Caps o auxiliam, para que esboce um recomeço. Tudo concorre contra – inclusive a solidão. A maconha, nessas horas, ganha sentido terapêutico. Faz parte da política de redução de danos. “Não fosse ela, eu não segurava a onda. Cairia de novo. Acredito na legalização. Facilitaria para gente doente como eu. Quanto ao tráfico, ah meu, isso não vai acabar nunca”.
O.G. foi encaminhado ao CapsAD pelo projeto Intervidas. Ele vagava pela Praça Osório quando se aproximou da equipe da Secretaria Municipal de Saúde, em abril deste ano.