Imagine ser pego dirigindo acima da velocidade permitida e ter de pagar uma multa de R$ 4 mil e perder a carteira por três anos. Voltou a pisar demais no acelerador? A multa dobra e você passa três meses na prisão mais próxima. Se sanções como essas parecem distantes da realidade brasileira para a sorte dos motoristas apressados , no exterior elas fazem escola. Securité routière, a palavra de ordem para as autoridades e motoristas franceses, pode ser traduzida não só como segurança no trânsito, mas também como uma política de medidas extremas capaz de, em uma década, reduzir pela metade as vítimas de acidentes nas estradas.
O rigor na legislação e as campanhas permanentes, focando tanto crianças como motoristas de longa data, transformaram a França em um dos cases mundiais mais influentes no combate à violência no trânsito. Nos últimos 10 anos, as mortes no país passaram de 8 mil para cerca de 4 mil, mesmo com o incremento populacional e na frota de veículos. Enquanto a taxa brasileira é de 21,5 mortes para cada 100 mil habitantes, no país europeu o número é três vezes menor na faixa de 6.
As estatísticas que envolvem motoristas franceses e brasileiros não são tão díspares por acaso. Na França, segurança no trânsito é tema recorrente na mídia, na grade curricular das escolas e até em debates políticos em época de eleição. Desde o início da década de 1970, um comitê interministerial, presidido pelo primeiro-ministro francês, centraliza as principais decisões e medidas a serem tomadas nas ruas com base em pesquisas e estudos científicos de um observatório nacional de trânsito.
Modelo
O modelo tem servido de referência a outros países, incluindo o Brasil. No começo deste mês, o presidente do Centro de Pesquisa da Medicina de Tráfego francês, Charles Mercier Guyon, esteve no Rio de Janeiro para apresentar a experiência do país no combate às mortes no trânsito, durante o 15.º Etransport Congresso sobre Transporte de Passageiros.
Para Guyon, as mudanças na realidade francesa estão intimamente ligadas à conscientização dos motoristas e, por outro lado, ao medo das sanções previstas. "Uma boa política de segurança deve partir de um observatório de dados para se entender a causa das mortes e que ações podem ser tomadas. Em seguida, são necessárias políticas integradas, com uma visão a longo prazo", defende.
Na América do Sul, países como Argentina e Peru também institucionalizaram a segurança no trânsito, criando órgãos específicos que centralizam informações e integram diferentes ministérios. No Brasil, ações semelhantes estão previstas no Plano Nacional de Redução de Acidentes, que tem a meta de reduzir em 50% as mortes nas estradas até 2020 em 2010, 40,9 mil pessoas morreram em acidentes no país.
FalhaBrasil peca pela falta de rigor no cumprimento de leis
Na França, as principais ações legislativas e de conscientização da população foram tomadas no início da década de 2000 para diminuir o número de ocorrências no trânsito envolvendo o consumo de álcool, excesso de velocidade e a falta do uso do cinto de segurança. Desde então, motoristas alcoolizados ou que dirigem acima da velocidade estão sujeitos a sanções mais severas, tanto no valor da multa quanto dos pontos na carteira no país, a licença é recolhida quando se atinge 12 pontos.
O efeito do álcool e de outras substâncias na condução de veículos chegou a motivar pesquisas científicas com foco no uso de medicamentos. Atualmente, as embalagens de remédios possuem uma espécie de legenda que indica como as substâncias ativas podem influenciar no ato de dirigir.
Referência
Para especialistas, apesar de viver uma realidade social e cultural diferente, a França pode servir de referência para embasar mudanças concretas no Brasil, principalmente no que se refere ao rigor das leis de trânsito. Uma das críticas mais comuns no Brasil diz respeito ao baixo valor das multas, que permanece inalterado desde a criação do Código Brasileiro de Trânsito (CTB), em 1998. Por outro lado, medidas mais severas, como a recente Lei Seca, acabaram caindo em descrédito por causa de brechas na própria legislação como a recusa em se fazer o teste do bafômetro, amparada no preceito legal de que o motorista não pode produzir provas contra si mesmo.
"A realidade brasileira entra, em alguns momentos, num comodismo em relação à violência no trânsito. Não há efetivo suficiente ou treinamento adequado para os agentes de trânsito. A Lei Seca foi uma evolução, mas em seguida deu um passo atrás", afirma o engenheiro civil Luiz Gustavo Campos, diretor da Perkons, empresa especializada em gestão e segurança viária.
O repórter viajou a convite da organização da 15.ª Etransport.