Entenda o caso
Após um ano e dois meses de investigação, na qual ouviu 70 pessoas em cinco cidades do Litoral do Paraná, a Gazeta do Povo passou a publicar em abril deste ano uma série de reportagens revelando o desvio de indenizações que teriam de ser pagas aos pescadores atingidos por dois acidentes ambientais causados pela Petrobras. Veja os principais acontecimentos:
10 de abril A Gazeta do Povo publica a primeira reportagem mostrando que a advogada Cristiane Uliana havia se apropriado indevidamente do valor da indenização de 18 pescadores. A pescadora Ozília do Rosário, por exemplo, passava fome ao mesmo tempo em que R$ 37 mil eram sacados de sua conta judicial.
11 de abril No dia seguinte à primeira reportagem, a seccional no Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil instaura processo disciplinar contra a advogada Cristiane Uliana.
12 de abril Nova reportagem da Gazeta do Povo revela que entre as pessoas que representaram contra a Petrobras havia quatro mortos antes dos acidentes que geraram as ações de indenização. Um deles nunca havia sido pescador.
15 de abril A Justiça de Paranaguá decreta a quebra de sigilo bancário e fiscal da advogada Cristiane Uliana por suspeita de apropriações indevidas de indenizações dos pescadores.
Maio A 1ª Promotoria de Justiça de Paranaguá abre investigação motivada pelas reportagens da Gazeta do Povo.
25 de junho A Polícia Civil prende os advogados Levi de Andrade e Jorge Mohr por tentarem cooptar clientes de outros advogados.
9 de julho Pescadores que tiveram suas indenizações desviadas passam a receber os valores correspondentes.
5 de agosto Oito pessoas são presas entre elas o juiz Hélio Arabori e o dono de cartório Ciro Antônio Taques - acusadas de montar um núcleo de fraudes milionárias dentro da 1.ª Vara Cível de Paranaguá. Outras sete pessoas têm a prisão decretada e são consideradas foragidas da Justiça.
7 de agosto A seção paranaense da OAB-PR investiga a conduta dos cinco advogados acusados de integrar um núcleo de fraudes milionárias, que teria lesado centenas de pescadores do Litoral do Paraná.
20 de agosto Justiça recebe do Ministério Público denúncia contra 19 pessoas que estariam envolvidas no núcleo de fraudes montada na 1.ª Vara Cível de Paranaguá.
21 de agosto Justiça determina o bloqueio de bens no montante de R$ 16 milhões de oito acusados, entre eles o juiz Hélio Arabori e o escrivão judicial Ciro Antônio Taques.
Suspeita
Promotoria pede que TJ investigue juíza por possível envolvimento
A pedido do Ministério Público, a 1.ª Vara Criminal de Paranaguá determinou que cópia dos autos da Operação Tarrafa seja remetida ao Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), para que se apure a eventual participação da juíza Grabiela Scabello Millazo Taques no esquema denunciado de apropriação indébita das indenizações de pescadores.
Segundo a 1.ª Promotoria Criminal de Paranaguá, há indícios de envolvimento da magistrada, que desde 2007 é casada com o escrivão Ciro Antonio Taques, apontado como o mentor do núcleo de corrupção e que está preso há uma semana.
"Registre-se que, inicialmente, se acreditava na simples conivência da referida magistrada às condutas de seu marido. No entanto, após a juntada e análise de diversos documentos (...) sobrevieram indícios do envolvimento da referida magistrada na prática de crimes", consta da cota do MP acatada pela Justiça.
Sem envolvimento
Até o fim da tarde de sexta-feira, o TJ-PR não havia sido comunicado oficialmente da decisão. A juíza, por sua vez, negou participação no grupo denunciado. "Essa situação começou quando o Ciro [Taques] era casado com outra pessoa. Eu nunca tive envolvimento com essa situação. Vou rebater veementemente essa circunstância e acionar a minha associação [Associação dos Magistrados do Paraná]", disse.
Questionada se sabia das práticas do marido (denunciadas pelo MP), Gabriela preferiu não comentar. "Não vou expor. Não tenho nada que comentar neste momento com a imprensa. Fato é que não tenho função nenhuma nessa operação, nessa suposta organização."
Estatal sabia do envio de mensagens, diz advogado
O advogado Ananias Cézar Teixeira disse à Gazeta do Povo que os e-mails trocados entre ele e Arival Junior eram encaminhados à Petrobras, que teria ciência da relação de ambos
A central de fraudes montada no Fórum de Paranaguá para desviar indenizações pagas pela Petrobras a pescadores atingidos por acidentes ambientais também teria lesado a estatal. O Ministério Público vai investigar o advogado defensor da Petrobras por suposto envolvimento com os líderes do esquema, presos há 19 dias. Em depoimento à 1.ª Promotoria de Justiça de Paranaguá, parte dos réus declarou que o advogado da estatal teria recebido dinheiro das fraudes. A Gazeta do Povo teve acesso a uma série de e-mails trocados entre ele e um dos líderes do grupo.
Veja trechos de alguns e-mails trocados entre o advogado da Petrobrás e Arival Junior
No relatório final da Operação Tarrafa (que desbaratou o núcleo de corrupção e mantém três pessoas na prisão), o Ministério Público pede à Justiça que se extraia cópia dos autos "para apurar eventuais condutas delituosas remanescentes e a contribuição de outras pessoas nos crimes praticados".
A 1.º Promotoria de Paranaguá confirma que entre essas pessoas está o advogado Ananias Cézar Teixeira, que defende a Petrobras em ações movidas por pescadores contra a empresa no Paraná.
Um dos réus que apontou a participação de Ananias no esquema é o serventuário Arival Tramontin Ferreira Júnior. Segundo ele, havia um acordo prévio entre o núcleo das fraudes e o escritório que defendia a Petrobras para que os advogados dos pescadores ajuizassem ações em excesso. Isso gerava custas processuais e honorários advocatícios pagos pela Petrobras que posteriormente eram divididos pelo grupo.
Benefício duplo
Dessa forma, há indícios de que Ananias receberia duas vezes: sua parte nos honorários da Petrobras e uma porcentual do que o grupo arrecadava com as ações contra a estatal. "O Hélio [Silvano Biaggi, ex-escrivão da 2.ª Vara Cível de Paranaguá] fazia depósito ao Ananias na conta dele no Banco Safra. Ele chegou a mostrar os comprovantes", disse Arival Junior em entrevista à Gazeta do Povo, em maio, três meses antes de ter a prisão preventiva decretada pela Justiça a pedido do MP. Ele está foragido.
Os pagamentos das custas eram feitos pela Petrobras por meio de cheques nominais aos escrivães das varas cíveis. Segundo Arival Junior, os pagamentos ocorreram entre julho e dezembro de 2004 e entre agosto de 2005 e fevereiro de 2006.
Ele afirma que nessas ocasiões o advogado da Petrobras acompanhava o grupo até a agência do Banco do Brasil no bairro Água Verde, em Curitiba, onde os cheques eram sacados e o dinheiro seria repartido.
"O Ananias descia [a Paranaguá], distribuía as ações. Quando ele distribuía, ele já dava o cheque. Aí, eles [advogados, escrivães e Ananias] subiam no Banco do Brasil e lá dentro faziam a partilha", detalhou. Em depoimento ao MP (ao qual a Gazeta do Povo teve acesso), a advogada Cristiane Uliana também disse que Ananias recebia dinheiro por participar do esquema e que o excesso de ações ajuizado para gerar custas era feito "com a anuência do advogado da Petrobras".
Em resposta à reportagem, a estatal emitiu a seguinte nota: "A Petrobras informa que, antes da data de hoje [quinta-feira], não tinha conhecimento, nem suspeitava, de suposto envolvimento de escritório contratado em atos relacionados à denominada Operação Tarrafa. A Companhia reafirma o compromisso com a ética e a transparência que rege suas relações com seus públicos de interesse e ressalta que irá obter esclarecimentos formais acerca das denúncias, a fim de avaliar as medidas jurídicas a serem adotadas."
Advogado trocava e-mails com líder do esquema
Além do depoimento de dois acusados de desviar indenizações de pescadores, documentos obtidos pelo Ministério Público reforçam os indícios de que o advogado Ananias Teixeira teria contribuído para lesar também a Petrobras, que o contratou para defendê-la nessas ações. Entre as evidências estão 33 e-mails trocados entre Ananias e Arival Junior, entre 29 de fevereiro e 10 de setembro de 2008.
Mais do que denotarem proximidade entre os dois, os e-mails mostram que o advogado da Petrobras chega a revisar cálculos feitos por Arival Junior numa ação movida contra a estatal, orientando-o sobre como fazer as contas. "Seguinte... suas execuções novas estão com excesso em razão da capitalização dos juros... Você mudou a formula dos calculos... (...) Gera uma diferença de R$ 4.000 de excesso... Não me dê trabalho homem... rs" (sic), diz parte da mensagem.
Em uma mensagem anterior, Arival Junior fala com o advogado da Petrobras em tom de camaradagem. "Estive meio afastado. Problemas com a família. Mas a vida vai indo. Por favor, conte alguma notícia boa, para nós é claro. Alguma movimentação?" (sic). A Promotoria confirmou que a troca de e-mails entre Junior e Ananias será usada na investigação.
Para o advogado criminalista Carlo Frederico Müller, a comunicação direta entre Ananias e Arival Junior é irregular do ponto de vista ético e criminal. Se for "comprovado que o advogado está dando instrumentos à parte contrária, para que esta possa processar a empresa que ele defende, isso é falta disciplinar grave e crime de patrocínio infiel", disse.
Previsto no Código Penal, o crime de patrocínio infiel tem pena prevista de seis meses a três anos de detenção e multa. As eventuais faltas disciplinares costumam ser apuradas administrativamente pelo Conselho de Ética da OAB.
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