O prefeito Gustavo Fruet (PDT) é um sujeito diferente quando se põe na frente de um gravador. Antes e depois de uma entrevista, está em seu modo normal, descontraído. Ao fim da conversa com os repórteres, depois de falar por uma hora e meia sobre crise, brinca que vai fazer “o que sempre faz ao meio-dia“ e finge que vai pegar uma garrafa de conhaque escondida no armário de seu gabinete. Claro, não há nada.
Antes de desligar o microfone, o tom é outro. É o tom de quem precisa explicar minuciosamente porque as coisas andam mais lentamente do que ele gostaria. Diz que é o pior momento para ser prefeito em 50 anos. Sobre o transporte coletivo, diz que a cidade ficou sem escolha: as empresas que atuam na cidade, independente do resto, são as únicas que há.
Veja o resultado da entrevista, feita no último dia 28.
Assista à entrevista com Gustavo Fruet, prefeito de Curitiba
Fruet fala dos desafios do orçamento, do transporte e da relação com o governo do estado.
+ VÍDEOSUma crítica que a sua gestão enfrenta é de não tomar medidas mais drásticas para resolver o impasse do transporte coletivo.
Só confronto, só medida drástica. Pela primeira vez estamos aplicando os indicadores de qualidade, que nunca foram aplicados. Contamos semana passada R$ 7 milhões. Ameaça de demissão de 2 mil trabalhadores. E como que não é medida drástica? Todo dia. Nós abrimos informações. Nunca foi feito. Mas o que teve de diferente? Primeiro, hoje tem uma decisão do Tribunal de Contas que antes não tinha. E o que o Tribunal define? Algumas questões já aplicamos, mas outras têm um custo. É uma engenharia que não é simples, não.
Estamos tentando recompor o sistema. Conversa franca e aberta com as empresas. Daí não é 8 ou 80. Acho que nunca briguei tanto na minha vida. Sempre deixei claro, e reafirmei: fizeram demagogia com o IPTU e com o lixo de Curitiba, não reajustaram a planta genérica durante 10 anos. É um crime com a cidade. E sempre disse que a tarifa virou um símbolo eleitoral. Em todo ano eleitoral não se fazia o reajuste necessário e não se fez de acordo com o contrato em 2012. Isso tem consequência e os valores são muito expressivos.
Então, a gente está procurando desde o primeiro dia evitar que o sistema entre em colapso. Desde o primeiro dia, tentar recompor o financiamento. Curitiba tem o sistema mais caro do Brasil. Quem usa o sistema quer uma melhora. Mas hoje nós chegamos no limite da capacidade do transporte. Então quando falo no eixo norte-sul, ele tem uma capacidade e vai chegar a 20, 23 mil usuários/hora. Então, quando a gente fala em metrô, é porque Curitiba, principalmente no eixo sul precisa urgentemente de um sistema que possa chegar a 30, 35 mil usuários/hora.
O metrô parou por decisão do TC e o governo federal disse que não vai atualizar a parte dele pela inflação. Tem como começar a obra mesmo assim já no ano que vem?
Sim. Acho que esse ano ainda a gente vai estar com o edital pronto. Agora, só vou lançar o edital se a gente tiver a segurança dos recursos. Por incrível que pareça, a crise agora ajuda. Um projeto desses vai chegar no auge no terceiro ou quarto ano, o Brasil vai precisar de investimentos. Se, num cenário realista, vamos dizer, ano que vem houver retração e em 2017 uma estabilização, o auge do investimento do metrô estará numa retomada da economia.
A prefeitura vai assumir uma parcela maior de investimento?
Não, não. Isso não. Passa por empréstimo internacional, BNDES, tem seguro... Tem que ser, isso é uma operação financeira.
O atual contrato com as empresas de transporte é bom para a cidade?
Vamos dizer que vai terminar essa licitação, vai se abrir uma nova licitação, quem vai entrar? Quem são os atores? Em cada grande cidade brasileira temos grupos que, ao longo do tempo, se dedicaram a isso, não se criou alternativa. Então quando falo do metrô, os 20% de demanda da Região Sul, quando falo na Linha Verde, é uma forma de buscar alternativas sem ter que enfrentar todas as consequências previsíveis e imprevisíveis de uma mudança no modelo atual. Isso tem que ser passado para a sociedade. Temos que buscar novas opções, um novo modelo, um novo perfil de investimento, porque senão vamos trocar sempre seis por meia dúzia.
Qual o seu entendimento sobre as gratuidades do sistema, que é um dos itens que o TC pediu para tirar do cálculo da tarifa?
As que tem vamos manter. Agora, deixar claro que toda nova gratuidade tem de apontar fonte.
Como diminuir custos do sistema?
Hoje o que mais impacta na tarifa é mão de obra. O que a gente propôs? Nos últimos cincos anos, esse setor foi o setor que mais teve reajuste acima da inflação em Curitiba. É justo para uma carga de seis horas, ok. Mas isso vai para a tarifa técnica. Num momento de bonança, se estabeleceu o vale. Num momento de crise, quando atrasa um, dois dias, com uma ou duas empresas, há ameaças de se parar o sistema.
Vocês vão lembrar que no final da gestão passada, foi um dos presentes que eu recebi, sancionaram uma lei proibindo que o motorista dos micro-ônibus cobrasse. Se a prefeitura fosse contratar cobradores para esses micro-ônibus teria de chamar mais de 500 cobradores. Isso tem um custo. Então a gente estabeleceu que no micro-ônibus só entra o cartão. A gente propôs no cartão uma diferença no preço, porque o risco de roubo diminui muito e o controle financeiro chega próximo da eficiência. E o que nós propusemos, [ a partir disso]: à medida em que as pessoas vão evoluindo para o cartão, e à medida que os cobradores vão deixando de ser cobradores, ou porque saem do sistema, ou porque se tornam motoristas, não se contrata. Isso daria um ganho de quase 20%. Isso é um tema impossível hoje. Vira uma causa. O MP nos proibiu de oferecer a diferença no cartão. A Justiça do Trabalho, o sindicato [Sindimoc] e a Câmara se posicionam contra... Então é aquilo que falei, avançamos um passo e recuamos três.
Uma das maneiras de otimizar o sistema é fazer a integração temporal. Existe alguma expectativa de fazer isso? Por que não foi feito mais rapidamente?
Por todas essas variáveis, porque tem custo e altera o contrato. Mas a ideia, se tudo transcorrer bem, é começar no ano que vem.
O orçamento de 2016 é 6% maior, prevendo aumento de arrecadação e melhora da economia nacional. Não é excesso de otimismo?
É realista. Ninguém trabalhava com uma queda de três pontos no PIB. Vivemos um ano de retração. Isto gera imprevisibilidade e, além disso, no ano que vem o cenário estimado é de uma retração próxima de 1,5%, o que é muito expressivo também. É um cenário que tem variáveis. No orçamento, a gente trabalhou com indicadores oficiais. Pedi para fechar ontem um levantamento da nossa receita. O IPTU teve um acréscimo de quase 5%. Em valores reais, um pouco mais de R$ 17 milhões.
É acima do esperado?
É acima do esperado. ISS, a partir de outubro teve uma reação. A dívida ativa estamos procurando controlar. Pontos negativos: o ITBI [imposto pago em transferência de imóveis]. Mesmo com a alteração de alíquota, houve queda. Isso, evidente, em função do mercado imobiliário. Então pode até estar havendo venda, mas não está sendo feita a transferência nesse momento. E o ICMS deve ter uma receita inferior em R$ 60 milhões em relação ao que estava programado. IPVA vai ter um ganho, mais R$ 80 milhões. Fundo de Participação dos Municípios é retrato direto da economia: menos R$ 14 milhões. Então toda avaliação do orçamento foi pensando num cenário de retração. Era inimaginável que a gente vivesse um momento de tamanha pressão. Estou vendo muitas prefeituras com dificuldade de pagar salário e 13°. Houve um crescimento da folha de 47%, por diferentes razões. Há leis, há carreiras com planos próprios e nós implantamos, também, novos planos.
Planos de carreira da educação?
Principalmente da educação e da saúde. Só que num cenário de retração essa diferença acaba sendo expressiva. Essa geração que assumiu as prefeituras pegou dois anos pelo menos que são o pior momento dos últimos 50 anos. Os custos aumentaram 19%, mesmo com a crise, e a receita caiu 12%.
E aí tem dois pontos que são sempre importantes de a gente lembrar. No caso do governo do estado, são muito poucos convênios e estão em atraso. E o governo federal, que é o grande parceiro em custeio na área social de Curitiba e em investimentos, este semestre praticamente cortou tudo. Quando assumi, há menos de três anos, a prefeitura pagava quase 30% de uma UPA. Hoje, inverteu: paga 70%.
Toda vez que o governo federal atrasa um repasse, que seja um dia, de um recurso nos hospitais contratualizados, que são nove, a pressão se estabelece aqui. E isso não estava no planejamento.
Então, o que a gente fez esse ano e está trabalhando para fazer ano que vem? Primeiro: equilíbrio fiscal. E, olha, quem assumir a prefeitura nos próximos anos, independente do cenário de retração, vai ter que trabalhar com muito rigor. Eu escuto assim “um pouco de vontade de político e carinho resolve”. Só que tudo tem custo.
A gestão vai conseguir chegar às 16 mil vagas novas em creches que haviam sido prometidas?
A meta superior é 15 mil. É que quando a gente fala em vaga, a gente associa com CMEI [creche] novo – e isso é uma coisa que, pra mim, é uma batalha perdida de comunicação. E a abertura de turmas é às vezes na própria unidade, e é o que estamos fazendo – e isso é mais barato e eficiente. Só que o que é que marca? É o CMEI, é a inauguração, é a placa. Chega o ano que vem, há 15 mil vagas, o que é que vai acontecer? E aqui é até a oportunidade para deixar registrado: talvez a gente tenha que adiar, e já comuniquei isso em público nos eventos que estou participando, a abertura de algumas unidades. Porque é preciso garantir a manutenção. Não adianta abrir novos equipamentos se não tiver a garantia de receita para pagar o salário.
Esse adiamento tem a ver com o contingenciamento do governo federal?
Sim, brutal. Porque tem obras do governo federal que nós estamos assumindo. Não só obras do governo federal. Dou um exemplo: ponte estaiada. Mais de R$ 100 milhões. Estávamos devendo R$ 5 milhões de um aditivo e mais R$ 5 milhões estão sendo solicitados de um novo aditivo para concluir o pagamento da obra. Bom, esse dinheiro era pra vir dos R$ 16 milhões que faltam do estado pagar na famosa discussão do tripartite [acordo para construção do estádio da Copa do Mundo]. Esse recurso não veio e o convênio terminou. Então nós pagamos com recurso próprio R$ 5,1 milhões para a construtora. E a prefeitura não tem fontes secretas de recurso ou gera receita. Nós não temos banco, não temos agência, não temos Sanepar, não temos Copel... Mesmo que eu quisesse, nós não temos como fazer pedalada fiscal aqui.
Como está a relação com o governador. Falta vontade política do governo do estado para com Curitiba?
Daqui a pouco começam a dizer que Curitiba é rica, não precisa [de investimento] Como não? Estamos falando de uma região que é responsável por mais de 30% da receita do estado. E onde mora quase um terço da população do Paraná? Como não precisa? Até tenho dito: então tá bom. Não quer investir em Curitiba, invista na Santa Casa de Colombo. Invista numa estrutura forte de saúde na Fazenda Rio Grande, invista numa estrutura forte de transporte metropolitano.
Então tem que ter o diálogo com o governo. Nós temos hoje uma obra, que é um empréstimo, que tinha que ter sido feita em 2012, que é da Rua Raul Pompeia, no Fazendinha. É um recurso de quase R$ 8 milhões, emprestados via Paranácidade. Lançamos agora edital num valor próximo de R$ 8 milhões da Agamenon Magalhães, que é a continuação de uma trincheira, aqui na Linha Verde Norte. Só. Bom, e a prefeitura vai pagar. Teve empréstimo no laboratório municipal, nós realizamos boa parte da obra, colocamos em funcionamento, R$ 12 milhões, R$ 6 milhões emprestados pelo governo do estado. Só. E daí tem convênios Copa (R$ 16 milhões), assistência farmacêutica. E há três unidades de saúde. Isso é o investimento do estado na capital?
Pode dizer, não, mas tem o dinheiro do IPVA. Esses R$ 85 milhões absorvem 1.000 servidores contratados.
O Plano Diretor reforçou instrumentos como o IPTU progressivo e criou outros, como a cota de interesse de moradia social. Mas quando esses instrumentos serão colocados realmente em prática?
Logo que a gente abriu o plano diretor, mais de 800 entidades se inscreveram e aprendi que o terceiro setor está muito organizado e, na sua maioria, muito participativo. Quanto mais gente envolvida, a chance de erro é menor. Agora, quanto mais gente envolvida, o tempo é maior. Os primeiros planos diretores foram feitos sob a autoria dos chamados técnicos. A gente cai numa dicotomia muito simples. Técnico e político. Como se tudo que fosse técnico está correto e tudo o que fosse político está errado. Quando a gente fala em setor imobiliário, todos têm algum tipo de interesse, mas é óbvio isso em uma democracia. Todos fazem lobby, a favor ou contra, defendendo interesses. Como a gente compõe isso? Abrindo. Então foram criados mecanismos para que haja clareza com relação a critérios.
A estratégia de comunicação da prefeitura no Facebook agrada muita gente, mas já foi questionada por ser “frívola”. Como o sr. vê isso?
Se a gente for reproduzir o mesmo padrão formal que tem a linguagem hoje da página oficial da prefeitura, numa realidade que muda muito, com uma nova geração, a gente vai continuar falando com os mesmos. E qual foi a sacada deles? Foram criativos, conseguiram alcançar um público que a mídia tradicional não atinge. E fazem isso com alegria. Às vezes criam problema pra mim. Mas acho que é o preço da inovação.
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