Neste ano, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) teria à disposição R$ 690,9 milhões para ações de prevenção e educação no trânsito. No entanto, a maior parte dos recursos, provenientes do Fundo Nacional de Segurança e Educação no Trânsito (Funset), terá outra finalidade: ajudar a formar o superávit primário do governo federal. Do orçamento do fundo previsto para este ano, 72% do total o equivalente a R$ 494,1 milhões foi bloqueado e não poderá ser investido em quaisquer campanha ou programa de combate ao crescente número de mortes em ruas e rodovias do país.
O Funset, criado em 1997, recebe mensalmente 5% dos valores arrecadados com multas de trânsito em todo o Brasil (veja box ao lado). O fundo foi criado com o objetivo de reduzir o número de acidentes e mortes no país. Reportagem publicada segunda-feira na Gazeta do Povo mostrou que o risco de mortes no trânsito no Brasil é até 12 vezes maior do que em países como a Suécia.
A inclusão de parte dos recursos na chamada reserva de contingência, porém, é uma estratégia antiga do governo federal. Segundo levantamento da ONG Contas Abertas, nos últimos oito anos R$ 943 milhões do fundo foram bloqueados para gerar superávit primário. Enquanto isso, somente 27% dos recursos R$ 770 milhões foram efetivamente usados pelo Denatran para campanhas e programas de prevenção.
"O fato de a arrecadação vir das multas não significa necessariamente que o governo vá gastar os recursos no trânsito. Por mais que a ideia original proponha um investimento específico, sempre há brechas. E, neste caso, o governo se utiliza desses recursos para pagar os juros da dívida pública", explica o economista Lucas Lautert Dezordi, professor de Finanças Públicas da Universidade Positivo.
Finalidade
Ano passado, dos R$ 574 milhões previstos no orçamento do fundo, R$ 208,4 milhões foram revertidos para ações do Denatran. O valor contingenciado pelo governo foi menor do que neste ano: "somente" R$ 81,8 milhões. A maior parte dos recursos efetivamente usados, o equivalente a R$ 126 milhões, custearam campanhas publicitárias para alertar a população sobre comportamentos no trânsito.
Já neste ano, até março, R$ 13,2 milhões dos R$ 196,7 milhões disponíveis foram aplicados pelo Denatran. O sistema de informações do Sistema Nacional de Trânsito, de competência do departamento, recebeu R$ 8,4 milhões.
Liberação
Apesar de o orçamento do Funset aumentar a cada ano (veja tabela), os recursos disponíveis (não incluídos na reserva de contingência) são pouco utilizados. Órgãos municipais e estaduais, assim como ONGs, podem solicitar os recursos, mediante apresentação de projetos ou participação em editais de concorrência pública.
Os interessados, porém, reclamam da burocracia para se ter acesso ao fundo. E há quem nem sequer toma a iniciativa de propor projetos, como o Detran do Paraná, que não tem registro de projeto enviado ao Denatran para tentar custear campanhas no estado. Por este motivo, o órgão diz nunca ter recebido um centavo do Funset.
Desbloqueio
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Denatran informou que, desde o anúncio do bloqueio dos recursos do fundo, no início do ano, o ministro das Cidades, Mário Negromonte, tem se empenhado para retirar o máximo possível de valores da reserva de contingência. O desbloqueio seria essencial inclusive para executar programas vinculados ao Pacto Nacional pela Redução dos Acidentes de Trânsito, lançado mês passado. Em relação às dificuldades na liberação dos valores para projetos de ONGs e órgãos de trânsito, o departamento afirma que os requisitos e exigências são impostas para verificar a idoneidade dos interessados e garantir a boa aplicação dos recursos.
Empresa e ONG reivindicam participação
O bloqueio dos recursos do Fundo Nacional de Segurança e Educação no Trânsito (Funset) também é criticado por ONGs e empresas que investem em ações de prevenção a acidentes. Os ativistas dizem que a liberação de valores do fundo para a iniciativa privada e entidades sem fins lucrativos ampliaria a abrangência de campanhas oficiais, como as realizadas pelo Denatran e Detran.
"As ONGs e empresas privadas conseguem chegar onde o governo não alcança. Elas têm um poder regionalizador, adaptando a mensagem àquela cultura local", diz Walter Schause, diretor da Perkons S/A, que há 20 anos realiza atividades de educação na área e mantém o site www.educacaonotransito.com.br. Todos os programas são desenvolvidos com investimento próprio.
"As ONGs têm como diferencial vivenciar essas situações diariamente, mas trabalham com voluntariado. Com acesso ao Funset, reforçaríamos nosso trabalho com a ajuda de advogados, médicos e psicólogos", defende a presidente do Instituto Paz no Trânsito, Christiane Yared.