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Crenças populares

Funeral de crianças era comemorado no Brasil

A gravura de Jean Baptiste Debret detalha o cortejo funerário de uma criança escrava no começo do século 19. Celebração ocorria até em classes sociais menos favorecidas | Reprodução
A gravura de Jean Baptiste Debret detalha o cortejo funerário de uma criança escrava no começo do século 19. Celebração ocorria até em classes sociais menos favorecidas (Foto: Reprodução)

O velório de crianças no Brasil do início do século 19 tinha um caráter festivo. Nas ruas ocorriam festejos com procissões de alegria, fogos de artifício, cantorias e um desfile de vestimentas coloridas. A criança falecida era exposta à multidão: ia num caixão aberto e, às vezes, o corpo ficava em uma estrutura de madeira inclinada para frente, como se estivesse viva.

A superexposição do corpo tinha um sentido mágico. Acreditava-se que o contato com a criança morta era uma forma de os vivos garantirem a salvação eterna. Além disso, havia uma diferença de tratamento entre os sexos. Como se acreditava que os meninos tinham maior propensão à condição de salvação, eles levavam vestimentas vermelhas. "É a cor da Igreja associada ao que seria, na hierarquia, a máxima pureza", explica o historiador Luiz Lima Vailati, professor de História da Universidade Federal de Viçosa (MG).

As meninas mortas eram vestidas com roupas azuis, que também tem a ver com a purificação, mas em grau menor. Tratava-se de uma manifestação popular em que a Igreja tinha pouca influência. "Se formos ver até hoje, nos subúrbios e nas áreas mais rurais do Brasil, as crianças que morrem ainda são vestidas de anjo, como se fossem um canal de intermediação entre o sagrado e o profano", diz Vailati.

Sete anos era a idade considerada pura para as meninas – que, na crença, ficavam inteligentes antes dos meninos. Assim, para eles, a pureza ia até os 12 anos. "A idade da pureza era delimitada pelo contexto da razão. Ou seja, quando a criança tem noção do que é pecado. Também está vinculada à prática sexual", afirma Vailati.

Não batizados

Havia, na época, proibição para o enterro de crianças não batizadas porque elas poderiam "manchar o solo dos justos". Por isso, as não batizadas iam junto de túmulos de adultos batizados para, assim, o adulto ajudar o pequeno morto a seguir o caminho da salvação. "O contrário também acontecia. A criança batizada era enterrada ao lado de um adulto para que a sua condição de pureza ajudasse o adulto a se encaminhar. Era uma troca", comenta.

São poucos os documentos que existem no Brasil sobre as práticas mortuárias infantis. Os relatos existentes são de viajantes convidados pela corte portuguesa para virem ao Brasil. Diários com informações do que espantosamente era visto foram usados por pesquisadores como Vailati para descobrir algumas crenças e práticas populares da época.

Vailati pesquisou os costumes fúnebres em documentos guardados no Instituto de Es­­tudos Brasileiros da Univer­sidade de São Paulo (USP) e na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Ele também pesquisou a documentação da Igreja que, inclusive, orientava as famílias sobre como deveriam proceder na morte de crianças. "Trabalhei também com fotografias que mostram as crianças vestidas antes de serem sepultadas. Encontrei, ainda, documentos na Faculdade de Medicina do Rio que mostram que os médicos condenavam a prática popular de comemoração da morte infantil", comenta. Os médicos, aliás, foram os responsáveis por acabar nos meios mais urbanos com a prática de comemoração.

Serviço:

Para saber mais sobre o assunto, consulte o livro A morte menina, de Luiz Lima Vailati. Preço sugerido R$ 25. Editora Alameda, 360 páginas.

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