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O comerciante José Cordeiro de Siqueira, 43 anos, tem uma venda na Vila das Torres, no Prado Velho, bem onde a Rua Madre Maria dos Anjos cruza o Rio Belém. Tudo muito modesto. Ele e a família moram no andar de cima, mas mesmo assim reservaram uma parte da construção para um novo empreendimento, iniciado há dois anos, o Instituto Vida Nova. O local é pequeno, mas o suficiente para receber, semanalmente, uma dezena de representantes do sem-número de associações, times de futebol, creches, outras ONGs em atividade na vila. A Vida Nova é resultado das últimas tendências no terceiro setor – opera em rede. Seu objetivo: botar para conversar, fazer projetos juntos, aparar as diferenças. Custa muito pouco, mas altera os resultados.

Na semana passada, a reportagem da Gazeta do Povo conferiu um desses encontros em que representantes da Babel das Torres se encontram. Só religiões são oito. Times de futebol, seis (Grêmio, Vasco, Palmeiras, Flamengo, Fluminense e Barcelona; o Boca Júniors está em gestação), envolvendo cerca de 600 pessoas, 8% da população local. Tinha até crianças da creche comunitária, levadas pelas mãos da educadora Kelli Meire Tomaz, 22 anos, 16 de vila. Ter nascido ou se criado ali é um ponto comum entre os ongueiros. A turma da Vida Nova não só gosta como vai às falas para defender o lugar em que nasceu. O técnico em eletrônica Marcos Heriberto dos Santos, 35 anos, resume o sentimento do grupo. "Todos nós já fomos um dia discriminados por morarmos na vila. Já tive cliente que recusou meus serviços quando soube meu endereço. Por isso, na nossa ONG, não tem lugar para discriminação."

A conversa foge ao senso comum. Fala-se da falta de calçadas e da recusa já histórica de incluir a Vila das Torres, cujo maior crime talvez seja estar tão perto dos olhos da classe média. "Insistem em nos chamar de favela. Mas é muito pequena a parte do bairro que não está regularizada", diz o auxiliar de laboratório Cláudio de Souza Santos, representante da Vila de Ofícios. Passadas as questões crônicas, entra-se na situação da moradora que teve a casa queimada, do rapaz suicida que procurou o grupo em busca de ajuda, e do futebol – como não poderia deixar de ser. Quem puxa o assunto não é nenhum dos marmanjos, mas a aposentada Maria Ferreira da Silva, 58 anos, que já foi treinadora do Grêmio Vila das Torres e hoje é tesoureira, além de guardiã do uniforme da tropa. "São 15 anos de torcedora. Domingo à tarde a vila é só futebol."

A idéia de uma ONG tão versátil – capaz de centrifugar as peladas domingueiras, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e debates sociológicos sobre o que é a imagem da Vila das Torres em Curitiba – teve entre suas idealizadoras a assistente social Maria José Mendonça, a Zuza, uma unanimidade na Vila e no Vida. "Ela sabe das Torres como ninguém. Entende de crianças, de resgate social, de parcerias. A PUC e a UFPR desenvolvem projetos com a gente", elogia José Cordeiro – sobre o local que, depois do Vida Nova, já sabe quantificar. São 80 comerciantes, 2 mil crianças, 30% da população catando papel e nenhuma saudade do tempo do cada um por si. (JCF)

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