Barcelona decidiu impor restrições ao turismo e proibiu a construção de novos hotéis na parte central. na foto, vista do Monte Juic, ao anoitecer.| Foto: el_ave/Creative Commons/

Na última sexta-feira (27), Barcelona, cidade que experimenta uma explosão de visitantes desde os anos 2000, votou uma nova legislação que freia a abertura de novos hotéis e que promete reduzir drasticamente o número de turistas na cidade. Não muito longe dali, a nova queridinha do turismo europeu, pelo menos desde 2015, é a capital portuguesa. Até um acordo inédito com a combativa plataforma de aluguel Airbnb foi protagonizada por Lisboa no ano passado, mas alguns dos efeitos dessa abertura toda para o turismo já estão irritando os moradores da região central e histórica da cidade. A exemplo de Barcelona, eles querem que a prefeitura e o governo nacional adotem medidas legais contra o que vem sendo chamado de “turistificação” de Lisboa. São dois exemplos de como o turismo pode crescer e se transformar numa das principais fontes de renda de uma cidade, mas também ameaçar a sua identidade e as próprias características que atraem os visitantes.

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No total, Barcelona tem hoje 10,6 mil estabelecimentos como hotéis, albergues e afins, e mais de 142 mil leitos para hospedagem, segundo dados da prefeitura. Na prática, o Plano Especial Urbanístico de Alojamento Turístico (PEUAT), nome dado à lei aprovada na semana passada, não só quer impedir que esses números cresçam, mas também diminuir o volume de vagas já existente.

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O PEUAT divide a cidade em quatro zonas. No centro propriamente dito, a abertura de novos hotéis e acomodações (e aqui está incluído um recado ao Airbnb e outros) está proibida. Nos bairros colados ao centro, a criação de novos leitos só é permitida caso algum estabelecimento feche e seja preciso suprir a demanda já existente. Nos bairros mais afastados, a criação de novas acomodações está liberada, mas limitada, na maior parte dos casos, a um total de 4 mil novas vagas para a cidade.

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Assim, a restrição máxima está justamente na região mais visitada de Barcelona, que vai do parque de Montjuïc, onde está o castelo histórico de mesmo nome e o parque olímpico, no oeste da cidade, ao bairro Poblenou, no leste, e também se estende aos distritos de Gràcia e Eixample, no sul da cidade. A justificativa para isso, segundo os jornais locais, é simples: Barcelona não estava dando conta de aguentar os turistas.

Desde os anos 2000, o número de visitantes cresceu demais, a ponto de, literalmente, irritar moradores e autoridades. Em 2016, a cidade, que tem 1,6 milhão de habitantes (5,3 milhões de considerada toda a região metropolitana), recebeu 32 milhões de visitantes.

Por outro lado, as entidades do setor hoteleiro e também os partidos opositores ao da atual prefeita de Barcelona dizem que o PEUAT foi feito de maneira ideológica, sem o estudo aprofundado necessário, e que ele vai impactar muito negativamente o setor mais importante da economia barcelonesa – principalmente a partir de 2019, quando, segundo a consultoria Bric, os efeitos do plano começariam a aparecer realmente. Mais: argumentam que o PEUAT é uma ferramenta equivocada, que ao regular o número de “camas” em Barcelona não está regulando o turismo em si. Dos 32 milhões de visitantes de 2016, apenas 8 milhões pernoitaram. Os demais, oriundos principalmente de cruzeiros, fizeram visitas de um dia.

O Plano Especial Urbanístico de Alojamento Turístico divide Barcelona em quatro zonas. Nas mais centrais (pintadas de vermelho e amarelo no mapa) a abertura de novos hotéis e similares está proibida ou condicionada a suprir a demanda existente em caso de fechamento de um estabelecimento. 

Cidades como Berlim e Amsterdã também já aprovaram leis, entre 2015 e 2016, que restringem o aluguel de temporada na parte central das duas cidades, entre outras regras, com o objetivo de preservar as oportunidades de moradia e outras características do espaço urbano, mas nenhuma delas deixou explícito, como no caso de Barcelona, que tem intenções de reduzir o tamanho do mercado hoteleiro atual.

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Segundo o El País, o PEUAT chega um ano e meio depois de a prefeita de Barcelona, Ada Colau, ter determinado uma moratória para novas licenças a empreendimentos hoteleiros e ter se proposto elaborar o tal plano. A decisão paralisou cerca de trinta projetos na cidade. Os investidores que já tinham comprado terrenos e edificações com a intenção de abrir novos hotéis e similares onde, até então, era permitido, entraram na Justiça contra a decisão de moratória, lembra o jornal. Não será diferentemente agora com a entrada em vigor do PEUAT.

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Segundo o jornal Diário de Notícias, 120 lojas históricas fecharam desde 2015. Basicamente, por falta de clientes de verdade, ou seja, moradores da cidade. Essa centena de estabelecimentos fazia parte dos mais de 300 contemplados no programa da Câmara de Lisboa “Lojas com história”, lançado em 2016 e que oferecia benefícios como a ajuda do município numa eventual ação de despejo ou mesmo para obter até 25 mil euros para revitalizar o imóvel onde estão instalados.

Aos poucos, o aluguel voltado ao turismo está tomando conta dos prédios do centro e mudando de forma radical o cotidiano da região. Segundo o professor do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território e do Instituto Interdisciplinar de Investigação da Universidade de Lisboa, Luís Mendes, que tem acompanhado o fenômeno de perto, a pressão sobre os inquilinos está grande. Eles estão tendo de deixar a região devido à alta nos alugueis. “A verdade é que o investimento também é mais rentável até por força do regime fiscal existente. O regime de tributação faz discriminação entre o arrendamento clássico e o arrendamento a turistas.”

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Somente de 2014 a junho de 2016, segundo informações do jornal Washington Post, a lista de oferta do Airbnb na região metropolitana de Lisboa como um todo praticamente triplicou de tamanho. E a diferença entre Lisboa e cidades como Barcelona é que a capital ibérica precisa de visitantes. Em 2016, dois anos após sair da crise financeira, o desemprego ainda atingia 12% da população economicamente ativa de Portugal e o turismo tem desempenhado um importante papel na recuperação do país.

E as táticas usadas pelas autoridades para fomentar o turismo e o investimento estrangeiro, como o regime de isenção fiscal para fundos de investimentos imobiliário, têm funcionado. Para se ter uma ideia, em 2015, a cidade, que tem pouco mais de 540 mil habitantes, registrou 5,2 milhões de visitantes – 33% a mais que em 2010. No mesmo ano, segundo relatório do Cushman & Wakefield citado pelo Washington Post, o investimento estrangeiro no mercado imobiliário respondeu por 90% dos 2 bilhões de euros investidos no setor no país – o dobro do registrado no ano anterior.

Mendes diz que tanto a Câmara Municipal de Lisboa quanto o governo federal têm-se mostrado atentos à situação, “até porque diversos movimentos locais e o meio universitário, em particular, além da sociedades civil e da opinião pública em geral, têm se têm manifestado, de forma a que se comecem a tomar medidas de regulação da intensa turistificação que se regista.”

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Desde o início de 2016 foram criados o programa “Lojas com História”, já citado acima, o Fundo de Reabilitação Urbana e o programa Programa de Rendas Acessíveis (PRA), que junto com o Programa de Renda Convenciada já existente, procura, de forma bem resumida, subsidiar o arrendamento de imóveis a preços mais acessíveis na parte central de Lisboa, agora com a proposta também de ceder alguns terrenos e edificações para que a iniciativa privada banque a construção ou reforma, o que também ajuda no processo de revitalização da região.

Outras propostas estão em discussão como resultado de um grupo de trabalho que está avaliando as questões ligadas às políticas de habitação, crédito imobiliário e tributação do patrimônio. Uma das sugestões do grupo é de aumentar o imposto sobre o alojamento local de 5% para 28%, numa tentativa de barrar o crescimento dos alugueis tipo Airbnb em prol dos contratos de maior duração, de moradia mesmo.

Todas essas medidas, porém, segundo Mendes, não têm suficientes para conter o fenômeno da turistificação. “No meu entendimento, as várias medidas até agora tomadas pelo Governo e pela Câmara Municipal de Lisboa são uma condição importante para manter uma estrutura residencial e comercial sustentável e resiliente, mas não suficiente se não forem articulados com uma política de habitação justa que garanta o direito à cidade.”