Barcelona quer reinventar o conceito de rua. Há três meses, a cidade espanhola criou uma “Superquadra” no bairro de Poblenau, onde o tráfego de ciclistas e pedestres é livre, e os veículos automotivos têm acesso restrito e velocidade controlada. A ideia é ter verdadeiras vias compartilhadas, dentro dessas ilhas de calmaria no trânsito da cidade. E isso em um momento bem particular da cidade espanhola: os moradores de Barcelona temem que a onda de turistas e a chegada de empresas estrangeiras, como redes de fast food e a plataforma AirBnb, desvirtuem as características da cidade, ao mesmo tempo em que a prefeitura é gerida, desde junho de 2015, por Ada Colau, militante ligada às causas urbanistas.
As Superquadras são a grande aposta do novo Plano de Mobilidade Urbana do município para mudar a forma como os barcelonenses se locomovem. O plano é de 2013, mas a primeira quadra foi lançada só em setembro deste ano. Iniciativas semelhantes já tinham sido implantadas nos bairros de Gràcia (2005) e Ribera (1993).
ENTENDA o plano de mobilidade e as Superquadras de Barcelona
Com base nas experiências antigas, a prefeitura prevê o sucesso de ampliar as Superquadras para a cidade inteira. “Basta caminhar por ruas que antes eram perigosas em determinados horários, e que hoje estão cheias de vida, para se dar conta da vantagem: a recuperação do espaço público a favor das pessoas e em detrimento dos carros”, resumiu o diretor da Agência de Ecologia Urbana de Barcelona (BCNecologia), Salvador Rueda, em entrevista à Gazeta do Povo.
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A ideia é mudar a forma como as pessoas transitam. O tempo que um pedestre leva para atravessar uma Superquadra é 15% menor do que seria necessário para fazer o mesmo trajeto em três quadras comuns, por exemplo, já que não há semáforos nem cruzamentos. Além disso, a distância de uma ponta a outra da superquadra deve ser de, em média, 400 metros.
Além de reduzir o numero de carros privados (que têm média de ocupação de 1,2 passageiros), as Superquadras devem aumentar em 77% o espaço dedicado para pedestres. A via se transforma em uma plataforma única, ou seja, sem divisão entre rua e calçada.
Além disso, a ideia é incentivar as pessoas a permanecer na rua. “No caso da Superquadra de Poblenou, agora os vizinhos podem realizar atividades em lugares onde antes só circulavam os carros”, defende Rueda. Ele cita uma feirinha, realizada a céu aberto no último dia 17, em que os moradores locais trocaram mercadorias, ofereceram aulas de dança gratuitas, entre outras atividades.
Nova divisão de modais
A previsão do município é de que, ao fim da aplicação do plano, Barcelona tenha uma nova divisão de modais, com a redução dos veículos individuais e um maior uso do transporte público e da chamada mobilidade ativa (meios que tem a “propulsão humana” como combustível, como patins, cadeiras de roda e caminhadas).
O número de deslocamentos por bicicleta, por exemplo, pode passar dos atuais 1,5% para 2,3%, até 2018. Ainda é pouco, perto do total, mas significa um aumento de quase 70%, em números absolutos. As viagens feitas de carro podem cair até 21% no total, passando a representar apenas 21,1% do total de deslocamentos (ante os atuais 26,7%).
Outras ações são necessárias
Mas a criação das Superquadras, sozinha, não é suficiente para promover uma mudança generalizada na mobilidade da cidade. Outras ações previstas no plano são a remodelagem da rede de ônibus e a criação de novas ciclovias. Informações do jornal La Vanguardia dão conta de que o novo sistema já está pronto, com 11 novas linhas que devem ser lançadas em 2017. Outras 15 devem ser eliminadas.
A extensão das ciclovias deve passar de 116 quilômetros (em 2015) para 308, até 2018. A maior parte das obras devem ser realizadas em 2017, quando devem ser construídos 134 quilômetros de faixas para bicicleta, também segundo o La Vanguardia.
Superquadras podem ajudar com metas ambientais
Se conseguir mudar a forma como seus cidadãos se transportam pela cidade, Barcelona pode, de lambuja, atingir as metas ambientais de organismos internacionais. Hoje, apenas três das sete estações que medem a qualidade do ar na cidade cumprem com os parâmetros da União Europeia, que estipula um máximo de 40 microgramas de poluentes (material particulado e dióxido de nitrogênio) por metro cúbico de ar. Além, disso, o limite diário de PM10 só pode ser ultrapassado 25 vezes ao ano; e o de NO2 um total de 18 dias.
Salvador Ruenda, diretor da Agência de Ecologia Urbana de Barcelona, explica que ainda não é possível mensurar o impacto das Superquadras, do ponto de vista ambiental. “Para registrarmos uma mudança significativa nos níveis de poluição seria necessário que as Superquadras estivessem implementadas na maior parte da cidade. No entanto, ainda estamos em um primeiro passo”.
A história de Barcelona com os pedestres
Não é de hoje que Barcelona se empenha em criar uma cidade para pedestres. O chamado Plano Cerdá, de 1859, previa a criação de pátios internos dentro das quadras. Os edifícios ficariam no entorno, e o interior seria uma área verde de uso público. Alguns ficaram no papel, outros foram construídos. Mas, com o tempo, muitos perderam a vivacidade de servir ao público.
Foi no início dos anos 1990 que a prefeitura tomou a iniciativa de revitalizar essas áreas internas. Em sua tese, a arquiteta Teresa Pazos Ortega conta que foi recuperada uma superfície de nove hectares (90 mil metros quadrados) em 46 locais diferentes, até 212.
“A recuperação, pretendia melhorar a qualidade de vida e conseguiu. São pequenos espaços, mas com enorme vitalidade, que permitem criar relações entre vizinhos, além de melhorar a qualidade ambiental e estática dos interiores das quadras”.
Em 1993, foi criada a primeira Superquadra da cidade, no bairro Ribera (entre as ruas Princesa-Marqués de l’Argentera, Laietana e Passeig Picasso). Em 2005, o Plano de Mobilidade do bairro de Gracia definiu a criação de uma Superquadra por lá. Estudo da Agência de Ecologia de Barcelona (BCNecologia) estima que, em dois anos, os deslocamentos a pé na região aumentaram em 10%, de bicicleta 30%, e o número de veículos caiu 26% (sendo que dentro da quadra, onde só é permitido o acesso a moradores, a queda foi de 40%, e de 20% no entorno).
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