Para quem sai do estádio do Corinthians, na Zona Leste de São Paulo, são duas horas de caminhada até chegar à estação de bicicleta mais próxima. São oito quilômetros de Itaquera até a Vila Granada. Para quem mora na Restinga, em Porto Alegre, a caminhada é um pouco maior (14 quilômetros, ou três horas bem andadas). As cidades brasileiras não são exceção. No mundo todo, sistemas como o Bike Sampa e o Bike POA não são muito afeitos às periferias. E talvez nunca sejam. São modelos pensados para a alta circulação de pessoas. E a tendência é ficarem restritos às regiões centrais das grandes cidades.
Pode parecer elitismo, mas faz sentido. A “fórmula mágica” dos sistemas de bikesharing é que as estações fiquem a 300 metros de distância uma da outra, no máximo. E que cada veículo seja utilizado, em média, sete a oito vezes por dia. Por isso o tempo máximo de utilização varia de cidade a cidade, mas em geral fica entre 30 minutos e uma hora.
A distância curta é para permitir que, caso o usuário não encontre uma bicicleta, ele possa caminhar até a próxima estação. O mesmo vale para quem quer devolve o veículo e não encontra nenhuma vaga. É a chamada densidade do sistema.
Mas ser denso na cidade inteiro custa caro. É preciso um grande número de estações e de bicicletas, por isso a opção por limitar a área geográfica do bikesharing. Um exemplo é Nova York. Quando o Citi Bike começou, a meta era chegar ao Bronx até 2016. O prazo venceu, e o Citi mal passou do Central Park, a dez quilômetros de distância.
Para não operar no vermelho, a solução encontrada pelas cidades é a parceria com a iniciativa privada. A ideia da exploração publicitária das bikes surgiu em Lyon e Paris, na França, em 2007, e foi exportado para o mundo todo. Funcionou e tornou as bicicletas em um atrativo turístico.
Mas o espírito do bikesharing é mais pretensioso do que oferecer um aluguel barato de bicicletas. É integrar o pedal ao sistema de transporte das cidades. Por isso a importância de estações de bike próximas às do metrô, por exemplo, e em locais onde há grande movimento de pessoas.
Rodrigo Lages Vitório, da Associação Transporte Ativo, compara a estação de bikesharing a um ponto de ônibus. Não é uma bicicleta particular, que leva o sujeito da porta de casa à porta do trabalho. Ainda assim, é possível ter acesso a uma delas com uma curta caminhada, exatamente como deve ocorrer com o transporte público. A ideia é tornar a bicicleta uma opção viável para viagens curtas ao longo do dia. Por isso é mais importante ter estações próximas dos locais onde as pessoas passam o dia, do que bicicletas paradas perto de onde elas moram.
“A dinâmica da periferia é pendular. Tem um movimento de pessoas saindo de manhã, esvaziamento durante o dia, e no fim do dia há o retorno destas pessoas através dos meios de transporte. Então qual é o objetivo, facilitar a locomoção dentro daquela área durante o dia? Este tipo de sistema na periferia não parece ser o mais adequado. O objetivo desse sistema não é promover o deslocamento da pessoa da periferia até o centro utilizando a bicicleta. A bicicleta é mais adequada em curtas distâncias”, explica Vitório.
A superintendente de Relações Governamentais do Banco Itaú, Luciana Nicola, destaca um outro motivo para priorizar as regiões centrais. “Tem um papel importante da bike compartilhada que é um processo de mudanças culturais nas cidades. E qual o público mais resistente a compartilhar seu espaço? É a classe média alta, o cara que mais usa o carro como principal modal, que tá lá no conforto do ar-condicionado”. O banco patrocina sete das principais praças de bikesharing no país. Hoje, pelo menos 20 cidades brasileiras compartilham bicicletas. Nove são capitais.
Bikesharing de Curitiba deve sair do papel em 2017
É nestes moldes que Curitiba pretende lançar seu serviço de bicicleta compartilhada. Está em andamento edital para uma concessão de cinco anos, com 43 estações e 480 bicicletas. A empresa interessada em operar o sistema já apresentou um protótipo, mas ainda não divulgou quais os interessados em patrocinar a empreitada. Nova fase da licitação está prevista para esta segunda-feira (10). Se não houver recurso e a empresa for aprovada, a previsão é ter as primeiras bikes em funcionamento no início de 2017.
O edital foi montado com base em estudo do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc). As estações foram posicionadas em polos geradores de tráfego de pedestre, explica o coordenador de Ciclomobilidade do Ippuc, Marcos Francisco de Lara. Neste primeiro momento, as estações devem ficar a 500 metros de distância umas das outras. Algumas exceções são as estações do Museu Oscar Niemeyer (MON), Prefeitura de Curitiba e Jardim Botânico, que ficam fora do anel central. No modelo ideal, projetado pelo Ippuc, seriam 198 estações. Dentre elas, as 43 já previstas no atual edital estão entre elas.”
No vermelho
Em Nova York, as tarifas pagas pelos usuários não cobrem nem 50% dos custos do Citi Bike. Em Barcelona, há um déficit anual de 12 milhões de euros; e, em Londres, o Santander paga franquia anual à prefeitura de sete milhões de libras.
E a periferia, como fica?
Pensados para áreas com grande movimento de pessoas, os sistemas de bicicleta compartilhada estilo “Bike Sampa” e “Bike Rio” são perfeitos para as áreas centrais. A lógica é que todo mundo circula por ali, então o bikesharing beneficia todo mundo. Inclusive moradores das periferias, que têm maior liberdade para circular dentro destes anéis centrais. Mas isso não pode servir de desculpa para largar a ciclomobilidade dos bairros mais afastados às moscas.
“O bikesharing não pode ser o índice para medir o quanto a cidade é amiga ou não da bicicleta. O que vai definir isso é a infraestrutura, ações de conscientização como treinar motoristas de ônibus para inserir na paisagem dele que a bicicleta é um modal de transporte”, exemplifica a superintendente de Relações Governamentais do Banco Itaú, Luciana Nicola.
Apesar deste modelo ser voltado para áreas adensadas, outras versões de bicicleta pública podem funcionar em bairros periféricos, acredita Rodrigo Lages Vitório, da Associação Transporte Ativo. É o caso das cidades que adotaram “bibliotecas de bikes”, com poucas estações, que são controladas por um funcionário e o usuário retira o veículo mediante a apresentação de um carteirinha. “Há sistemas que permitem que a pessoa fique 24h com a bicicleta, ela pega à noite, leva para casa, fica com a bicicleta, e quando vai trabalhar no dia seguinte deixa ela em segurança lá”, explica.
A infraestrutura é outro ponto importante. Em São Paulo, a maioria dos 354 quilômetros de ciclovia construídos durante a última gestão da prefeitura foi no chamado centro expandido. Movimentos ligados ao cicloativismo chegaram a criar o movimento “#ciclovianaperiferia”, em 2015. Em parte, porque a classe média alta adotou a bicicleta como meio de transporte, nos últimos anos.
Apesar disso, entre os mais pobres que o veículo faz mais sucesso. Pesquisa publicada na Revista de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), com base nos dados da Pnad, mostra que a parcela da população que pedala ou caminha para o trabalho cai gradativamente, conforme aumenta a renda domiciliar. Entre os 10% mais pobres, o índice passa de 70%. Entre os mais ricos, menos de 20% vão a pé ou de bicicleta para o trabalho.
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