Foi dentro de um bonde elétrico, símbolo da modernidade, que o presidente Rodrigues Alves cruzou os primeiros quilômetros da Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro. Era o início do século 20. Cem anos depois, na Polônia, o papa Francisco chegou à Jornada Mundial da Juventude a bordo de um veiculo leve sobre trilhos (VLT), que nada mais é do que um bondinho repaginado. O meio de transporte, quase extinto, hoje ressurge como alternativa para grandes cidades do mundo todo. Até Curitiba, conhecida por seus ônibus, estuda implantar um bonde elétrico no lugar do seu malfadado projeto de metrô.
À medida em que as cidades abriram grandes avenidas para dar lugar aos automóveis, os bondes foram sumindo. No Rio, as linhas interligadas “cobriam absolutamente toda a zona urbana” e “seus subúrbios mais próximos”, segundo estudo de Elisabeth von der Weid, da Fundação Casa de Rui Barbosa. A cidade foi a primeira da América do Sul a ter um serviço de transporte coletivo sobre trilhos.
Na França, a pequena cidade de Grenoble foi a primeira a reintroduzir os bondes em suas ruas, ainda na década de 1980. Os trilhos eram comuns por lá no fim do século 19, mas sumiram aos poucos, até 1952. Com objetivo de reduzir a poluição e o congestionamento, o município fez um referendo, e a volta do bondinho ganhou. Hoje são 35 quilômetros divididos em cinco linhas, que cobrem a cidade toda.
Em Veneza, na Itália, a mesma coisa. Os bondes que ligavam o bairro de Mestre à região histórica foram desativadas nos anos 1950, e voltaram em 2010 como veículos leves sobre pneus (VLPs). Nos dois casos, a opção foi por um transporte mais rápido e eficiente para os moradores locais. Mas em muitos lugares o ressurgimento dos bondes é sinônimo de revitalização. Alguns são até pontos turísticos.
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O que mudou nas cidades brasileiras que implantaram o VLT?
É o caso do VLT carioca, subproduto do Porto Maravilha (que requalificou a mesmíssima área reformada por Rodrigues Alves). Em Roterdã, na Holanda, o mesmo. O VLT de Sobral, na Bahia, recupera as rotas feitas pelos antigos bondes da cidade, desativados entre as décadas de 1950 e 1970.
Em Paris, a criação de uma linha de bondes foi peça central na requalificação da Boulevards des Maréchaux, antes uma larga avenida de seis faixas com prioridade para os carros. Mil árvores foram plantadas, ciclovias construídas e calçadas alargadas. O número de acidentes caiu em 60%, e a linha de bonde transporte 120 mil usuários diários, segundo dados de 2014. A capital francesa começou a recuperar seus bondes nos anos 1990.
O lado ruim dos bondinhos
Mas nem tudo são elogios. A revista The Economist, em artigo editorial (“Por quê os bondes são um desperdício de dinheiro”) defende que não há provas de que o meio de transporte traga benefícios para os locais em que os trilhos são instalados. Embora estudos apontem melhorias nas regiões, estas seriam fruto dos investimentos adicionais que acompanham as obras, como requalificação de calçadas e afins.
Além disso, são sistemas caros, tanto em termos de infraestrutura quanto de operação, se comparados a soluções mais simples, como o ônibus. Estudo da Associação Americana de Transporte Público indica que o custo de um bonde por milha (1,6 quilômetro) varia entre US$ 30 e US$ 75. O ônibus fica entre US$ 3 e US$ 30.
Também pesa o fato dos sistemas de bondes exigirem uma infraestrutura muito específica, como trilhos e rede elétrica. O que pode resultar em gastos e atrasos. A Economist cita a cidade Tucson, nos EUA, que atrasou em anos a inauguração por falta de uma rede elétrica decente ao longo dos seis quilômetros de linha.
Washington, também nos EUA, levou uma década e gastou US$ 200 milhões para inaugurar seu bonde moderno. O projeto era de 60 quilômetros, mas apenas três funcionam. No Brasil, o VLT de Cuiabá está desde 2014 com as obras paralisadas. Foram construídos apenas sete dos 22 quilômetros previstos e R$ 1 bilhão foi gasto. Atualmente, o consórcio responsável e o governo do estado tentam resolver um impasse na justiça, para retomar a construção.
A Volvo, que participou da criação do BRT em Curitiba (depois exportado para o mundo), também argumenta na base da calculadora. A empresa calcula que dá para construi 200 quilômetros de BRT com o mesmo dinheiro gasto em 50 quilômetros de VLT. E as obras duram menos da metade do tempo. Além disso, um BRT em pista dupla pode transportar quase 50% a mais de passageiros do que o veículo leve sobre trilhos.
Bondinhos são uma boa desculpa para redesenhar as cidades
Mas defensores dos bondes argumentam que o cálculo não pode ser só matemático. O transporte sobre trilhos melhora a qualidade de vida e ajuda a redesenhar as cidades. Em geral são veículos elétricos e econômicos, o que os torna silenciosos e diminui a emissão de gases do efeito estufa e partículas de poluição na atmosfera. Aumenta o conforto tanto para o usuário, quanto para quem vive no entorno das linhas.
Além disso, os bondes “influenciam as dimensões das ruas e avenidas e a densidade”, resume artigo publicado pela Alstom. A empresa francesa, que produziu bondes clássicos, no início do século 20, e hoje fornece veículos de VLT e VLP para cidades do mundo todo. Os bondes são veículos finos e que convivem com automóveis, pedestres e bicicletas, o que aumenta a noção de compartilhamento das ruas. Por serem na altura da via, facilitam a acessibilidade, e não necessitam de plataformas específicas para embarque. Em geral, as cidades optam por implantar bondes em áreas de alta densidade, onde o fluxo de passageiros costuma ser mais alto. Mas, em alguns casos, também é utilizado para conectar áreas afastadas à região central.
Bondinho de Santa Teresa resiste
Em meio a veículos leves de toda a ordem, o Rio de Janeiro mantém um bonde clássico em pleno funcionamento. Inaugurado em 1896, o bonde de Santa Teresa foi fechado após um acidente que levou à morte de seis pessoas, em 2010. Foi reaberto em 2015 e, hoje, além do trajeto por cima dos Arcos, percorre parte do bairro da Lapa (trecho que teve sua operação interrompida há cinco décadas).
Reivindicação antiga dos moradores, a reinauguração do bonde trouxe como polêmica o reajuste da tarifa, dos antigos R$ 0,60 para R$ 20. Quase três mil por cento. A Secretaria de Transportes do Estado do Rio de Janeiro argumenta que esta é uma forma de subsidiar o sistema. A cobrança da tarifa cheia seria suficiente para arrecadar os cerca de R$ 130 mil mensais gastos com assistência técnica e insumos. O que permite tarifa gratuita para moradores de Santa Teresa, estudantes, idosos e portadores do Vale Social . E isenta o estado de fazer aportes no sistema.