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 | Antônio More / Gazeta do Povo
| Foto: Antônio More / Gazeta do Povo

Em uma rodinha de corredores de rua, a pergunta “quem quer falar sobre problemas com ciclistas?” causa alvoroço. O cenário é o Parque Barigui, um dos locais em Curitiba com melhor infraestrutura para prática compartilhada de atividades físicas. A história se repete no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, no calçadão da praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, e em outras cidades brasileiras. Mesmo em locais com ciclovia e pistas de corrida e caminhada, há conflito. Reclamações dos dois lados resumem-se em: falta respeito. Todos têm um pouco de razão, e algumas regras de boa convivência podem ajudar quem pretende construir um trânsito mais seguro e agradável.

Correr na ciclovia é dos temas mais polêmicos. O técnico de ciclismo Robson Ferreira Alves não vê problemas, desde que o corredor fique no canto da direita, liberando espaço para ultrapassagem pelo meio. “Uma pessoa correndo na ciclovia tem que se policiar, porque ela está dentro de um ambiente que é de ciclismo”.

Nem todos pensam assim. Debora Pessôa, que trabalha em uma consultoria de corrida na Zona Sul do Rio de Janeiro, lembra de duas oportunidades em que ciclistas esbravejaram contra ela e um grupo de corredores que seguia em fila indiana, pela ciclovia da praia de Botafogo. Em uma das vezes o grupo parou para dar a vez para um senhor idoso, e “mesmo assim ele reduziu [a velocidade] e esbravejava que ali era uma ciclovia; todo mundo começou a bater boca, mas ele se mandou”.

As corredoras Silvana Camargo Roncaglio Santos, advogada, e Fabiane Galina, cardiologista Antônio More/Gazeta do Povo

Por essas e outras, o técnico de corrida Daniel Oliveira Junior aconselha seus alunos a irem sempre pela calçada e na contramão da via dos carros. É o contrário da bicicleta que, por ser um veículo, deve trafegar na via, no mesmo sentido dos carros. Em ruas sem calçadas, a sugestão é correr no canto, também na contramão.

Incorporar a bicicleta como meio de transporte fez a designer Juliana Reis refletir sobre sua vida como corredora. Em quatro anos de treino, ela foi atropelada duas vezes, por bicicletas; uma no Parque do Ibirapuera e outra no câmpus da Universidade de São Paulo (USP). “Talvez por falta de experiência compartilhada, muitos pedestres e corredores não sabem que alguns comportamentos podem colocar em risco a vida do ciclista”. Um exemplo é a ciclovia da Avenida Paulista, que fica no meio, separando as faixas de carros que vêm e vão. Juliana é contra utilizar este espaço para treinos de corrida, “pois a proximidade com os carros coloca em risco a segurança tanto de corredores, quanto dos ciclistas”.

A briga toda, na verdade, pode ser um sinal da falta de infraestrutura nas cidades. Assim como a criação de ciclovias e ciclofaixas deu vazão a uma “demanda reprimida” de usuários de bicicleta, fato de os corredores se abrigarem nestas faixas mostra um déficit em espaços para fazer exercício, na opinião do advogado Fernando Torres, consultor jurídico do portal “Vá de Bike”.

A calçada, embora indicada para corredores, oferece risco à prática de exercícios. A falta de acessibilidade, como presença de postes, lixeiras e garagens que avançam pela calçada já atrapalham pedestres. Pior ainda para corredores, que precisam manter ritmo de velocidade. Além disso, pisos irregulares oferecem riscos de torção no pé. “É muito claro ver que eles [os corredores] se sentem mais protegidos na ciclovia, onde tem veículos de menor porte e velocidade do que em outros lugares”, opina Torres.

Tania Moraes , de capacete branco, e Ivanir Batista, de capacete preto, treinam no velódromo do Jardim BotânicoAniele Nascimento/Gazeta do Povo

Na briga por espaço, ciclistas e corredores têm uma pedra no sapato em comum: o pedestre desatento. Ivanir Batista corre há nove anos e pedala há um. Dia desses estava na ciclovia da Mariano Torres, em Curitiba, atrás de uma garota que mexia no celular. Ivanir tentou avisar que vinha pedalando, sem sucesso. “Se eu não visse poderia atropelar ela”.

Sua colega de treino, a dentista Tânia Morais, destaca o problema das pessoas que andam com fone nos ouvidos. Não prestam atenção. No parque, principalmente nos finais de semana, as famílias com crianças são um risco. No Barigui, em Curitiba, ela conta que até velocípedes infantis trafegam pela faixa exclusiva para bicicletas. “Mas também lá até os patos estão na pista de vez em quando, mas aí não tem o que fazer”.

Regras de boa convivência

Confira regras de boa convivência, elaboradas por profissionais da corrida e do ciclismo.

Ciclistas

Locais de treino

O treino do ciclismo, de alta velocidade, deve ser feito em locais apropriados. Uma boa opção são os autódromos e velódromos. Para longas distâncias, o técnico Robson XXX indica rodovias e estradas. São locais mais seguros do que a cidade, em número de colisões; mas o cuidado deve ser redobrado, pois a gravidade de acidentes é maior. Ruas urbanas têm muitos entrocamentos, o que dificulta treinos de velocidade. Já em parques e praças há forte presença de famílias e corredores, portanto a velocidade deve ser reduzida como forma de cuidado.

Em áreas urbanas

Pedalar em locais previstos para o ciclista. Em ciclovias e ciclofaixas, onde houver, ou no canto direito da via por onde trafegam os carros. Sempre na mesma mão dos veículos.

Previsibilidade

Sempre sinalizar o que for fazer. Qualquer conversão, parada, subida em algum local. Fazer ser visto tanto pelos carros quanto pelos pedestres.

Buzina

Vale buzinar. A ação não deve ser vista - ou utilizada - como grosseria, e sim como sinal de alerta. A buzina é item obrigatório na bicicleta, pelo Código Brasileiro de Trânsito. Uma alternativa é avisar em voz alta quando for ultrapassar um pedestre ou precisar que a pessoa vá pelo canto da direita para fazer a ultrapassagem.

Ciclista eventual

Ciclistas de velocidade e pessoas que utilizam a bicicleta como meio de transporte, em geral, são mais acostumadas a seguir etiquetas de trânsito. Mas os ciclistas eventuais, “de fim de semana” também devem seguir padrões de comportamento que tornam o trânsito mais seguro.

Agir com proximidade

Embora a bicicleta seja um veículo, ela permite um contato mais próximo ao pedestre do que o carro, por exemplo. O advogado Fernando Torres sugere que o ciclista aproveite isso para raciocinar e agir como pedestre. Pequenas ações como pedir licença, ser educado e gentil fazem a diferença.

Ciclovia

Muitas ciclovias são compartilhadas. Mas mesmo nas exclusivas para bicicleta, o ciclista deve ter em mente que as pessoas vão utilizar este espaço para corridas ou outras práticas. Nestes casos, vale respeitar: buzinar ou alertar verbalmente que tem bicicleta atrás e sempre buscar a ultrapassagem pelo meio, não pelo canto.

Corredores

Pista apropriada

Em parques onde há demarcação de pistas, ir pela dos corredores. Não pela dos ciclistas nem ou de caminhada. Na rua, o ideal é ir pela calçada, na contrmão dos carros, indica o técnico de corrida Daniel Oliveira Junior.

Fone de ouvido

Evite. O melhor é não usar, pois o corredor deve estar atento à sua volta com todos os sentidos. Mas muitas pessoas utilizam a música como motivador. Nestes casos, optar por um local controlado, como um parque, e não na rua. O volume deve ser baixo, para ouvir o que ocorre em volta. Uma opção é usar só um lado do fone e deixar o outro pendurado.

Roupa

Roupas chamativas. Laranja, rosa e verde limão são cores populares entre os corredores não por acaso: ajudam a sinalizar que há um pedestre trafegando pelo local. Serve de alerta tanto para carros quanto para ciclistas, principalmente pela noite. Vale comprar tênis com luzes reflexivas.

Ciclovia

Correr na ciclovia não é aconselhável. Mas se for a única opção para determinado trajeto, o corredor deve ir pelo canto da direita e redobrar a atenção, caso tenha que abrir passagem para algum ciclista.

Horário

Correr fora do horário de pico é uma boa opção, para quem têm esta possibilidade. As calçadas são mais vazias, facilitando a utilização das mesmas. O tráfego de veículos é menor.

Percurso

Para corridas mais longas, monte um percurso que dê preferência a estas condições: calçadas largas, regulares, baixo trânsito de pedestres caminhando.

Todos

Troque de lado

Experimente pedalar na ciclovia, ir para o trabalho de bicicleta ou fazer uma corrida na rua. Trocar de lado é uma boa experiência para aprender a enxergar como o outro. Vale também para quem só anda de carro ou não prática nenhuma dessas atividades.

Opinião de quem corre, opinião de quem pedala

Ciclistas e corredores dão seus relatos sobre

“O pedestre é desatento. É fone de ouvido, celular, não escuta a campainha da bicicleta. Por essas coisas, hoje a ciclovia é o pior lugar para pedalar que tem em Curitiba”

Tânia Morais, atleta amadora de ciclismo há dois anos

“Eu estava correndo na ciclovia da Sete de Setembro quase encostada no meio fio e o ciclista não parou. Eu tive que desviar para a calçada, se não ele ia me atropelar. É um problema, assim como o pedestre distraído, que não presta atenção na hora de andar”

Ivanir Batista, um ano na bike e nove anos de corrida

“Estava de bicicleta e o carro invadiu a mão contrária, tive que subir no calçadão se não seria atropelado. Da mesma forma estava correndo e tinha duas pessoas caminhando juntas no calçadão e eu não conseguia passar porque não tinha espaço, e aí tem que diminuir o ritmo”.

Pedro Gerolimich, professor, corre no calçadão de Copacabana

“Na passagem em frente à churrascaria, em Botafogo, tem um trecho longo com obras. Três ciclistas vieram à toda, quase me atropelando, sem sinalizar e aos berros. Admito que tenho medo deles, por serem confusos, xingar quem corre na ciclovia e por aí vai”

Debora Pessôa, trabalha em uma assessoria de corrida em Botafogo, no Rio de Janeiro

“O que incomoda mesmo é o pessoal andando na pista de corrida. Você tem que desviar, perde o ritmo, e o pessoal ainda acha ruim. Tem também uma senhora que sempre briga quando a gente alonga na pista de caminhada, não desvia, passa xingando. “.

Danni Marin, corretora de imóveis, corre há um ano

“No parque, quando chove, as pistas das extremidades ficam alagadas. Já tive problema com ciclista que vinha na pista de corrida, não me viu e bateu com o guidão no meu braço. Foi um pouco forte, senti dor, mas felizmente nada demais. O pior é que ele não parou para pedir desculpa, nada”.

Silvana Camargo Roncaglio, advogada, corre há 4 anos no Parque Barigui

“Curitiba se respeita muito. Hoje o corredor, o ciclista, até o pedestre têm discernimento. É um atrito ou outro, o ciclista as vezes acaba entrando na vaga do corredor, ou o corredor não vê, mas prevalece é o respeito. O motorista de carro ou é ciclista, ou corredor, ou tem alguém da família dele que é”

Robson Ferreira Alves, técnico de ciclismo

“No meu caso, mudança se deu quando me tornei ciclista (há um ano, mais ou menos) e pude me colocar no papel da pessoa que tem que prestar atenção redobrada tanto nos carros, quanto nos pedestres. A bicicleta realmente nos faz ver a cidade de outra forma.”

Juliana Reis, designer, corre há quatro anos no Parque do Ibirapuera

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