Em uma rodinha de corredores de rua, a pergunta “quem quer falar sobre problemas com ciclistas?” causa alvoroço. O cenário é o Parque Barigui, um dos locais em Curitiba com melhor infraestrutura para prática compartilhada de atividades físicas. A história se repete no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, no calçadão da praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, e em outras cidades brasileiras. Mesmo em locais com ciclovia e pistas de corrida e caminhada, há conflito. Reclamações dos dois lados resumem-se em: falta respeito. Todos têm um pouco de razão, e algumas regras de boa convivência podem ajudar quem pretende construir um trânsito mais seguro e agradável.
Correr na ciclovia é dos temas mais polêmicos. O técnico de ciclismo Robson Ferreira Alves não vê problemas, desde que o corredor fique no canto da direita, liberando espaço para ultrapassagem pelo meio. “Uma pessoa correndo na ciclovia tem que se policiar, porque ela está dentro de um ambiente que é de ciclismo”.
Nem todos pensam assim. Debora Pessôa, que trabalha em uma consultoria de corrida na Zona Sul do Rio de Janeiro, lembra de duas oportunidades em que ciclistas esbravejaram contra ela e um grupo de corredores que seguia em fila indiana, pela ciclovia da praia de Botafogo. Em uma das vezes o grupo parou para dar a vez para um senhor idoso, e “mesmo assim ele reduziu [a velocidade] e esbravejava que ali era uma ciclovia; todo mundo começou a bater boca, mas ele se mandou”.
Por essas e outras, o técnico de corrida Daniel Oliveira Junior aconselha seus alunos a irem sempre pela calçada e na contramão da via dos carros. É o contrário da bicicleta que, por ser um veículo, deve trafegar na via, no mesmo sentido dos carros. Em ruas sem calçadas, a sugestão é correr no canto, também na contramão.
Incorporar a bicicleta como meio de transporte fez a designer Juliana Reis refletir sobre sua vida como corredora. Em quatro anos de treino, ela foi atropelada duas vezes, por bicicletas; uma no Parque do Ibirapuera e outra no câmpus da Universidade de São Paulo (USP). “Talvez por falta de experiência compartilhada, muitos pedestres e corredores não sabem que alguns comportamentos podem colocar em risco a vida do ciclista”. Um exemplo é a ciclovia da Avenida Paulista, que fica no meio, separando as faixas de carros que vêm e vão. Juliana é contra utilizar este espaço para treinos de corrida, “pois a proximidade com os carros coloca em risco a segurança tanto de corredores, quanto dos ciclistas”.
A briga toda, na verdade, pode ser um sinal da falta de infraestrutura nas cidades. Assim como a criação de ciclovias e ciclofaixas deu vazão a uma “demanda reprimida” de usuários de bicicleta, fato de os corredores se abrigarem nestas faixas mostra um déficit em espaços para fazer exercício, na opinião do advogado Fernando Torres, consultor jurídico do portal “Vá de Bike”.
A calçada, embora indicada para corredores, oferece risco à prática de exercícios. A falta de acessibilidade, como presença de postes, lixeiras e garagens que avançam pela calçada já atrapalham pedestres. Pior ainda para corredores, que precisam manter ritmo de velocidade. Além disso, pisos irregulares oferecem riscos de torção no pé. “É muito claro ver que eles [os corredores] se sentem mais protegidos na ciclovia, onde tem veículos de menor porte e velocidade do que em outros lugares”, opina Torres.
Na briga por espaço, ciclistas e corredores têm uma pedra no sapato em comum: o pedestre desatento. Ivanir Batista corre há nove anos e pedala há um. Dia desses estava na ciclovia da Mariano Torres, em Curitiba, atrás de uma garota que mexia no celular. Ivanir tentou avisar que vinha pedalando, sem sucesso. “Se eu não visse poderia atropelar ela”.
Sua colega de treino, a dentista Tânia Morais, destaca o problema das pessoas que andam com fone nos ouvidos. Não prestam atenção. No parque, principalmente nos finais de semana, as famílias com crianças são um risco. No Barigui, em Curitiba, ela conta que até velocípedes infantis trafegam pela faixa exclusiva para bicicletas. “Mas também lá até os patos estão na pista de vez em quando, mas aí não tem o que fazer”.