Os três abalos fortes que sacudiram a região central da Itália, em outubro deste ano – depois que um terremoto ainda mais forte deixou milhares de desabrigados, poucos meses antes – fez o primeiro-ministro Matteo Renzi prometer que cada cidadezinha atingida voltaria a ser como era antes da tragédia.
“Vamos reconstruir tudo. Temos verba e também vontade”, escreveu ele, no site oficial do governo, acrescentando que lançaria um decreto para agilizar a burocracia e facilitar a reconstrução. Embora bem-vindas, as palavras pouco fizeram para inspirar a confiança dos moradores dos vilarejos atingidos, como Norcia.
A experiência de L’Aquila, 100 quilômetros ao Sul, mostra que as promessas são vazias. Ali, 309 pessoas morreram em um terremoto, em 6 de abril de 2009. Com uma população de 72 mil habitantes, a cidade (que é polo de sua região) ainda não foi reconstruída. A expressão “Como L’Aquila, não” se tornou um bordão comum nesses tempos instáveis.
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“O mais importante é saber como cometer menos erros. Sim, porque eles acontecerão, de uma forma ou de outra, mas se tentarmos reduzi-los já será uma grande coisa”, afirma Celso Cioni, diretor da associação comercial Confcommercio, em L’Aquila.
Mais de 22 mil pessoas atualmente recebem assistência em dezenas de cidadezinhas pitorescas das encostas da Umbria, Marche, Lazio e Abruzzo, desde que os abalos começaram a causar destruição, em 24 de agosto deste ano. A grande maioria – 15.400 – preferiu ficar em dormitórios improvisados em ginásios ou barracas na área em vez de ser transferida para hotéis no litoral.
Até agora, 130 milhões de euros (cerca de R$ 472 mi) foram gastos para sanar os efeitos imediatos da catástrofe recente, que fez quase 300 vítimas. O primeiro-ministro já disse que abrigos melhores (feitos a partir de contêineres de carga) estarão disponíveis até o Natal.
Depois disso, os desabrigados serão instalados em casas temporárias de madeira, enquanto aguardam a reconstrução de suas residências definitivas. É justamente esta promessa de longo prazo que preocupa muita gente.
Sete longos anos
Sete anos após o desastre de L’Aquiçla, o local é um centro de trabalho barulhento e, ao mesmo tempo, uma cidade fantasma. Praticamente toda a periferia foi reconstruída e repovoada, com direito a congestionamentos e dificuldade para estacionar o carro. Porém, o trabalho no centro histórico, com seus palácios grandiosos e igrejas elegantes, só ganhou força nos dois últimos anos – tanto que já é considerada o maior canteiro de obras da Itália.
Coordenador do Officina L’Aquila, projeto que promove práticas de reconstrução melhores, Roberto Di Vincenzo argumenta que “é sempre mais fácil destruir do que construir”, na Itália. Mas a opção por erguer novas acomodações, no lugar de recuperar o centro histórico, é muito criticada. “O grande erro foi a criação dos novos núcleos, daquela área descentralizada. Por causa dela, os escritórios, as lojas e outras áreas de interação social não voltaram para o centro”, diz arquiteto local Antonio Perrotti.
“A cidade agora se estende por um eixo de 18 km”, critica Aldo Benedetti, professor de Engenharia da Universidade de L’Aquila. “Para piorar, a infraestrutura não foi reforçada adequadamente; faltam calçadas e transporte público, sem contar áreas de reunião do pessoal, como manda a tradição italiana”
Falta de verba e corrupção
Para completar, a reconstrução de L’Aquila ainda enfrentou brigas políticas, falta de objetivo comum, burocracia e a falta de verbas. Além de ser marcada por casos de corrupção, como investigações sobre o envolvimento de organizações criminosas e de terceirizações duvidosas.
A prefeitura garante que a reconstrução engatou desde que o governo federal liberou a verba. Pouco mais de 4,6 bilhões de euros (pouco mais de R$16,7 bi) já foram gastos para reconstruir residências particulares. Hoje. dezenas de guindastes pontilham o céu do centro, como um lembrete constante das mudanças que ocorrem por ali. No total, a reconstrução de L’Aquila e de seus subúrbios deve sair por volta dos oito bilhões de euros (cerca de R$ 29 bilhões).
“O objetivo é concluir o trabalho todo até 2019. Há boas práticas a serem cumpridas, mas o importante mesmo é pensar naquilo que já foi feito”, diz Pietro Di Stefano, vereador responsável pelo projeto. Mas os terremotos deste ano representam mais um contratempo. “Estamos investindo o coração e a alma para fazer todo o possível para recomeçar, mas cada novo tremor nos impede de continuar”, lamenta Nicoletta Colaneri, dona de um bar perto da praça principal que reabriu no último dia 20 de agosto (quatro dias antes do primeiro grande abalo de 2016).
“Os novos terremotos puseram o pessoal, que já estava nervoso, com os nervos à flor da pele e transformaram L’Aquila numa ilha deserta. O que ganhamos nesses últimos dois meses foi uma mixaria. É de chorar, comparado com o investimento que fizemos”, se queixa Peppe Colaneri, primo e sócio de Nicoletta.
“A gente jamais imaginou que, sete anos depois, ainda estaria sofrendo as consequências do terremoto”, lamenta. “Está tudo ainda tão cru que vai levar anos para acertar tudo”.
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