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Futuro das Cidades

Cidades brasileiras engatinham na preparação para enfrentar desastres marítimos

 | Antônio More/Gazeta do Povo
(Foto: Antônio More/Gazeta do Povo)

Um ciclone extratropical chegou ao litoral Sul do país no fim de outubro. Fosse em alto mar, seria uma tempestade qualquer. Na costa do Paraná e de Santa Catarina, as ondas de até cinco metros causaram estragos. Nós próximos dias, a ressaca deve dar uma trégua, mas há um risco permanente de o mar avançar sobre as ruas. Para as cidades, o desafio é de prevenção, para evitar vítimas e maiores danos; e de planejamento, para conviver de forma harmoniosa com a natureza.

O primeiro passo é entender que o mar não é o vilão. O desastre é o dano causado, e não o fenômeno da natureza. “Um furacão no meio do oceano não é um desastre, é só um furacão no meio do oceano” é o mantra dos especialistas da área. A etapa número é reconhecer que existe um risco. Vale em especial para o Brasil, onde por muito tempo houve a crença de que o país é livre de desastres, por não ter terremotos, vulcões ou tsunamis, por exemplo.

Mas grandes eventos da última década, como as chuvas que atingiram Santa Catarina (2008), Pernambuco e Alagoas (2010) e a região serrana do Rio de Janeiro (2011) começam a mudar esta visão. Além disso, o “somatório de pequenos eventos, como inundações em pequenos municípios, equivale a um desastra de grande proporção”, explica Rafael Schadeck, pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas em Desastres da UFSC (Ceped) e consultor do Banco Mundial para o tema. O Ceped estima que Santa Catarina perdeu quase R$ 900 milhões ao ano em desastres naturais, entre 1995 e 2014, equivalente 0,5% do PIB estadual.

Nas ressacas de outubro, planos de contingência ajudaram a minimizar os danos. Consiste numa sequência de ações a serem tomadas pelo município e pessoas a serem acionadas quando a Defesa Civil estadual detecta algum tipo de risco. Vai desde secretarias até rádios locais, que podem transmitir o alerta para a população. Não impede o dano material, mas evita que as pessoas sofram risco

Em Santa Catarina, a ressaca desalojou 40 pessoas em Tijucas e duas famílias em Itapoá. Trinta e duas cidades tiveram danos físicos, mas nenhuma pessoa ficou ferida. A título de comparação, no ano de 1948 morreram 23 e 80 ficaram feridas depois que um tornado atingiu o estado. No Paraná, a Defesa Civil estima que mais de 12 mil pessoas foram afetadas pelas inundações e prejuízos materiais. Mas nenhuma ficou ferida.

Prevenção a longo prazo

O próximo desafio é fazer a prevenção a longo prazo. Preparar as cidades para fenômenos extemporâneos, mas também para o desgaste causado pelo mar no dia a dia. Caso da erosão costeira, processo lento e gradual que a longo prazo pode “comer” faixas de areia, mas que também pode agravar o impacto de uma maré cheia.

“A gente tem um caso emblemático no balneário Piçarras, que entrou em situação de emergência, mas não foi do dia para a noite. A praia foi subindo, diminuindo a área, pegou as casas. É o que acontece em [cidades] do Nordeste, também”, conta Rafael Schdeck, do Ceped Santa Catarina.

Não há hoje no Brasil nenhum grande planejamento que coloque a prevenção a desastres no centro da política, com metas, ações e prazos, relata o capitão da Defesa Civil Eduardo Gomes Pinheiro, diretor do Ceped Paraná e doutor em gestão urbana pela PUCPR. O estado tem 317 de seus 399 municípios como signatários do programa Cidades Resilientes, das Nações Unidas.

“Mas não é que o município se torna resiliente”, quando assina o termo. “Ele simplesmente assumiu a necessidade de se criar um programa”. Hoje a Defesa Civil luta para que os municípios do Paraná criem planos municipais de Proteção e Defesa Civil, para tornar a prevenção a desastres em política pública transversal. E permitir que dela se faça um planejamento.

Na ressaca das últimas semanas, por exemplo, a cidade de Pontal do Paraná sofreu menos com o aumento das ondas do que Matinhos e Guaratuba. “E ali tem aquela vegetação existente na areia, a restinga. Será que a falta de restinga é determinante para os estragos? Se a resposta for sim, o planejador urbano vai poder levar isso em conta”.

Papel do planejamento urbano

A prevenção a desastres também deve orientar o uso e ocupação do solo urbano. “A erosão costeira ocorre porque talvez as ruas, as casas não deveriam estar ali. No Brasil, 90% dos nossos eventos [de desastre] são relacionados ao uso e ocupação do solo indevido”, explica Rafael Schadeck, que antes de trabalhar no Ceped foi diretor do Centro Nacional de Gerenciamento de Risco (Cenad).

O Estatuto das Cidades, aprovado em 2001, só incorporou a gestão de riscos em 2012. Os planos diretores municipais aprovados até ainda não tinham obrigação nenhuma de levar o tema em conta, na hora de planejar as cidades. O capitão Pinheiro lamenta o atraso, pois vê o município como um ente fundamental. “É lá que ocorre o desastre, o uso do solo é prerrogativa dele. Muitos desastres são em áreas ocupadas regularmente pelo poder público, que não levou em conta os riscos na hora de lotear o espaço urbano”.

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