A revitalização das águas urbanas é um processo caro e demorado. E que exige, antes de tudo, desejo e participação da população. No Brasil, talvez pelo excesso de oferta de água doce, o envolvimento dos cidadãos por meio da educação ambiental ainda é pequeno. Muito custosos, os projetos de limpeza esbarram, geralmente, na falta de verbas.Como inspiração, que tal conhecer cinco exemplos de rios ao redor do mundo que foram mortos (e, por vezes, enterrados). Mas que ganharam vida nova nas últimas décadas:
Tâmisa, Londres (Inglaterra)
O Rio Tâmisa, em Londres, chegou ao fundo do poço em 1858. A cidade chegava perto de dois milhões de habitantes, e a rede de esgoto consistia em tubulações que ligavam a casa das pessoas ao rio. O período ficou conhecido como “O Grande Fedor”. Um século depois, em 1957, o rio foi declarado “biologicamente morto”. Era a época do pós-guerra: o país estava destruído e sem dinheiro, e políticos chegaram a bradar contra o gasto de dinheiro público com o rio. Foi justo aí que a revitalização começou. Os bombardeios nazistas destruiram a tubulação de esgoto, o que obrigou a cidade a substituir túneis centenários por outros, modernos, ao longo dos anos 1960. Nas décadas seguintes, as legislações ambientais limitaram as emissões de fertilizantes e pesticidas no rio. Dos anos 2000 para cá, a poluição por metais tóxicos caiu drasticamente, graças às restrições a emissões industriais. Além disso, a companhia de água do Tâmisa removeu paredes de concreto que margeavam o rio, e substituiu por entulho, que permitem a sedimentação de matéria orgânica e favorecem a criação de formas de vida. Sem emissão de poluentes e com condições favoráveis, o rio se recuperou sozinho, aos poucos. Agora, tudo o que foi construído dos anos 1960 para cá corre o risco de sucumbir. Muito pequenos, os túneis já não comportam os atuais oito milhões de habitantes das cidades. Para resolver este problema, a cidade está construindo um túnel de sete metros de largura, que vai conectar as principais redes de esgoto a uma estação de tratamento a 25 quilômetros de distância do centro de Londres.
Cheonggyecheon, em Seoul (Coreia do Sul)
A revitalização do Cheonggyecheon impressiona pela velocidade. Apenas três anos após o início das obras o local já tinha virado uma prainha no meio da cidade de Seoul. Afluente do imponente Rio Han (que corta a cidade ao Sul), o Cheonggyecheon foi coberto após a guerra da Coreia. Uma via expressa elevada foi inaugurada em 1976, com 5,6 quilômetros de extensão e largura entre 50 e 90 metros. Foi um marco do “progresso” no governo militar, segundo o estudioso Peter Rowe, da faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Harvard, em artigo publicado na Revista aU. Com o fim do regime, ganhou força a ideia de demolir o elevado, já nos anos 1990. As obras começaram em 2002 e, em 2005 já estava tudo pronto, a um custo de cerca de US$ 380 milhões. Foram construídas 22 pontes, e cerca de 75% do entulho da antiga rodovia foi reutilizado na obra. Com paisagem urbana renovada, o local virou uma atração turística. Com novos investimentos em metrô e em linhas de ônibus para a região, o trânsito se manteve como antes. Peixes, aves e insetos já são encontrados no rio, que baixou a temperatura da região em 3,6 ºC, em média. Mas parte da margem do rio segue sem ocupação, devido ao aumento no valor dos terrenos da região.
Sena, Paris (França)
O Sena é mais um caso em que a natureza pagou pelo progresso. A prefeitura de Paris começou a “higienizar” as margens do rio – removendo comerciantes e lavadeiras, para dar espaço as navegações – ainda no século 18. Nos anos 1960, o primeiro-ministro Georges Pompidou mandou que construíssem avenidas expressas nas duas margens do rio. “Paris deve se adaptar ao carro”, disse ele. Por outro lado, foi nessa época que a França começou a regular suas águas, o que elevou a espécie de peixes no Sena de cinco para 32, em poucos anos. A cidade investiu em infraestrutura para tratamento de esgoto. A melhora gerou um otimismo tamanho que, em 1988, o então prefeito Jacques Chirac declarou que seria possível nadar no Sena em até cinco anos. Não deu tão certo. O rio segue fechado para nado, e a nova meta do governo é torná-lo habitável até 2024, como uma das promessas da cidade para receber a Olimpíada. Em 2013, em meio a uma série de ações para diminuir a quantia de carros nas ruas, o prefeito Bertrand Delanoe fechou um trecho de pouco mais de dois quilômetros à beira do rio para inaugurar Les Berges de la Seine (literalmente, “as margens do Sena”). É um espaço com jardins, parquinhos e restaurantes, voltado ao lazer e turismo. Se diminuiu o número de veículos, por um lado, o projeto recebeu criticas de quem questionou a prioridade do governo em investir cerca de 40 milhões de euros na obra.
Sujeira de esgoto é brincadeira de criança perto do que enfrentou o Rio Passaic, em Newark, no Leste dos Estados Unidos. A região é um polo industrial que abriga mais de 70 fábricas, entre elas a Diamond Alkali, que produziu o Agente Laranja durante a Guerra do Vietnã, nos anos 1960. Quando a revitalização surgiu na pauta política, nos anos 1980, parecia um sonho longe da realidade. Só nos últimos anos a tecnologia mudou o jogo. O lamaçal poluído é removido do fundo do rio com dragas, que utilizam satélites para se posicionar nas áreas mais poluídas. Antes disso, técnicos da Agência Ambiental dos EUA (EPA) simulam, com modelos matemáticos, como vai ser a dispersão do material – ao remover sedimentos, as dragas mexem com o veneno depositado no fundo do rio, que pode se dispersar e causar ainda mais poluição se tudo não for feito da maneira adequada. Os supercomputadores da EPA estimam a movimentação dos sedimentos pelos próximos 30 anos, o que significa que o computador precisa começar a trabalhar um mês antes das dragas. A ação é combinada entre poder público e privado. A EPA entra com a expertise; e as fábricas do entorno, com o financiamento.
Rio das Velhas, Minas Gerais
Maior afluente do Rio São Francisco, o Rio das Velhas cruza cidades como Ouro Preto, Sabará e Belo Horizonte. Poluído, o rio viu renascer as esperanças com a criação do projeto “Manuelzão”, dentro da Faculdade de Medicina da UFMG, nos anos 1990. Nas cidades, o projeto focou na educação ambiental: conscientizar as comunidades entrecortadas pelo curso d’água da importância de manter o local limpo. Em paralelo, cobrou ações do poder público, que passou a investir em estações de tratamento de esgoto e na recuperação da mata ciliar. Hoje, o rio é próprio para banho, em seu curso médio, e voltou a ter peixes. A revitalização foi incluída como política do governo estadual. Em 2010, o projeto levantou que 60% da meta de limpeza havia sido atingida com sucesso. Atualmente, há pelo menos 51 núcleos do projeto, que monitoram o trabalho de limpeza no rio.