As eleições presidenciais sempre têm consequências e esta afetará Nova York mais do que qualquer outra ocorrida recentemente. Não estou falando dos candidatos ou do tom político do país, mas do simples fato de que o vencedor, Donald J. Trump, mora na cidade. Aliás, na Quinta Avenida, no coração de Manhattan, área que abriga uma das maiores concentrações humanas e de congestionamento do mundo.
Com cinco faixas, ela passa por pontos famosos como a Biblioteca Pública, o Empire State Building e o Rockefeller Center, além de um sem-fim de verdadeiros templos do comércio, turismo e luxo exclusivo. E, uma vez que é um destino tão popular, o preço do aluguel comercial ultrapassa a marca dos US$ 32 mil por metro quadrado por ano, o maior do mundo, mais que o dobro do custo de um espaço semelhante ao longo na Champs Élysées, por exemplo. Não é à toa que a cor mais popular entre as fachadas da região seja o dourado.
Na esquina com a 56th Street fica a casa do presidente eleito, a Trump Tower, que não demorou a se transformar em uma verdadeira fortaleza, apinhada de agentes do Serviço Secreto e policiais armados cercados de turistas curiosos, cinegrafistas e manifestantes. Eles se juntam ao pessoal que faz compras e trabalha por ali, além dos outros pedestres que competem pelas calçadas já congestionadas, geralmente levando o movimento para a rua. A consequência é um trânsito significativamente mais lento, onde as medidas de segurança forçaram o bloqueio das transversais.
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Embora Trump diga que vai se mudar para a Casa Branca, sua mulher e o filho caçula pretendem esperar pelo menos até o fim do ano letivo para fazer o mesmo. Ainda candidato, durante a campanha, ficou conhecido por voltar para a cidade, mesmo tarde da noite, para acordar na própria cama – e já disse que planeja retornar com frequência. Se decidir passar mesmo que seja uma parte da semana em Nova York, na prática a Trump Tower se tornará a residência presidencial e sede do poder global.
Os comboios e restrições de segurança resultantes disso paralisarão as ruas da cidade permanentemente. A posse nem aconteceu ainda, mas o bochicho já começou: os nova-iorquinos querem a Quinta Avenida de volta.
A oportunidade de mudar a principal via de Manhattan
Da mesma forma que a eleição de Trump representa um momento histórico, também dá a deixa para a oportunidade extraordinária de fazer da Quinta Avenida uma espécie de calçadão, onde não circulariam veículos particulares, só os de transporte público. A mudança, que compreenderia o trecho que vai do Central Park até o Empire State Building, na 34th Street, criaria um espaço público genuinamente norte-americano, ou seja, uma plataforma cívica totalmente nova em um centro político recém-criado.
Uma comparação natural seria a Avenida Pensilvânia, no trecho em frente à Casa Branca. A criação de espaços públicos a partir das ruas é o símbolo da democracia urbana, pois dá às pessoas oportunidade de refletir sobre suas instituições cívicas em vez de apenas serem arrebanhadas – que é o que está acontecendo no momento ao redor da Trump Tower.
Só que, ao contrário do que acontece em Washington, a Quinta Avenida é um dos principais corredores de ônibus municipais, com 38 linhas transportando milhares de pessoas diariamente dentro de Manhattan, além das que vêm e vão para os outros distritos também. Basta deixar duas faixas para eles (e para os comboios) e reservar as outras três para os pedestres.
Há tempos o tráfego comercial foi proibido ali e as entregas de caminhão poderiam continuar a ser feitas em zonas específicas, em horários determinados, nas transversais. Já em relação aos táxis, a Prefeitura pode criar especificações para o desembarque dos passageiros e também impedir que os mesmos circulem vazios por vários quarteirões.
Esse não seria um experimento de boa vontade ou civismo, nem uma obra pública faraônica; é fato que as ruas que acomodam melhor o público também são melhores para o comércio.
Em um projeto semelhante que ajudei a introduzir, em 2009, na administração de Michael R. Bloomberg, sete quadras de Times Square foram fechadas ao trânsito e duas faixas removidas entre Columbus Circle na 59th Street e 17th Street, distância equivalente a mais de 3 km. Os motoristas de carros e táxis, rápidos na adaptação, logo encontraram rotas alternativas. Resultado: o tráfego de pedestres na Broadway disparou e os negócios bombaram.
Com a expansão de rotas de ônibus expressos e a inauguração da estação de metrô da Segunda Avenida, há mais alternativas do que nunca ao uso do carro em Midtown Manhattan. Transformar a Quinta Avenida em um corredor que priorize os pedestres e os ônibus pode ser o próximo passo, pois não só solucionaria o problema dos congestionamentos da Trump Tower como também encorajaria as pessoas a andar mais, a usar o sistema de compartilhamento de bicicletas e aproveitar melhor a rede de ônibus.
É claro que uma alteração dessas exigiria um trabalho conjunto entre os Departamentos de Polícia e Transporte. Também teria que atender às necessidades das autoridades federais em relação à segurança presidencial, mas tamanha transformação poderia representar o ponto de equilíbrio, alinhando o urbanismo, a engenharia de transportes, a democracia e a política.
Os nova-iorquinos teriam a rua de volta, o governo federal, uma zona que facilitaria a missão de proteger o presidente e o próprio Trump, um espaço público para chamar de seu.