Parques urbanos farão sentido na cidade do futuro? Cada vez mais e por diversas razões. Sobretudo, pela sua eficácia em abrigar num único lugar vantagens de ordem social e ambiental. E, por serem locais de coexistência urbana em meio a elementos naturais que os definem, tornam-se facilitadores para que outro nível de sociabilidade se expresse, mais generoso e relaxado. Experimentos de neurocientistas até indicam que parques ajudam a diminuir a ansiedade, a depressão, o cansaço e a tristeza. Imprescindíveis, portanto. Contudo, esse compartilhamento espacial foi uma conquista recente, pois na sua gênese, o parque urbano era destinado a convivência de poucos, mais abastados.
Os parques que conhecemos hoje não tem uma origem tão antiga como as praças, que se conformaram muito antes da era cristã, na Grécia helenística. São frutos da nascente sociedade industrial europeia do século 18, que no seu bojo, criava um espaço urbano cada vez mais distante da natureza e com crescentes problemas ambientais. Para que a parte mais rica da população pudesse desfrutar de um local mais ameno que abrigasse uma socialização educadora a céu aberto, algumas áreas começaram a ser preparadas como se fossem uma cópia do mundo natural. Assim, a função contemplativa e a pedagógica eram as primordiais. Outra questão que passou a ser cada vez mais considerada era a salubridade que tais áreas representavam, qual um “pulmão verde” para a cidade. Esse era o sentido de uma marcante frase que resumia o entendimento da função desses novos espaços públicos: “Num parque, a cidade não deveria existir”.
Mas, com o passar das décadas e acompanhando as transformações da sociedade, os parques renovariam sua importância, abrigando outras atividades em seu interior: esportivas, culturais, ambientais, etc., e se abrindo para um público bem mais diversificado. Um bom exemplo dessa complexidade contemporânea que o parque urbano assume vem dos anos 1980, com o concurso para o parque parisiense La Villette. Em razão da amplitude de funções requeridas, e quase que se opondo à essência higienizadora do período anterior, ele foi imaginado com o objetivo de fomentar a “natureza social humana” para o século 21, em que esporte, cultura e tecnologia teriam atribuições fundamentais. Enfim, esse espaço público já não era mais igual ao seu congênere de tempos atrás; dessa forma, o parque urbano pode ser considerado um interessante testemunho das mudanças de valores da sociedade expresso no espaço urbano.
“Gentrificação verde”
Quais seriam, então, os desafios atuais que rondam a existência desse elemento urbano? Listaria duas questões interligadas. A primeira, advém do impacto urbano que tais estruturas causam na sua vizinhança, de caráter econômico e urbanístico. Aumento de barulho, trânsito e comércio ao lado de casa, por vezes, não é bem vindo. Contudo, algumas pesquisas têm provado que atrás do processo de implantação de um parque urbano pode se iniciar o que se chama de “gentrificação verde”, quer seja, a expulsão dos moradores menos abastados em consequência da valorização do preço dos terrenos e da elitização do comércio local. Essa questão também pode ser observada quando se usa um parque como estratégia para alavancar um empreendimento imobiliário, vendendo a paisagem e a proximidade, como se apreende em propagandas de muitos lançamentos: “Compre um apartamento e ganhe um parque”. O fato é que um parque é um equipamento construído com recursos públicos e que não deveria ser destinados ao beneficio de poucos. Por isso, não basta um lindo projeto paisagístico, mas se requer uma política pública que lide com sua inserção na cidade.
O segundo ponto envolve a acalorada discussão acerca da custosa manutenção dessas grandes estruturas urbanas. As propostas de privatização da gestão desses espaços tornou-se uma das saídas mais acalentadas, muito em razão da dita falência do atual modelo baseado na administração exclusiva do poder público. Esta visão se inspira nos trusts, foundations ou mesmo nos friends groups norte-americanos e britânicos, organizações privadas sem fins lucrativos, que levantam recursos para aplicar na gestão de vários espaços públicos nesses países. Saída que também nasceu de um momento de crise financeira, diga-se de passagem, e o caso da recuperação do Central Park de Nova York é o exemplo mais emblemático, contribuiu para alavancar a ressurreição daquela cidade nos anos 1990.
De fato, constituem-se num tipo de parceria público-privada que atrai riscos para ambos os lados; no Brasil, entretanto, dado a licenciosa informalidade entre os domínios público e privado, as incertezas aumentam perigosamente, sobretudo para os usuários mais frágeis economicamente: os tipos de comércio interno, as atividades que se desenvolvem e até mesmo a cobrança para se usar um banheiro podem afastar usuários.
Raros municípios brasileiros possuem um sistema de parques tão complexo como o de Curitiba e isso é um privilégio. Na verdade, muitos pesquisadores consideram o exemplo curitibano como um sucesso a ser seguido, dada a sua conexão com outras questões igualmente importantes, como drenagem urbana e preservação ambiental. Parques e bosques correspondem a mais de 3% do território municipal e são o segundo tipo de espaço público mais presente na capital. Contudo, estudos apontam que existe uma clara correlação entre renda familiar e a distribuição desses espaços pelo município, que inverte as necessidades. O desafio, portanto, é romper com sua concentração espacial e tornar esse sistema mais democratizado.
Por outro lado, as campanhas municipais deste ano revelaram que os candidatos a prefeito Brasil afora reconhecem a importância desse equipamento público, pois várias promessas foram lançadas para a implantação de parques urbanos. Entretanto, esses compromissos já estão definidos, já que muitos planos diretores determinam, há anos, se não décadas, que os fundos de vale sejam destinados aos parques urbanos, embora muito pouco se tem feito para que se cumpra essa determinação legal. Os benefícios são evidentes e Curitiba mostra isso muito bem, tornando-os tão plenos de vida.