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É preciso pensar duas vezes antes de apostar no jeito marrento do Uber

Travis Kalanick, CEO da Uber, em encontro do Fórum Econômico Mundial na Chine em junho de 2016. Na ocasião ele disse que o mercado chinês era o pivô das operações do app. Semana passada, porém, acenou com bandeira branca para a chinesa Didi. | Qilai Shen/Bloomberg
Travis Kalanick, CEO da Uber, em encontro do Fórum Econômico Mundial na Chine em junho de 2016. Na ocasião ele disse que o mercado chinês era o pivô das operações do app. Semana passada, porém, acenou com bandeira branca para a chinesa Didi. (Foto: Qilai Shen/Bloomberg)

Após o acordo da Uber com a chinesa Didi Chuxing, divulgado no começo da semana passada, investidores da empresa privada mais valorizada do mundo hoje estão provavelmente se perguntando se eles não deveriam ter colocado dinheiro diretamente na Didi, da mesma maneira que a Apple fez no início de 2016. Eles deveriam, na verdade, estar se perguntando a mesma coisa em relação aos rivais da Uber em outros mercados.

Já está claro que a Uber não está dominando o mundo. E enfrenta dura concorrência também em outros mercados asiáticos, como Índia e Indonésia, assim como em vários países da Europa – a América Latina, como Futuro das Cidades já mostrou, é o mercado que mais cresce para o aplicativo. Assim como os problemas enfrentados pela empresa são diferentes em cada país, também são os desafios de concorrência. Mas o modus operandi da companhia norte-americana é o mesmo em todo o lugar: chega como um sucesso garantido, começa uma guerra de preços (e geralmente uma guerra legal com reguladores também), e queima dinheiro até que os concorrentes recuem.

Isso acaba criando situações patéticas como um na Índia, onde a Uber alega ter 50% do mercado de apps de mobilidade e sua principal concorrente, Ola, afirma ter 75% – tudo isso enquanto ambas as companhias estão “subsidiando” suas operações. Uber é, provavelmente, aquela exagerando nos números: o acordo com a Didi, que rendeu à companhia 18% de participação na empresa chinesa, embora ela afirme que sejam 30%, sugere que a startup da Califórnia vinha superestimando seu sucesso na China.

É regra para o Uber ficar na moita em grandes mercados enquanto queima toneladas de dinheiro dos investidores. Na Indonésia, as companhias locais Gojek e Grab, esta última com sede em Singapura, têm as maiores fatias do mercado. Em Moscou, maior mercado de táxi da Rússia, as empresas Yandex e Gett, esta com sede em Israel, têm cerca de 47% das corridas, enquanto a parcela da Uber não passa dos 15%. Na Alemanha, MyTaxi possui 40% do mercado de táxi nacional, enquanto a Uber opera somente em duas cidades, Berlim e Munique, tendo abandonado Frankfurt, Hamburgo e Dusseldorf no ano passado. E alguns países estão decididos a deixar a Uber de fora: uma regulação restrita forçou o aplicativo a suspender suas operações neste mês na Hungria.

Tentar comandar um serviço de táxi mundial é uma operação gigantesca mesmo quando a lei está do seu lado. Há um mês, a Uber lançou-se em Kiev, Ucrânia, onde as autoridades viram sua chegada como um bom sinal de “ocidentalização”. Como sempre, a Uber chegou oferecendo até cinco corridas grátis para os clientes iniciais – mas foi impossível encontra o carro com o aplicativo. Desapontados, os moradores da cidade deixaram de tentar. O aplicativo da Uber caiu, então, da terceira posição no ranking de serviços de download da loja da Apple no início de julho para o 89.º lugar na última segunda-feira (1.º), segundo o site AppAnnie. Os clientes passaram a recorrer aos serviços locais, como a Uklon, que é menos avançado tecnologicamente que outros concorrentes do Uber em outros países.

É claro que a Uber pode prosperar sem dominar todos os grandes mercados mundo afora. É um negócio de sucesso – e lucrativo – nos Estados Unidos. Em outros, ainda que em segundo ou terceiro lugar, ainda pode ser lucrativo. Uber está provavelmente certa em tentar a “dominância global”, no entanto um outro tipo de abordagem, como parcerias ou participações em serviços locais pode se revelar uma melhor estratégia.

Os investidores que apoiaram o seu jeito marrrento, porém, podem não estar usando seu dinheiro da maneira mais eficiente. Na China, a Uber queimou mais de US$ 2 bilhões em dois anos, tentando ultrapassar a Didi com políticas predatórias de preços. Antes teria sido mais inteligente dar todo esse dinheiro à Uber (e, no final, aos consumidores chineses) ou investir na Didi, que agora terá o monopólio do serviço de carona e provavelmente verá a lucratividade crescer mais rapidamente do que a Uber? Apple escolheu a segunda opção, investindo US$ 1 bilhão em uma participação não confirmada oficialmente de cerca de 5%, considerando o valorização da Didi à época. A Uber, por sua vez, recebeu apenas 6% dos direitos de voto (decisão) em troca de um acordo de US$ 25 bilhões para uma participação de 17,7% com a companhia chinesa.

E não foi só a Apple que decidiu apostar nas companhias locais e não na Uber. O SoftBank, controlado por um dos investidores de tecnologia mais espertos do mundo, Masayoshi Son, está por trás da Ola, da Índia, assim como da Grab, da Indonésia. Já a Daimler, fabricante de carros alemã, é dona da MyTaxi.

Prata da casa

A lógica por trás dessas apostas é a de que as companhias locais costumam ter um entendimento melhor sobre seus países. É o que afirmam tanto o fundador da Ola, Bhavish Aggarwal, quanto o diretor da MyTaxi, Nic Mewes. A Uber não vai substituir carros por barcos quando uma enchente atingir uma das cidades onde ela opera algo que a Ola fez em Chennai. A Uber também costuma tratar reguladores e encarregados da indústria do táxi com desdém, enquanto a MyTaxi sempre tenta cooptá-los para a sua causa -–algo bem à maneira alemã de agir nos negócios.

A única real vantagem competitiva da Uber, à parte de uma guerra abastecida pelo dinheiro de outras pessoas, é que ela funciona em vários lugares. Mas isso é algo efêmero: eventualmente, grandes negócios locais formarão alianças ainda maiores permitindo a eles partilhar passageiros com players do outro lado da fronteira, do mesmo modo que as operadoras de telecomunicações já fazem hoje. Já há, inclusive, uma aliança em gestação nesse sentido, entre Didi, Ola, Grab e Lyft; com o acordo entre Didi e Uber, é possível que aja uma associação incluindo a Uber e outra sem.

Os apoiadores da Uber compreendem que o preço dessa guerra é disruptivo. Eles pressionam a companhia para que reduza as perdas na China. Mas isso não é parece ser suficiente. É hora de os investidores examinarem melhor a estratégia global da Uber e decidirem se a guerra predatória de preços é a melhor forma para o negócio. Nenhum outro mercado está disponível para a Uber sem algum conflito – e isso é economicamente ineficiente.

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