Amr Arafa não presta atenção a nenhuma retórica incendiária sobre imigrantes e muçulmanos que se desenrola durante as eleições norte-americanas deste ano. O jovem de 34 anos natural do Egito acredita que imigração seja assunto para além de políticas públicas: tem a ver com fazer com que os recém-chegados em situação de vulnerabilidade se sintam em casa. “E o ônus disso não pesa sobre os legisladores, mas sim sobre os ombros de todas as pessoas.”
Durante o último ano, Arafa abriu o seu estúdio, no bairro de Foggy Bottom, em Washington, para refugiados e vítimas de violência doméstica de forma gratuita. Além disso, lançou um site para ajudar – ou seria melhor, convencer – os demais norte-americanos a fazer o mesmo. Batizado de EmergencyBnB, o site funciona a partir da mesma lógica que o Airbnb, a plataforma mais conhecida hoje no mundo de aluguel de curta temporada, mas sem nenhum tipo de pagamento envolvido e com foco em pessoas que precisam de um lugar e não tem mais para onde ir.
O site ainda é embrionário. Arafa está trabalhando para conseguir uma lista de anfitriões robusta antes de conectá-los a quem precisa. Por isso mesmo, ninguém reservou um quarto por meio da plataforma ainda, mas o jovem espera que isso mude logo. “EmergencyBnB não se trata de o governo te dar um lugar para ficar. É mais sobre seus vizinhos mostrarem que estão preocupados com você.”
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A ideia
Arafa mudou-se para os Estados Unidos em 2005 para fazer faculdade e, de lá até o ano passado, vinha se mantendo no país com vistos temporários de educação e trabalho, renovados anualmente. Ele agora tem uma empresa própria, uma consultoria em gestão de negócios, e, em 2015, conseguiu um green card, o visto de permanência norte-americano. Pela primeira vez em oito anos, Arafa pôde visitar a mãe no Egito sem correr o risco de não poder voltar.
A volta dele, aliás, coincidiu com a explosão, na internet, do vídeo da cinegrafista húngara que passou uma rasteira num refugiado sírio que corria da polícia na fronteira do país europeu com o filho no colo. Com o green card em mãos e essas imagens na cabeça, Arafa decidiu que era hora de fazer alguma coisa para ajudar os refugiados. “Após aquele mês em casa, no Egito, eu voltei com uma nova energia positiva em mim. Eu simplesmente queria ajudar as pessoas a conseguirem essa mesma sensação de estabilidade.”
Arafa inscreveu seu apartamento no Airbnb em novembro do ano passado, pelo preço mais barato que conseguiu pensar – US$ 10 –e impôs como condição que aquela oferta era apenas para refugiados e vítimas de violência doméstica (mais tarde, ele devolveria os US$ 10 ao convidado).
Um casal sírio que morava no Texas respondeu ao anúncio e perguntou se poderia ficar por uma semana enquanto eles estivessem em D.C. para comparecer a uma audiência que fazia parte do processo de pedido de asilo nos Estados Unidos. Arafa estava viajando naquela semana e permitiu que eles usassem seu apartamento naquele período.
Já no dia 4 de julho deste ano, uma mulher respondeu ao anúncio de Arafa dizendo que precisava de um lugar para ficar para fugir de “um colega de quarto abusivo”. Arafa pediu a ela uma cópia do boletim de ocorrência e, em contrapartida, entregou a ela as chaves do apartamento. Quando ele tem um convidado, Arafa normalmente reserva um quarto de hotel para ele, fica na casa de amigos ou mesmo combina o período com uma viagem que tenha que fazer.
A mulher, que pediu para que não fosse identificada, disse que ficou nervosa de dormir no apartamento de “um estranho”, mas que não tinha outra opção no momento. “Ficar na casa de um estranho não é algo que eu faria normalmente, mas [quando]você está numa situação de desespero... Eu não acredito que ninguém mais conseguiria fazer isso, porque é algo que exige confiança de ambos os lados. Ele [o anfitrião] corre risco, eu corro risco. Mas isso me fez perceber que pessoas como ele [Arafa] são uma raridade, mas existem.”
Em pouco tempo, Arafa percebeu que o Airbnb não era uma plataforma eficaz para a sua missão. Ele frequentemente recebia mensagens de viajantes que queriam um lugar grátis para ficar. Ele rejeitava o pedido e, com isso, o anúncio acabava sendo tirado do ar pelo Airbnb por ter tido negativas demais por parte do anfitrião. Dessa forma, ele deu o passo seguinte: usando o conhecimento que tinha sobre ciência da computação, criou o embrião do EmergencyBnB.
Arafa ainda anuncia seu apartamento no Airbnb, mas a cada semana ele consegue mais anfitriões para o EmergencyBnb. Ele pediu aos amigos que tem em vários cantos dos Estados Unidos para inscreverem suas casas e acabou outros mais por meio da publicidade que a sua missão tem ganhado.
“Eu estou sempre interessado em conhecer outros pessoas e culturas, e convidar pessoas para compartilharem a sua casa parece uma ótima oportunidade para fazer isso”, disse Steve Graybill, que inscreveu um quarto em sua casa em Silver Spring. Graybill e sua esposa leram sobre o projeto de Arafa no Street Sense, um jornal de D.C. escrito em grande parte por moradores de rua e ex-moradores de rua. “É uma coisa um tanto assustadora abrir a sua casa a um estranho. Acho OK sentir medo, mas nós não devíamos deixar esse medo nos controlar.”
Arafa ainda não tem um sistema de checagem que assegure que refugiados e vítimas de violência sejam quem eles dizem ser. No caso dele, o que ele faz é conversar com cada convidado e pedir por um documento oficial que de alguma forma comprove a história contada pelos convidados. E justamente porque as vítimas de violência doméstica buscam privacidade, Arafa não costuma divulgar abertamente onde mora em listas telefônicas e afins.
Alysha Tagert, coordenadora do programa social Torture Abolition and Survivors Support Coalition (algo como “abolição da tortura e coalizão de apoio aos sobreviventes”), diz que é difícil encontrar moradia, principalmente na área de D.C, para as pessoas que a sua organização atende. Ela trabalha principalmente com refugiados vindos de países africanos que estão buscando asilo nos Estados Unidos.
Faltam método e vontade para acolher refugiados nas grandes cidades
Alysha conta que em muitas cultural, abrir a casa para um estranho e o gesto normal, familiar. Desde que soube do EmergencyBnB, ela diz que sua ONG tem utilizado a plataforma para encontrar abrigo para os refugiados que atende. “É muito difícil encontrar um canto para ficar em qualquer lugar da cidade. Abrigos públicos são muitas vezes ambientes perigosos. Nós estamos falando de pessoas traumatizadas, que já vêm há algum tempo pulando de um ambiente disfuncional para outro. Convidá-las para ficar em uma casa seria um modo bastante natural de fazê-las sentir-se bem-vindas. Algo importante para a enculturação, para despertar o sentimento de pertencimento entre elas”, frisa Alysha.
Mais de 63 mil refugiados chegaram aos Estados Unidos desde outubro de 2015, segundo o Pew Research Center. O verdadeiro desafio, para Arafa, será encontrar pessoas dispostas a abrir as suas casas para essas pessoas. “É algo que muda completamente o seu humor, saber que você é capaz de se doar. É uma ajuda valiosa. Eu não estou tentando resolver o problema da crise dos refugiados, mas eu sei que eles estão aqui e que eu preciso fazê-los sentir-se em casa aqui também.”
Airbnb contra o preconceito
A plataforma de aluguel de curta temporada anunciou novas regras como forma de combater a discriminação, principalmente a racial, nas relações entre anfitriões e convidados. A notícia foi publicada no na quinta-feira (8) no jornal The New York Times . As mudanças foram provocadas por denúncias e processos movidos contra o Airbnb nos Estados Unidos e contaram com a ajuda de pessoas como o ex-procurador geral do país Eric H. Holder Jr. A principal medida é que os anfitriões terão que concordar com uma política de não discriminação a partir do dia 1.º de novembro. Foi formada também uma equipe de cientistas, engenheiros e pesquisadores que ficarão de olho em sinais de preconceito e no impacto (ou não) das novas medidas. A íntegra dos planos da empresa estão num relatório encomendado por ela e disponível neste link do blog do Airbnb: http://bit.ly/2c1z1nH
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