Livrar-se do congestionamento infernal da Cidade do México é normalmente uma prerrogativa dos endinheirados, que usam helicópteros ou pagam para usar a plataforma superior de rodovias de dois níveis (sim, isso existe por lá) para evitar o caos abaixo. Em outubro, no entanto, milhares de moradores de um subúrbio industrial começaram a chegar ao trabalho ou à escola em cápsulas coloridas que fazem seu percurso pela primeira rota de teleférico da cidade.
O Mexicable, uma linha de teleférico com sete estações que percorre cerca de cinco quilômetros através de bairros pobres, é parte de uma “frota” de bondinhos que não para de crescer na América Latina, ligando comunidades marginalizadas ao coração metropolitano de suas cidades. No Brasil, as experiências mais conhecidas, com erros e acertos, estão no Rio de Janeiro.
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Em Ecatepec, maior e mais perigoso município da Grande Cidade do México, com 21 milhões de habitantes e caracterizado por morros íngremes, o Mexicable trouxe novos visitantes, trajetos mais curtos, uma explosão de arte de rua e um novo sentido de inclusão na vida da cidade, segundo os moradores.
Nancy Montoya, dona de casa que vive em Esperanza, perto da sexta estação do Mexicable, disse que economiza cerca de duas horas por dia usando o novo sistema – tempo que passa agora fazendo lição de casa com seus filhos ou comprando mantimentos. Seu trajeto também é menos perigoso. Nancy, 36 anos, foi assaltada tantas vezes nos ônibus que perdeu a conta, uma queixa constante dos moradores. “Você ficava lá sentada só esperando a chegada deles”, disse ela sobre os ladrões. Hoje em dia, no bondinho, ela olha para baixo e vê as filas de kombis, ou micro-ônibus. “Fico pensando que as pessoas ainda estão sendo assaltadas, mas isso não acontece mais comigo”, disse ela.
Nos últimos 12 anos foram construídos sistemas de teleféricos em cidades que incluem Cali e Medellín, na Colômbia, Caracas, na Venezuela, La Paz, na Bolívia e Rio de Janeiro. Existem planos para outros em mais cidades latino-americanas, de acordo com o Gondola Project, que faz o acompanhamento de programas de teleférico em todo o mundo.
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O sistema de Medellín, que começou a operar em 2004, ajudou a revitalizar alguns dos bairros mais problemáticos da cidade, parte de uma renovação que inclui jardins, um museu e uma biblioteca. Em La Paz, o sistema, que foi inaugurado em 2014, uniu comunidades divididas por raça e status social.
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Esses casos de sucesso aumentaram as expectativas do poder transformador dos bondinhos, e alguns especialistas se preocupam com a possibilidade de a situação se transformar em jogada política. Afinal, falta tanta coisa nessas comunidades.
Julio D. Dávila, professor de Política Urbana e Desenvolvimento Internacional na University College London, que estudou os projetos de teleféricos na Colômbia, porém, disse que o benefício social de unir comunidades pobres à vida econômica de uma cidade não pode ser quantificado. “Não dá para usar a análise tradicional de custo-benefício. O que importa é que os pobres têm acesso à cidade e se sentem incluídos”, disse ele.
Teleféricos não são mais importantes que serviços básicos
Em Ecatepec, o projeto do Mexicable trouxe progresso urbano, disseram os moradores. O município instalou novos postes e asfaltou algumas ruas. Ao longo da rota, o governo pintou fachadas de rosa, verde e lilás e encomendou cerca de 50 pinturas murais enormes: a boca escancarada de um tubarão em um telhado; um retrato de Frida Kahlo feito por Alec Monopoly, grafiteiro de Nova York; um elefante parecido com Elmer, esculpido pelo artista de Oaxaca Fernando Andriacci; uma menina sorridente, cujo rosto envolve uma das estações de concreto do Mexicable.
Embora o teleférico da Cidade do México esteja virando uma atração à parte na cidade, os moradores não acreditam muito que o trabalho de embelezamento possa trazer o tipo de renascimento que ocorreu em Medellín.
Nelli Huerta, dona de casa que esperava um ônibus em Tablas del Pozo, perto da metade da rota do Mexicable, com sua filha de 10 anos, disse que havia usado o teleférico algumas vezes, mas prefere viajar em terra firme. Olhando para os bondinhos que passam lá em cima, ela disse que, em vez disso, o governo deveria ter gasto o dinheiro em serviços básicos. “Quantas pessoas em San Andres não têm água, eletricidade, ruas asfaltadas? Os murais são bonitos, assim como as casas recém-pintadas, mas isso está só disfarçando o problema”, disse ela.
Alguns moradores contaram que, fora dos horários da manhã e do final da tarde, muitos bondinhos ficam vazios ou levam apenas dois passageiros. Paul M. Abed, diretor do Mexicable, disse que o sistema carrega uma média de 18 mil passageiros por dia, e se espera que chegue a 30 mil.
A sensação de que, diante da falta de tantos serviços básicos, a instalação de um teleférico possa parecer um luxo não é só dos moradores da Cidade do México. No Rio de Janeiro, os moradores das comunidades beneficiadas por projetos assim também relatam esse sentimento.
O primeiro teleférico dito de “transporte de massa” no Brasil foi o do Complexo do Alemão, conjunto de 13 comunidades no Rio de Janeiro, inaugurado em 2011. Desde outubro de 2016, porém, o serviço está paralisado. A versão oficial, do governo estadual, é de que houve desgaste em um dos cabos de tração do sistema, que não tem data para ser consertado. Segundo órgãos da imprensa local, como o RJTV, da Rede Globo, porém, o serviço parou porque o consórcio responsável não recebe pagamento em dia desde de abril do ano passado – só mais uma conta no quadro de falência financeira do Estado do Rio de Janeiro.
O segundo teleférico do Rio nesses moldes veio em julho de 2015, no Morro da Providência, ligando a Praça Américo Brum, no alto do morro da Providência, à Central do Brasil e à Cidade do Samba, na Gamboa. Há também um projeto semelhante para a Rocinha. Mas, na cabeça dos moradores, sempre vem a pergunta: é disso mesmo que precisamos?
“Na Rocinha, a proposta do teleférico gerou discordância por uma parte dos moradores, que se manifestou a favor do emprego do recurso em saneamento básico ao invés da construção de um oneroso teleférico. Na época, essas manifestações que levantaram o mote ‘Saneamento sim, teleférico não’ foram divulgadas na imprensa”, conta a arquiteta Lídia Borgo Duarte dos Santos, que, em uma dissertação apresentada ao programa de Engenharia Urbana e Ambiental da PUC-Rio em 2014, estudou de perto as experiências com teleféricos na capital fluminense.
Embora traga benefícios que vão além da mobilidade – no Rio, em especial, os teleféricos conseguem também atrair turismo e desenvolvimento para as comunidades –, esse tipo de sistema é caro. “O teleférico é uma tecnologia importada de alto custo construtivo e operacional em relação à capacidade de passageiros transportada”, lembra Lídia. O do Complexo do Alemão, por exemplo, custou cerca de R$ 210 milhões e tem uma despesa operacional de cerca de R$ 50 milhões por ano, mas, ultimamente, estava transportando apenas 9 mil passageiros/dia, mesmo tendo uma capacidade para 30 mil.
Sistema integrado também é necessário nos morros
Fernando Páez, diretor do sistema de transporte integrado do Instituto de Recursos Mundiais na Cidade do México, disse que está nos planos da prefeitura conectar o Mexicable a um sistema de ônibus rápido que, por sua vez, se ligaria ao metrô. No momento, os passageiros têm que usar um serviço temporário de ônibus. “Isso vai resolver os problemas de transporte de toda uma população, mas é preciso uma conexão com o metrô”, disse ele.
Por enquanto, apenas estar conectado ao centro de Ecatepec já é uma mudança agradável, disseram alguns moradores. E, pela primeira vez, visitantes de toda a Cidade do México vieram dar uma olhada em seu bairro. Quase 250 mil pessoas – muitas de fora do município – usaram o sistema durante a primeira semana de funcionamento, quando era gratuito e ainda uma novidade.
Blanca Estela Rosas, que usa o Mexicable todos os dias para levar o almoço de casa, em San Andres, até a oficina do marido em Tablas del Pozo, ficou surpresa ao ver pessoas visitando sua comunidade. “Achávamos que essas coisas eram para lugares bonitos com montanhas”, disse ela sobre o sistema de teleférico. “Não há nenhuma paisagem bonita aqui, mas agora estamos no mapa.”
Nas experiências brasileiras não é diferente. Lidia Borgo Duarte dos Santos lembra que muitas das iniciativas de mobilidade implementadas nos morros cariocas não preveem integração com os demais modais, ignoram soluções para usuários que moram mais na base das comunidades e mesmo estudos mais aprofundados quanto à real demanda por uma nova opção de mobilidade. “A participação popular de fato é um direito previsto na nossa legislação [diz ela, se referindo às audiências e outras participações dos moradores durante a instalação dos teleféricos no Rio], mas além disso, sempre são necessários os estudos técnicos aprofundados. O uso do teleférico do Alemão, por exemplo, está abaixo da sua capacidade de passageiros. A localização das estações no topo dos morros também é criticada pelos moradores que moram na parte de baixo da favela e precisam caminhar até elas. (...) Quem mora embaixo prefere usar o serviço de transporte alternativo (moto-táxis ou Kombi) a ter que subir para ingressar no teleférico. O teleférico como meio de transporte só poderia ser uma solução criativa se associado a um planejamento urbano de qualidade. Como urbanista, acredito que uma solução de integração entre os transportes dentro da favela poderia ser pensada para melhorar essa situação.”
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