No último mês de setembro, dez gerentes de operações da Uber na América Latina se reuniram em volta de uma mesa na Cidade do México para discutir o futuro. “Ao contrário de todos nessa função, ele nunca foi um gerente geral”, disse um deles. A conversa era sobre Jeff Jones, ex-chefe da área de marketing da Target que acaba de ser nomeado para o cargo de presidente da Uber, ou seja, ficará responsável pelo serviço de carona compartilhada em todo o mundo. Como um dos gerentes apontou, Jones vem de uma empresa que conduz basicamente todos os seus serviços dentro dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o futuro da Uber depende do crescimento internacional do aplicativo, especialmente na América Latina – região onde a empresa mais cresceu em 2016. A preocupação implícita dos gerentes é a de que Jones não tenha a visão global necessária para a função.
Andrew Macdonald, que supervisiona as operações do app na América Latina e na Ásia, tranquilizou seus subordinados dizendo que ele “já convidou Jones para acompanhar a sua agenda de viagens internacional” e que “é tarefa de todos assegurar que o novo chefe não chegue [à empresa] com uma visão muito americanizada do mundo.”
A Uber opera em mais de 65 cidade latino-americanas hoje, e Macdonald planeja dobrar esse número até o fim de 2017. Ele assumiu a função atual há cerca de um ano e o número de corridas cresceu dez vezes na região nesse tempo, atingindo 45 milhões de viagens em agosto. “Nós tivemos de fazer esse número crescer e uma vez que nós aproveitamos o momento, as pessoas estavam [pensando] tipo ‘puxa vida, o Brasil pode ser um negócio top cinco para nós’”. Hoje, o país é o terceiro maior negócio para o Uber depois dos Estados Unidos e da Índia. A Cidade do México é onde a Uber se mantém mais ocupada; São Paulo é a segunda cidade nesse aspecto.
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A região toda é especialmente importante para a Uber em razão de uma decisão estratégica da empresa: no último dia 1.º de agosto, a companhia decidiu deixar a China, depois de perder mais de US$ 2 bilhões em dois anos durante uma guerra com a rival Didi Chuxing. Ambas as empresas estavam subsidiando pesadamente suas operações, queimando dinheiro. Mas a Uber não foi embora de mãos vazias. A empresa ficou com 17,5% do negócio da Didi em troca da saída do mercado chinês. O acordo foi visto, de forma geral, como uma vitória para a Uber, que foi durante muito tempo subestimado na China. Ainda assim, a trégua serviu para confirmar que a estratégia da Uber continua sendo global. Cenário que faz da América Latina, da Índia e do Sudeste Asiático, justamente a área de abrangência do trabalho de Macdonald, as mais essenciais para o futuro da Uber.
A América Latina é especialmente importante porque, ao menos na visão da Uber, não há nenhum concorrente igualmente forte – leia-se com recursos quase infinitos como a Uber – para competir com a empresa. Na Índia, a luta é contra a Ola, bancada pelo Softbank. Na Europa, os problemas vão das barreiras regulatórias ao fato de que, simplesmente, a região tem um transporte público que funciona o que torna o app desinteressante para a população. Mesmo nos Estados Unidos, a companhia torrou, apenas no segundo trimestre deste ano, US$ 100 milhões na concorrência com a Lyft.
Mas para a Uber vencer na América Latina vai ter de aprender a navegar com essas diversidade de regulações e culturas da região. Buenos Aires, a cidade mais populosa da Argentina, já notificou a Uber várias vezes para que o aplicativo pare suas operações já que não tem a permissão de um serviço de táxi. A companhia, por sua vez – e assim como faz em tantos outros países – insiste que não é um táxi e, portanto, tem o direito de operar na cidade. Em Bogotá, na Colômbia, o sindicato dos táxis vem fazendo campanhas contra o app. Ainda durante a visita de Macdonald em setembro à região, ele expressou um certo otimismo de que a situação vai mudar e de haverá um acordo na cidade. A situação não é muito diferente em Lima, no Peru, onde a indústria do táxi está em ascensão. Ainda em setembro, a companhia lançou o UberPool – modalidade na qual o usuário divide a carona com outros – por lá numa tentativa de conquistar mercado e competir com os táxis.
Aparentemente, a falta de fortes concorrentes faz com que a Uber olhe para a América Latina com mais carinho do que para outros mercados. Rodrigo Arevalo, considerado o número dois de Macdonald, construiu a Uber América Latina do nada. Hoje, a Cidade do México tem mais de 50 mil motoristas –ânúmero que corresponderia à quantidade de motoristas hoje nas 27 cidades brasileiras, segundo informações da agência Estadão Conteúdo. Natural do México, Arevalo costumava trabalhar como um empreendedor em home office na Rocket Internet, empresa conhecida por copiar as melhores ideias do Vale do Silício e de Beijing. Curiosamente, o antigo empregador de Arevalo tornou-se um dos dois maiores competidores da Uber na região, por meio de um investimento que originou a Easy, um app de táxi lançado em 2011. A empresa, recentemente batizada de Easy Táxi, funciona em 420 cidades.
A Easy arrecadou cerca de US$ 80 milhões nos últimos tempos, de acordo com Paul Malicki, ex-diretor de marketing e atual consultor da empresa. “Nós nos tornamos o primeiro aplicativo de táxi do mundo a avançar [nem dar prejuízo, nem lucro]. Enquanto todos estão arrecadando toneladas de dinheiro [para a concorrência], nós acreditamos que isso acabará em uma batalha de baratas, não necessariamente de unicórnios.”
Na região, o maior concorrente da Uber é o Cabify, serviço focado principalmente em táxis executivos, comparável ao Uber Black, que levantou cerca de US$ 120 milhões da empresa japonesa de e-commerce Rakuten, em abril deste ano. Perto da Uber e dos demais rivais globais da empresa, porém, esse dinheiro é troco. A Uber arrecadou mais de US$ 15 bilhões em dinheiro e ações no mundo; a Didi, US$ 7 bilhões, em junho. “Eu acredito que a diferença entre nós [Cabify] e a Uber é que nós precisamos ganhar dinheiro [a partir do serviço]”, disse Courtney McColgan, a atual diretora de marketing da companhia. À medida que os concorrentes da Uber na América Latina precisam ganhar dinheiro e terreno corrida por corrida, a região fica mais acessível aos olhos da companhia do Vale do Silício que a Índia ou a China.
O perfil do chefe na região
Macdonad, conhecido como apenas “Mac” dentro da empresa, é um ruivo de 1,80 metro e de 32 anos de idade. Nascido e criado em Toronto, seu sotaque canadense ocasionalmente dá o ar da graça, mas seu vocabulário é mais definido pelos jargões do mundo corporativo, aprendido principalmente durante sua passagem pela empresa de consultoria Bain&Co. Após apenas alguns anos de sucesso como consultor, ele chegou a coordenar um site de moda chamado ShopMyClothes antes de entrar para o Uber, em 2012.
Na Cidade do México, os demais gerentes reunidos parecem ter se acalmado com a presença dele. Mesmo que antes da visita em setembro Macdonald passado muito tempo fora do escritório, mais dedicado à China e à transição do acordo com a Didi. O escritório no centro da capital mexicana tem muitas regalias típicas de uma startup de tecnologia: mesas de pingue-pongue, um console do Nintendo 64, uma cozinha com uma geladeira lotada de cerveja, além de biscoitos e outras guloseimas. Aos poucos, o local está ficando cheio. Somente em setembro cerca de duas dúzias de novos empregados foram chamados para o lançamento do UberEats, o serviço de entrega de comida em casa da companhia. A Uber está se preparando para tomar conta de mais um andar do prédio.
Macdonald que a Uber está para dar alguns passos fundamentais na região, em alguns casos em razão de avanços quanto à regulação do serviço, em outros porque a companhia não teve que investir tanto como em outros lugares para formar uma rede de motoristas parceiros e de usuários. Ele adianta que a Uber está redirecionando seu foco para a região. Embora não diga quanto já investiu na América Latina, a Uber tem mais de 150 empregados no escritório da Cidade do México e contratou mais de 350 novos funcionários em toda a região.
Desafios
Segundo Macdonald, o crescimento na região depende da expansão da modalidade de carpooling, para que mais pessoas possam usar o app, e também de alternativas de pagamento como aceitar dinheiro, em razão da falta de bancarização e da informalidade típica dos países da América Latina.
É preciso também enfrentar o desafio da violência. Macdonald conta que a empresa analisou, por exemplo, se carregar dinheiro fazia dos motoristas parceiros alvos em potencial, mas concluiu que não necessariamente. “Se eles estão preocupados deve ser um pouco emocional”. Arevalo, o braço direito de Macdonald, ressaltou na ocasião se os assaltos são resultado da política de pagamento em dinheiro ou do crescimento em si do serviço, fazendo com que se tenha mais motoristas nas ruas e, consequentemente, mais casos.
Há menso de uma semana, ou seja depois dessa declaração de Macdonald ao The Washington Post, um motorista parceiro do app foi baleado em uma assalto em Curitiba, dias após um caso semelhante em São Paulo. Ainda na última segunda-feira (17), houve uma manifestação de outros parceiros pedindo por mais segurança nas ruas da capital paranaense.
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