O prefeito Rafael Greca mandou o texto da nova Lei de Zoneamento de Curitiba de volta para o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc). A justificativa do município é de que é preciso avaliar o texto original, ver se ele está adequado à nova ordem de integrar o planejamento da cidade ao dos bairros. O instituto diz que ainda é cedo para saber quais pontos vão ser revistos. O mais provável é que surjam mudanças pontuais. Mas pela importância do zoneamento – que define boa parte do que pode ou não ser feito, em Curitiba – qualquer alteração pode ter grande impacto para o mercado e populações atingidas.
A nova lei pode definir novos eixos de transporte, permitir prédios em áreas que hoje são planas, redefinir os tipos de comércio e serviços de cada região, e por aí vai. É uma série de regras pontuais, técnicas, mas que fazem muita diferença. Erguer um andar (de mil metros quadrados) no Batel, por exemplo, significa cerca R$ 10 milhões em metros quadrados, em valor de mercado.
Sem entrar em maiores detalhes sobre quais pontos devem ser revistos, o Ippuc diz que o texto deve ser adequado à nova diretriz do órgão: de aliar o micro ao macrozoneamento.
A versão apresentada pelo ex-prefeito Gustavo Fruet, em outubro do ano passado, chegou à Câmara Municipal, mas foi arquivada com o fim da legislatura. O conteúdo também foi construído dentro do Ippuc, que mantém a mesma equipe de antes (formada, em grande parte, de profissionais concursados). O que mudou foi a transição política.
Política e zoneamento andam juntos
O que não significa uma ingerência, garante o novo presidente do Ippuc, Reginaldo Luiz Reinert. “O processo pode ser aprimorado sem o tempo político de fim de uma administração”, disse à Gazeta do Povo, sobre a necessidade de reavaliar o texto.
A revisão é normal e até esperada, avalia Osvaldo Navarro Alves, que trabalhou por mais de três décadas no Ippuc e chegou a presidir o órgão. “Planejamento, zoneamento e plano de governo andam juntos. É normal que o prefeito chame para discutir”.
Navarro faz coro aos que apostam em mudanças pontuais, mas de forte impacto. “Imagina se ele resolve fazer um novo eixo de transporte?”, como revitalizar a linha férrea que cruza a Zona Norte de Curitiba e segue para Rio Branco do Sul. “Mudaria muito para as pessoas daquela região”.
Gislene Pereira, do Laboratório de Arquitetura e Urbanismo da UFPR, não vê sentido em reavivar a discussão com a mesma equipe que já elaborou o primeiro texto. “As questões principais já estão no plano diretor”, e voltar o debate “parece uma posição política para deixar algum tipo de marca” de gestão, diz.
Diretor da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Paraná (Ademi-PR), que reúne empresas do mercado imobiliário, Eurico Borges dos Reis vê a rediscussão com bons olhos. Não do texto todo, mas de pontos específicos, dentro da lógica de “acupuntura urbana”.
Como exemplo, Reis cita o Vale do Pinhão, projeto de Greca para criar um polo de inovação na região do Rebouças. “É um aspecto muito interessante e que não foi contemplado” no texto apresentado por Fruet. O zoneamento pode ser uma oportunidade para criar incentivos que revitalizem a região.
Professor da pós-graduação em Planejamento Urbano da UFPR, José Ricardo Vargas de Faria é mais pessimista quanto à reavaliação. Ele teme que texto flexibilize ainda mais os critérios de construção, por exemplo, o que pode implicar em menos receita para o município investir em transporte e moradia popular.
Coeficiente único: até agora fora do debate
Um tema polêmico, ausente do texto inicial, é a adoção de um coeficiente único de construção. Significa que cada proprietário pode construir, no máximo, o equivalente ao tamanho do terreno. Mais do que isso, só com a compra de potencial construtivo. “Se não for para discutir coeficiente único, não tem por que voltar a discutir [o zoneamento]”, avalia Gislene Pereira.
“Condicionar o direito de construção de cada cidadão ao direito igualitário, igual a um. Seria a forma mais justa”, avalia o arquiteto e urbanista Luis Henrique Fragomeni, professor aposentado da UFPR e ex-presidente do Ippuc. É uma forma de equalizar direitos e aumentar a arrecadação do município. Só na Zona Residencial 4 (ZR-4), onde o coeficiente é dois, a mudança poderia significar aumento em cerca de 276,40%, segundo Vargas de Faria, com base em modelo matemático elaborado no curso de Engenharia Civil da UFPR, pelo estudante Gabriel Falavina Dias.
Mas algumas regras de transição são importantes para não prejudicar os empreendedores, reconhece Fragomeni. Uma delas é dar um prazo (três anos, por exemplo) para construir sob a regra de zoneamento antiga. Outra é uma redução gradual, começar com um coeficiente maior e, com o tempo, reduzir para um.
O problema é que é uma proposta interessante, “em termos filosóficos”, mas pouco aplicável do ponto de vista prático, avalia Eurico Borges dos Reis, da Ademi-PR. A regra implica em aumento de preço dos imóveis. O que pode afetar a capacidade da população, em especial das classes médias e baixas, de adquirir imóveis. Para Reis, o coeficiente mínimo deve ser pensado como uma política de longo prazo – “inclusive várias metrópoles do mundo, como Paris, já utilizam”.
Algumas das mudanças propostas por Fruet são polêmicas
O texto apresentado em outubro do ano passado (2016), pelo ex-prefeito Gustavo Fruet, traz algumas inovações. Entre eles um capítulo novo sobre estacionamentos, com uma série de restrições, como a proibição total de construir tais estabelecimentos nas canaletas de ônibus. Nem edifícios poderiam ter vagas para carros, nem estacionamentos públicos podem ser construídos. Para o empresário Eurico Borges dos Reis, a ideia é boa – motivar as classes médias a migrarem do carro individual para o transporte público –, mas passa longe da realidade curitibana. “Não temos metrô,VLT, VLP, nada que permita a classe média se movimentar com certo conforto”.
O plano também criou 11 Zonas Residenciais 4 (ZR-4) de transição, em bairros próximos ao Centro, como Batel, Bigorrilho e Jardim Botânico. São similares às ZR-4, mas com maior flexibilização de uso e porte de imóveis. À época, o Ippuc diz que era uma tentativa de reconhecer a “cidade real”, já que estes bairros já passaram por mudanças.
O texto ainda trouxe a proposta de novas verticalizações em áreas já ocupadas, mas com predominância de construções no térreo. Caso da Avenida Marechal Floriano, que passaria dos atuais seis andares para 12. O mesmo poderia ocorrer no bairro Mercês, na Avenida Presidente Camargo e na chamada Nova Curitiba (continuação da canaleta exclusiva sentido Oeste, a partir da avenida General Mario Tourinho até a Eduardo Sprada).