| Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo

Ideias radicais evitaram que Curitiba fosse moldada à imagem e semelhança de Brasília, hoje considerada um grande elefante branco em termos de arquitetura, urbanismo e mobilidade, enquanto Curitiba tem um “padrão ouro de planejamento urbano sustentável”.

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É assim que o jornal britânico The Guardian explica como foi concebido o projeto de cidade que levou a capital paranaense a ser internacionalmente conhecida como “capital verde, a cidade mais verde do planeta e a cidade mais inovadora do mundo.”

A reportagem, parte de uma série especial sobre a história das cidades, conta que, entre as décadas de 60 e 70 planejadores urbanos bem que tentaram replicar aqui o mesmo modelo de Brasília. Um movimento liderado pelo então recém-formado Jaime Lerner, no entanto, propôs uma visão radicalmente diferente para a cidade. No lugar da setorização que define Brasília, Curitiba deveria ser concebida de forma integrada para atender às demandas de trabalho, mobilidade e lazer.

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“A maioria das cidades da América do Sul separa as funções urbanas. Curitiba foi a primeira cidade que, nas suas decisões, trouxe tudo junto”, disse Lerner para a publicação.

Abaixo, um resumo do que o especial sobre a “Curitiba de Lerner” aponta como as ideias fundadoras da cidade que conhecemos hoje:

Calçadão da XV

A transformação da Rua XV de Novembro em calçadão é a primeira ‘ideia radical’ citada pelo Guardian. No início, lembra a reportagem, comerciantes e moradores não receberam bem a proposta, acostumados que estavam em estacionar seus carros (na época poucos, diga-se) em frente às lojas, comprar o que queriam e ir embora rapidinho. Logo, o movimento de resistência decidiu pedir uma liminar para impedir que o projeto fosse implementado.

Como resposta, Lerner, então em seu primeiro mandato como prefeito, resolveu executar parte da obra como uma pequena demonstração do que viria. Ele esperou que o tribunal fechasse para que os comerciantes não pudessem apresentar a liminar e, entre sexta-feira à noite e a segunda-feira seguinte, pôs em pé um pedaço de calçadão. A atitude extrema surtiu efeito: o projeto foi aprovado.

Segundo a reportagem, o Calçadão da XV ilustra bem a filosofia de planejamento de Lerner – “agir agora, ajustar depois”.

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A mesma lógica – de uma cidade para pedestres e não para carros; uma cidade que possa ser ocupada e não esvaziada aos fins de semana – foi aplicada para a criação de parques e praça.

Nada de metrô

De acordo com o texto da publicação britânica, na década de 1970, Curitiba se transformou em um “laboratório para inovação do planejamento urbano”. Enquanto a maioria das grandes cidades desenvolviam projetos para a instalação do metrô, Curitiba ganhou projetos para melhorar os meios de transporte de superfície – e foi nessa época que surgiram as pistas de uso exclusivo para ônibus.

A reportagem destaca ainda três inovações associadas ao BRT (Bus Rapid Transit): um sistema de plataformas elevadas (“tubos” para os curitibanos); ônibus biarticulados, com maior capacidade de transporte de passageiros; e um sistema de pré-pagamento para que motoristas não tivessem que emitir bilhetes e mexer com dinheiro enquanto o veículo estivesse em movimento.

Lixo que não é lixo

Quem não é de Curitiba sente um estranhamento ao ouvir que o lixo reciclável deve ser descartado no “lixo que não é lixo” – eis uma das expressões mais curitibanas que existem. Para o Guardian, um dos projetos mais inovadores de Curitiba é o de “compra do lixo”.

Criado em 1989, o programa consistia na troca de lixo orgânico por vale-transporte. Desde então, o programa passou por alterações, mas a essência continua a mesma: hoje é possível trocar o lixo reciclável por hortigranjeiros (cada quatro quilos de lixo vale um de frutas e verduras).

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É mesmo tão bom assim?

Elogioso quase do início ao fim, o “perfil da Curitiba de Lerner” publicado pelo Guardian faz uma ponderação. Embora considere que a cidade tenha realmente conseguido evitar muitas armadilhas de planejamento urbano, reconhece que Curitiba enfrenta alguns problemas, especialmente no que diz respeito ao aumento do número de carros e motos, à redução de bicicletas e aos índices de violência elevados.

Ainda assim, a conclusão da análise é de que Curitiba cresceu planejada, ao passo que outras capitais brasileiras cresceram mais desordenadamente. E, novos desafios à parte, diz o texto, “as primeiras realizações permanecem” e parte delas – como o calçadão da XV, os edifícios antigos e os parques – dificilmente será eliminada.