Pesquisadores do Senseable City Lab, um laboratório de pesquisas especializado em cidades do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em Cambridge, nos Estados Unidos, desenvolveram um site que usa dados do Google Street View para medir a cobertura verde de cidades. Batizado de Treepedia, o site usa um algoritmo especialmente desenvolvido para este fim e que mede quanto espaço as árvores ocupam em relação a todos os outros elementos presentes nas imagens coletadas. Ao optar por usar as imagens do Google Street View e não as tradicionais de satélite para isso, o projeto leva em conta a visão que os próprios moradores têm das ruas onde moram, trabalham e circulam diariamente.
É uma maneira mais abrangente de medir o quão verde é uma cidade, já que não leva em conta apenas grandes espaços verdes contínuos ou mesmo o número de árvores de um centro urbano. Até agora 11 cidades foram mapeadas no Treepedia: Boston, Los Angeles, Nova York, Seattle e Sacramento nos EUA, além de Genebra, Paris, Tel Aviv, Toronto, Turim e Vancouver. Mas o número deve crescer muito nos próximos meses, incluindo algumas cidades brasileiras.
Tecnicamente, os pesquisadores criaram o Green View Index (GVI), algo como Índice de Paisagem Verde, numa escala de 0 a 100, que mostra a porcentagem de cobertura vegetal de uma determinada área vista ao nível dos olhos ou de uma cidade toda (nesse caso, uma média de todas as imagens coletadas). Assim, enquanto Paris, aparece com o pior GVI (8,8%) – com a ponderação de ter a maior densidade populacional (21 mil habitantes por quilômetro quadrado) entre as cidades pesquisadas no projeto –, Vancouver está no topo, com 25,9%.
O objetivo do Treepedia, que foi desenvolvido pelo Senseable City Lab em parceria com o conselho que cuida do futuro das cidades no Fórum Econômico Mundial, é fazer com que tanto gestores quanto habitantes tenham em mãos uma ferramenta prática para pensar como melhorar a cobertura verde de suas cidades.
A ferramenta também permite comparar regiões de uma mesma cidade e perceber as discrepâncias em termos de cobertura verde entre elas. No caso de Paris, por exemplo, fica claro que os bairros da região sul e as áreas ao longo das divisas da cidade com os municípios vizinhos são as que mais concentram árvores.
”Quase uma rede social de pessoas e árvores”
Para o professor do programa de mestrado e doutorado em Gestão Urbana da PUCPR, Carlos Mello Garcias, o estudo traz uma perspectiva interessante sobre a cobertura vegetal, já que busca medir, com critérios, algo próximo da percepção que os habitantes de uma cidade têm das áreas verdes. “Mas acredito que o site será realmente útil quando for aberto para quem quiser comparar ruas, bairros e cidades inteiras”.
E é justamente este o plano da equipe do Senseable City Lab. “[O Treepedia] Já é público no sentido que todos podem acessar os dados. No futuro, nosso objetivo é começar um relacionamento com as cidades para que elas vejam como comparar informações e o que podem aprender a partir disso. (...) A próxima fase do projeto envolverá residentes e municipalidades, para que eles identifiquem e ‘sigam’ as árvores de suas comunidades. Residentes também terão a oportunidade de pedir por novas árvores em certas áreas, e essa informação será enviada diretamente às autoridades competentes. A longo prazo, [a Treepedia] poderá se transformar quase numa rede social conectando pessoas e árvores”, explicou o diretor do laboratório do MIT, Carlo Ratti, em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo.
Ratti também exemplifica como a ferramenta e a comparação entre cidades podem dar importantes insights para as autoridades e também para as comunidades. “Nós podemos perceber, por exemplo, a partir das cidades do Norte da América já mapeadas que aquelas localizadas na Costa Oeste têm uma melhor cobertura verde do que aquelas na Costa Leste. Por isso acontece? Aqui vão algumas descobertas: cidades mais novas tendem a se sair melhor neste assunto do que as mais velhas (Paris e Londres estão na posições mais baixas do projeto, enquanto Vancouver e Sacramento estão no topo). Apesar de a [a ideia da] cidade modernista ser hostil sob tantos pontos de vista – como Jane Jacobs mostrou tantas vezes –, ela também deixou [de herança] ruas e boulevards mais largos e arborizados mundo afora. Mas, veja, nossa amostragem ainda é muito pequena (...) No próximo mês nossa base de dados aumentará significativamente, então volte a acessar o projeto para verificar se essas tendências mudam”. Sem adiantar quais, Ratti também disse que cidades brasileiras farão parte da base de dados em breve.
Ratti explicou ainda que, à medida que o laboratório conseguir refinar seus algoritmos de inteligência artificial, a equipe espera conseguir fornecer informações até mesmo de cada árvores identificada. “Isso levaria a um próximo passo do projeto, quando os usuários [do Treepedia] terão a possibilidade de acrescentar informações sobre uma árvore em um mapa aberto e colaborativo, além de se conectarem ás autoridades municipais para pedir que novas árvores sejam plantadas.”
Vancouver
A cidade mais bem avaliada até o momento do Treepedia não está nesta posição e nem foi escolhida como uma das primeiras do projeto à toa. Em 2011, Vancouver divulgou o objetivo de ser a cidade mais verde do mundo até 2020. As metas, com direito a plano de ação atualizado anualmente, não envolvem apenas a questão da cobertura vegetal, mas outras atitudes sustentáveis, como o incentivo a negócios e iniciativas populares sustentáveis.
Entre os resultados obtidos até 2016, segundo o último relatório, estão a redução de 27% em relação a 2007 no número de quilômetros rodados por pessoa e a marca de 50% dos deslocamentos sendo feitos hoje por transporte público, bicicleta ou a pé, além de uma diminuição de 23% em relação a dados de 2008 na quantidade de resíduos da cidade mandada para aterros sanitários e usinas de incineração.
Uma imagem 360° de uma parte residencial de Vancouver, disponível no Google Street View, dá uma ideia de como é viver numa cidade com objetivos como esses:
A importância das áreas verdes
A noção de que árvores são sinônimo de qualidade de vida nas cidades não é nova. Entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS) vêm batendo nesta tecla há pelos menos quatro décadas. De modo geral, a quantidade mínima preconizada pela OMS é de 12 m² de área verde por habitante, e a ideal é de 36 m², cerca de três árvores, por morador. No mundo, a referência é Estocolmo, com 86 metros quadrados de área verde por habitante. Em Curitiba, segundo dados da prefeitura, são 58 metros quadrados de área verde por habitante. Ao todo, estima a administração municipal, a cidade tem cerca de 300 árvores nas ruas.
Em teoria, quanto mais verde a cidade, melhor a qualidade do ar que se respira e mais agradáveis são a paisagem e o clima – as sombras criadas pelas copas, a umidade gerada pela vegetação em geral e a quantidade maior de área permeável são características que ajudam nesses aspectos. As árvores são tão poderosas que ajudam até mesmo a retirar da atmosfera o material particulado, a parte mais pesada da poluição e mais prejudicial à saúde humana.
Em um estudo divulgado recentemente pela organização The Nature Conservancy (TNC), pesquisadores estimaram que um investimento global de US$ 3,2 bilhões em cobertura vegetal nas 245 maiores cidades do mundo pode reduzir entre 2,7% e 8,7% o número de mortes relacionadas à poluição no planeta. Segundo reportagem do Washington Post, publicada aqui em Futuro das Cidades, isso significa 36 mil vidas salvas todos os anos.
Relevância
Entenda melhor porque as áreas verdes são tão importantes nos centros urbanos:
Ar
As árvores são importantes filtros no ar das cidades. Além disso, elas fazem retenção de pó e de micro-organismos. Também reduzem a velocidade dos ventos e diminuem o nível de ruídos (poluição sonora).
Clima
As concentrações arbóreas contribuem para equilibrar as temperaturas: elas absorvem parte dos raios solares, evitando que esquente demais, e também não liberam toda a umidade do solo, para que haja frescor.
Solo
A falta de vegetação está ligada a consequências mais drásticas em enchentes e deslizamentos de terra, além de erosão. As árvores regulam os ciclos hídricos, como garantia de que não faltará água.
Visual
Está provado que o ser humano se sente melhor em áreas naturais. As concentrações vegetais conferem beleza cênica ao local, provocando conforto visual.
Diversidade
Só continua nascendo flor no jardim e frutos na horta porque há polinização, a maior parte feita por abelhas. Há um ciclo natural que não pode ser rompido para que a vida renasça. Além disso, as áreas arbóreas servem de abrigo para a fauna.
Colaborou Katia Brembatti.