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Futuro das Cidades

Lei nacional anti-Uber ignora tendência de incorporar serviço à economia formal

 | Fernanda Carvalho/Fotos Públicas
(Foto: Fernanda Carvalho/Fotos Públicas)

Cinco mil taxistas, do Brasil inteiro, foram a Brasília nesta terça-feira (8) para pressionar os parlamentares pela proibição nacional de aplicativos como Uber e WillGo. A proposta da Abracomtaxi, que representa cooperativas e associações de táxis no Brasil, era instalar regime de urgência para o trâmite do projeto de lei 5587/16, o que dispensaria uma série de formalidades regimentais. Líderes dos partidos, no entanto, retiraram a votação da urgência da pauta. Além disso, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ) instalou um grupo de trabalho que terá 30 dias para chegar a um consenso e apresentar seu resultado a uma comissão especial sobre o tema.

A discussão passa longe do consenso. De um lado, o projeto resolve a polêmica jurídica sobre a legalidade dos aplicativos, ou seja, torna-os proibidos. Por outro, experiências dentro e fora do Brasil indicam que a tendência é buscar uma terceira via entre a proibir e liberar geral. Um modelo que leve em conta os riscos gerados por aplicativos de transporte, mas também os incorpore como solução de mobilidade.

Marcelo Araújo, professor de Direito de Trânsito, entende que o Uber já é proibido no Brasil. Atualmente, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) restringe o transporte remunerado de passageiros a veículos da categoria aluguel (com placa vermelha e registro no poder público). Ele também não reconhece a categoria de “transporte individual privado”, prevista na Política Nacional de Mobilidade Urbana, como uma brecha para o Uber. O termo já rendeu algumas liminares na Justiça à favor do aplicativo, mas, para o jurista, ele foi criado para contemplar a “carona solidária” e não um serviço privado.

Araújo compara o Uber às vans clandestinas, comuns no Rio de Janeiro e em outas cidades brasileiras. Elas podem ser mais rápidas, confortáveis, e até mais baratas (já que não pagam imposto); mas ninguém assegura o direito do usuário caso o veículo se envolva em um acidente ou um assalto, por exemplo. “O problema é que está fora da regra”.

Mas a proibição ignora que os aplicativos já são uma realidade em muitas cidades. E que vai ser difícil voltar ao modelo anterior, agora que o consumidor viu a chance de uma alternativa, opina o economista Luiz Alberto Esteves, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Você teria que convencer as pessoas de que aquele modelo de regulação do táxi, em que alguém detém uma licença, ainda faz sentido. Antigamente fazia, porque tinha que limitar, assegurar a qualidade, controlar quem está andando. Mas hoje não faz sentido, sendo que já veio um concorrente e mostrou que isso não é necessário”.

Além disso, polarizar o debate entre “táxi versus Uber” prejudica a discussão mais importante, que é de mobilidade e de ocupação do espaço urbano, opina Esteves. Um exemplo é São Paulo. “Tem áreas ali de comércio e diversão noturna que não teriam seguido uma outra trajetória de ocupação da cidade, se não existisse uma solução de mobilidade do tipo que o Uber propõe”.

Não significa que seja assim em todo lugar. Em muitas cidades os aplicativos podem ser meros concorrentes dos sistemas de táxi. Em outras, eles sequer devem operar e aí uma frota de táxis (possivelmente com ponto fixo e central telefônica) pode ser mais eficiente. Fato é que cada caso é um caso. E por isso Esteves não vê uma regulação em âmbito nacional com bons olhos – muito menos uma proibição geral.

Tendência pelo meio termo

Quando o assunto são serviços de transporte via aplicativo, “o debate sobre proibição e permissão aparenta ser de pouca relevância”. A conclusão está no estudo “Inovações regulatórias no transporte individual: o que há de novo nas megacidades após o Uber?”, publicado no início deste ano pelo Internetlab, que pesquisa direito e tecnologia.

Das 34 megacidades analisadas, apenas 13 não tiveram uma “inovação regulatória significante” para o setor de transporte individual e compartilhado. Outras 21 (62%), entre elas São Paulo, tiveram propostas normativas. O que “sugere uma tendência relevante nas megacidades em tratar desse problema como uma questão de estratégia de política urbana”.

Uma ressalva é o caso da Alemanha. Após conflitos, o Uber encerrou suas atividades em cidades daquele país, entre elas Frankfurt. Mas o caso não foi esmiuçado pelo Internetlab por nenhuma cidade se encaixar nos critérios populacionais pré-definidos no estudo.

Tanto a pesquisa contratada pela prefeitura de Nova York (já comentada aqui em Futuro das Cidades) como a realizada pela Diretoria Geral de Políticas Internas do Parlamento Europeu apontam em uma direção de equilíbrio entre vantagens e desvantagens dos Apps. De um lado, Uber, Lyft e afins possibilitaram uma redução no “custo de busca” de passageiros, tornam as informações sobre qualidade e preço dos serviços mais claras, e, com a avaliação do serviço, permitem que melhore. De outro, a regulação deve evitar a dependência do monopólio destas empresas, a discriminação e a precarização das condições de trabalho, além de evitar que elas monitorem os dados pessoais dos passageiros e violem sua privacidade.

Experiência ao redor do mundo

Entre as novas regras, algumas buscam assegurar a qualidade dos veículos. Na Cidade do México, os carros devem custar acima de 20 mil pesos (R$ 3,4 mil). Nas Filipinas, ter até três anos de fabricação e em Bogotá no máximo sete.

Também há exigências para os motoristas. Em muitos lugares, além de atestado de antecedentes criminais e boa conduta no volante, o condutor deve fazer algum curso específico. Em Londres, o treinamento inclui conhecimento da topografia da cidade e da língua inglesa. Também há regras para garantir a acessibilidade e evitar a discriminação (estudo recente, inclusive, detectou critérios racistas na escolha de motoristas do Uber e Lyft). Na Índia, o governo exigiu em lei que os aplicativos incluam um “botão do pânico”, depois que uma passageira foi estuprada por um motorista da Uber.

As cidades também buscam soluções para a questão trabalhista. O controle de horas, em geral, é feito por GPS. Em Chicago, nos EUA, nenhum motorista pode dirigir por mais de 10 horas em um período de 24 horas (mesmo trabalhando em empresas diferentes). Em Londres, é preciso esperar cinco minutos entre uma corrida e outra. Há ainda iniciativas de subsídio cruzado – na Cidade do México, 1,5% do valor de cada corrida vai para um fundo de mobilidade – e incentivo para os apps operarem em bairros pobres, tradicionalmente excluídos dos serviços de transporte individual.

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