Aplicativos ao estilo do Uber vão ter que incluir pelo menos 20% de mulheres em seu quadro de motoristas. A regra foi aprovada em emenda à lei que regulamentou o serviço, em Porto Alegre, aprovada nesta segunda-feira (24) pela Câmara Municipal. O objetivo é criar um ambiente mais seguro para as mulheres que utilizam o meio de transporte. O projeto ainda irá receber redação definitiva, antes de seguir para sanção do prefeito José Fortunati (PDT).
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Autora da emenda, a vereadora Fernanda Melchiona (Psol) conta que a ideia surgiu a partir de denúncias que ela recebeu, como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal, de mulheres que passaram por assédio no transporte público. Um caso emblemático foi o de um taxista que tentou arrombar a porta da casa de uma passageira, conta a parlamentar.
Após denúncia à Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), que gerencia o serviço na cidade, o motorista recebeu apenas uma multa, segundo Melchiona. “Claro que a pessoa tem amplo direito de defesa, mas tem que ser imediatamente desligado”, defende. Procurada, a EPTC informou que, caso haja condenação, o motorista pode ser descredenciado e o dono da placa pode perder a permissão de operar.
O caso resultou em uma lei que reserva 20% das vagas de taxistas para mulheres, de autoria da mesma parlamentar, aprovada em março. O texto sofreu veto parcial e só inclui novas licitações, sem valer para a atual frota.
No Uber, há denúncias de casos semelhantes, relata Melchiona. A emenda que reserva os 20% para mulheres não prevê nenhum tipo de punição. A parlamentar explica que o texto é vago, mesmo, por se tratar de uma inovação. Além disso, a ideia é estabelecer uma diretriz de trabalho para as empresas, e não criar uma regra puramente restritiva.
Em nota, a Uber diz se orgulhar de ser uma “plataforma inclusiva”, que gera oportunidades de renda para pessoas “independente de gênero, classe social, econômica ou idade”. Mas a empresa alega que “não há um limite em relação ao número de mulheres que se registram na plataforma”. A empresa ainda destaca que assumiu um compromisso com a ONU Mulheres, em 2015, para chegar a um milhão de motoristas do gênero feminino até 2020, como uma forma de avançar na “equidade de gênero e no empoderamento das mulheres”.
Além da Uber, Cabify e WillGo já operam na capital gaúcha, e terão que se adequar à nova regra. Além disso, todos os aplicativos devem ser obrigados a fornecer dados sobre seus condutores ao município, conforme consta no texto aprovado pelos vereadores. O mesmo vale para outros apps que queiram realizar o serviço na cidade.
Regulamentação
De autoria do executivo, o projeto de lei que regulamenta os aplicativos de transporte individual de passageiros em Porto Alegre foi aprovado com 20 emendas pela Câmara Municipal. Entre as mudanças, algumas que sofreram críticas por parte da Uber, como a proibição de motoristas de cidades da região metropolitana de trabalharem na plataforma e a mensalidade de 20 UFMs a ser paga ao poder público. “São claramente inconstitucionais", segundo a empresa, que espera que o prefeito José Fortunati vete estes temas.
Assédio e insegurança
No Brasil, o transporte público é um lugar onde as mulheres têm medo. Pesquisa divulgada pela organização internacional ActionAid revela que 68% das brasileiras temem sofrer assédio no transporte. É quase tão amedrontador quanto chegar ou sair de casa à noite (situação elencada por 69% das entrevistadas). A pesquisa, feita pelo Instituto YouGov, ouviu 503 mulheres em todas as regiões do país, em amostragem equivalente à porção da população feminina no Censo do IBGE.
Uma das iniciativas mais conhecidas de combate ao assédio é o chamado “vagão rosa”, exclusivo para mulheres, que opera desde 2006 no metrô do Rio de Janeiro. Projeto semelhante foi aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), mas vetado pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). Em Curitiba, a reserva de 20% da frota, em horário de pico, para ônibus exclusivos para mulheres foi rejeitada na Câmara, em 2014. O projeto sofreu crítica inclusive da secretária da Mulher de Curitiba, Roseli Isidoro.
São medidas paliativas, que não vão na raiz do problema. E ainda podem ser um tiro no pé, na opinião da advogada Sandra Lia Barwinski, presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero (Cevige) da OAB-PR. Isto porque a criação de espaços exclusivos pode dar margem a pensamentos do tipo “se a mulher não está lá é porque quer [sofrer assédio”.
No caso da reserva de vagas em aplicativos, Barwinski vê como um “conforto, uma solução imediata” para a passageira, mas que não resolve o problema. “Dá uma falsa sensação às mulheres de que algo está sendo feito, mas não é uma solução”. O ideal, defende, seria uma mudança cultural que passe por “educar para a não violência”.
Por outro lado, a advogado vê com bons olhos a ideia de incentivar a equidade de gênero no trabalho por meio de uma política de reserva de vagas. “É uma ação afirmativa, mas tem que ter começo, meio e fim [porque] nós não queremos 20% das mulheres trabalhando, queremos 50%”. Barwinski defende que é preciso fazer um planejamento de longo prazo para tornar o transporte e as cidades mais seguras para as mulheres.
Em outros países, a situação de medo no transporte público se repete. Na Índia, a pesquisa do ActionAid indicou que o transporte é o local de maior insegurança para as mulheres. Em 2012, o país enfrentou grandes protestos de mulheres após a morte de uma estudante de medicina, vítima de um estupro coletivo em um ônibus em Nova Déli (caso retratado no documentário “A Filha da Índia”).
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