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futuro das cidades

Mapeamento: uma ferramenta crucial para acabar com os prédios e terrenos vazios

Os cidadãos de Detroit usam seus smartphones para tirar fotos de prédios abandonados ou sem uso e mandá-las para um painel do aplicativo da Loveland, que concentra todas as informações. | Reprodução/
Os cidadãos de Detroit usam seus smartphones para tirar fotos de prédios abandonados ou sem uso e mandá-las para um painel do aplicativo da Loveland, que concentra todas as informações. (Foto: Reprodução/)

Quando Detroit, cidade mais populosa do estado de Michigan, no Meio-Oeste dos Estados Unidos, estava buscando caminhos para acabar com sua crise na habitação e no setor imobiliário, em meados de 2014, as autoridades municipais tiveram, primeiro, que se esforçar para descobrir o tamanho do problema. Ninguém sabia exatamente quantos imóveis estavam abandonados ou sem uso na cidade.

É aí que entrou Jerry Paffendorf, CEO da empresa Loveland Technologies. O que começou como um hobby – mapear as propriedades abandonadas ou embargadas pela falta de pagamento de impostos e/ou hipotecas, entre outros problemas – tornou-se uma importante ferramenta para a recuperação das políticas de habitação e ocupação do solo de Detroit. Por meio de um financiamento da JP Morgan Chase, o Detroit Bank Land contratou Paffendorf e sua companhia para criar o Motor City Mapping, um aplicativo resultado de um grande esforço para mapear e digitalizar as informações dos imóveis da cidade. Algo semelhante é feito por algumas cidades brasileiras, mas mais no sentido de fiscalizar o tamanho dos imóveis para a cobrança do IPTU, não exatamente para controlar a quantidade de propriedades vazias ou em desuso e recolocá-las no mercado.

O sucesso do programa chamou a atenção de lideranças da sociedade civil em outras partes dos Estados Unidos. Outras comunidades viram quanto os dados ajudaram Detroit a direcionar seus recursos esparsos nessas área com mais eficiência. Agora, um novo financiamento da JP Morgan Chase de US$ 1 milhão está trazendo a mesma ideia para as três maiores cidades do estado de Ohio, também no Meio-Oeste americano – Cleveland, Cincinnati e Columbus – com a intenção de criar painéis e mapas similares ao Motor City Mapping.

“A tecnologia de mapeamento em Detroit tem sido significativa e reveladora em relação à necessidade de dados que as cidades têm”, diz Janis Bowlder, chefe do setor de desenvolvimento comunitário para filantropia global da JP Morgan Chase. “O mapeamento da Loveland Technologies tem mesmo um papel fundamental no modo como nós acreditamos que as comunidades devem se desenvolver em momentos de dificuldades”.

Cleveland, Cincinnati e Columbus não enfrentam os mesmos problemas de Detroit. Mas cada uma dessas cidades tem seus desafios. Em 2011, a Western Reserve Land Conservancy, uma organização sem fins lucrativos de Ohio que trabalha na conservação de áreas naturais e na revitalização de espaços urbanos degradados, lançou uma iniciativa chamada Thriving Communities (algo como Comunidades de Sucessos). Por meio desse programa 34 bancos de terra foram criados nos últimos anos na região. Nos EUA, os “land banks” têm funções que juntam um pouco do que as Cohabs, secretarias de urbanismo e ONGs focadas no direito à terra e à moradia fazem no Brasil. Eles adquirem propriedades abandonadas ou envolvidas comprometidas com dívidas com o município e outros problemas judiciais, “limpam” os títulos dessas terras e as tornam vendáveis novamente. “Nós sabíamos de antemão que nós tínhamos muitos desafios e um deles era simplesmente não ter os dados necessários”, conta Jim Rokakis, o diretor da Thriving Communities. “Nós vínhamos fazendo um trabalho de levantamento e mapeamento no estado mas ele não estava nem de perto tão bom quanto o produto que eles [Loveland Technologies] tinham.”

Quando a Loveland se envolveu com o mapeamento de Detroit a empresa aprendeu rapidamente que não eram apenas o município, o condado ou o estado que estavam interessados em dados sobre imóveis, mas também a vizinhança dessas áreas, as diferentes organizações não lucrativas e os investidores imobiliários. Embora as informações desse tipo estivessem, de maneira geral, disponíveis, qualquer pessoa interessada nelas teria de passar horas, senão dias, procurando por elas em arquivos empoeirados. “Tudo isso é registro público, mas, ao longo do tempo, vai se perdendo em arquivos ou banco de dados que não conversam entre si e estão em diferentes departamentos”, afirma Paffendorf.

Ao criar uma única plataforma para compartilhar informação, lideranças têm os dados sobre os imóveis nas pontas dos dedos e podem usá-los para tomar decisões inteligentes para o desenvolvimento de suas comunidades. Rokakis ressalta como os dados foram usados, por exemplo, em Lorain, uma cidade de 64 mil habitantes à beira do lago Erie, também em Ohio. O prefeito de Lorain estimava que a cidade tinha cerca de mil propriedades abandonadas. Mas uma vez que o mapeamento ficou pronto, os dados revelaram que eram apenas 300 que precisavam de alguma interferência para voltarem ao mercado. “Isso os ajudou a recalibrar suas diretrizes em relação a onde a cidade gastaria seus recursos”, conta Rokakis.

Comunidades inteiras também usaram esses dados para reivindicar projetos de parques, moradia acessível e outros, criando uma nova relação com essas informações, não mais restrita às autoridades governamentais.

O que é incomum sobre a abordagem da Loveland em relação aos dados é que ao criar, em um primeiro momento, uma ferramenta para a cidade acabou incorporando também a participação e a interação com os moradores. Os cidadãos de Detroit usam seus smartphones para tirar fotos de prédios abandonados ou sem uso e mandá-las para um painel do aplicativo da Loveland, que concentra todas as informações. Outras cidades estão usando a ferramenta para fazer levantamentos parecidos. “Se sempre houveram campos férteis para tecnologias disruptivas, esse é um deles”, diz Bowlder. “Essa não é uma situação em que você costuma ver esse tipo de inovação, mas é necessário [que isso aconteça]. É algo que tem virado o jogo em Detroit.”

Paffendorf gostaria de ir além no que diz respeito ao modo como os dados são disponibilizados, não só no Meio-Oeste, mas em todos os Estados Unidos. Ele chega a ter às vezes uma visão um tanto evangelizadora da coisa. “Num momento de mudanças nos EUA, onde muitas cidades cresceram e ultrapassaram os objetivos originais de sua criação, com várias áreas mudando de função e uso, e onde a infraestrutura capenga e o governo já não consegue mais oferecer os serviços adequados apesar de todos os impostos pagos, enxergar o panorama real das coisas se torna algo urgente”, ele escreveu em um e-mail. Até o momento, a Loveland mapeou 100 milhões de imóveis nos Estados Unidos e está a caminho, a depender do entusiasmo da equipe e das cidades, de digitalizar as informações de cada propriedade existente no país.

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