Ao meio-dia e meia de uma quarta-feira recente, o ministério do Meio Ambiente em Tóquio estava no escuro, iluminado apenas pelo brilho azulado das telas de computador. Todos os escritórios do ministério devem passar pelo menos uma hora de cada expediente no escuro para poupar energia e reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Satoru Morishita, vice-diretor geral de assuntos ambientais do ministério, afirmou que a política funciona como um lembrete diário do medo do aquecimento global.
“Estamos visando mudar comportamentos e, ao mesmo tempo, mudar as atitudes em relação ao aquecimento global, tentando dessa maneira transformar a sociedade como um todo”, afirmou Morishita em uma entrevista.
Contudo, os japoneses, sobretudo os mais jovens, não parecem dispostos a realizar os desejos de Morishita. Uma pesquisa realizada recentemente pelo governo mostrou que quase 75% dos jovens japoneses entre 18 e 29 anos se interessam pelo aquecimento global, um número impressionante para os padrões internacionais. Entretanto, esse total representa uma queda sensível em relação aos 90%registrados na mesma faixa etária há alguns anos.
Uma pesquisa recente feita pelo Pew Research Center mostrou resultados similares — 75% dos japoneses com mais de 50 anos de idade afirmam ter medo do aquecimento global, comparados a 59% das pessoas com idades entre 18 e 34 anos.
Como o Japão precisa importar boa parte de sua energia e após o desastre da usina nuclear de Fukushima em 2011, o país tem interesse quase obsessivo nas questões energéticas. A queda aparente na preocupação dos jovens japoneses assusta muitas pessoas no governo, incluindo Morishita. “Quero que os jovens entendam que o aquecimento global é problema deles também, e entrem em ação para resolver a situação”, afirmou.
LEIA MAIS sobre clima em Futuro das Cidades
Cidades brasileiras engatinham na preparação para enfrentar desastres marítimos
Como plantar árvores nas cidades pode salvar milhares de vidas
A forma como o Japão encara a luta contra o aquecimento global é bastante diferente da de outros países que tentam engajar o público, ou ainda dos países que negam completamente o problema. Enquanto os Estados Unidos tomaram a frente na luta contra o aquecimento global sob o comando do presidente Barack Obama, o presidente eleito Donald Trump parece incerto quanto à realidade das mudanças climáticas, ou sobre como lidar com elas, caso sejam reais.
Embora estejam unidos no reconhecimento da ameaça representada pelo aquecimento global e a elevação dos níveis oceânicos, os japoneses provavelmente terão dificuldades para mudar as políticas energéticas do país, além de encontrar alguma resistência por parte dos jovens que acreditam que o Japão tem problemas mais urgentes, como a economia.
Campanha tenta atrair jovens
Para aumentar o interesse entre jovens e idosos, no ano passado o governo começou uma campanha chamada “Escolha Legal”, que encoraja os consumidores a comprar eletrodomésticos que gastam menos energia.
O país conta com muitas outras iniciativas ambientais e de economia de energia, incluindo um calendário de coleta seletiva de lixo que os estrangeiros têm dificuldades para compreender. Ainda assim, o índice de reciclagem nas cidades gira em torno dos 20 por cento, de acordo com dados colhidos pelo ministério do Meio Ambiente em 2012, um índice relativamente baixo para países desenvolvidos. Todavia, o volume de lixo per capita é muito baixo – em 2011, foi de cerca de 400 quilos ao ano, comparados a 1.600 quilos de lixo gerados por cada norte-americano ao ano, em média.
Em 2005, o governo deu início à campanha “Cool Biz”, com o objetivo de reduzir o consumo de energia durante o verão, desencorajando o uso de aparelhos de ar-condicionado e encorajando os trabalhadores a se vestirem de forma mais despojada, com camisas de manga curta, por exemplo.
O programa conta com um equivalente durante o inverno, o “Warm Biz”, que teve início na mesma época que o “Cool Biz”, mas ganhou mais força após o desastre de Fukushima. O programa encoraja as pessoas a usarem menos o aquecimento durante os meses mais frios, sugerindo coisas como a realização de festas do “nabe” (um prato quente típico japonês) com amigos e familiares para manter todos aquecidos. Essa campanha também tem um mascote chamado Attamaru, um “ninja quente”, que dá dicas sobre como aquecer sem gastar muita energia.
Em uma iniciativa que visa chamar a atenção dos mais jovens, o governo começou a estudar os possíveis benefícios ambientais da economia do compartilhamento, já que essa geração parece menos interessada em ter carros, casas ou mesmo bicicletas próprias, afirmam funcionários do ministério do Meio Ambiente. E uma vez que muitas dessas campanhas contam com mascotes, as autoridades já estão desenvolvendo um personagem em 3D inspirado por Hatsune Miku, um pop star virtual.
Até o momento, alguns jovens parece ignorar as iniciativas do governo. Sui William McCauley, de 24 anos, estudante de pós-graduação em jornalismo na Universidade Waseda, em Tóquio, ridicularizou as campanhas de conscientização. “Elas são meio nada a ver”, afirmou McCauley, que nasceu em Sendai, ao norte de Tóquio na principal ilha do Japão. “Se eles me mandarem beber whisky quando estiver frio, talvez eu faça isso”, afirmou.
Japão tem conflito de gerações
Sua opinião reflete um conflito geracional muito mais profundo no Japão, de acordo com Midori Aoyagi, principal pesquisadora da Seção Econômica e Ambiental Integrada do Instituto Nacional de Estudos Ambientais, que acompanha as tendências de opinião pública sobre o aquecimento global no Japão.
Segundo Midori, em seus grupos focais com jovens japoneses, ela “sempre percebe uma sensação de desesperança” em relação ao dia a dia, à carreira e às questões sociais, provavelmente em consequência de terem crescido durante um período prolongado de estagnação econômica conhecido como as décadas perdidas.
Entrevistas envolvendo diversos estudantes e trabalhadores japoneses com idades entre 22 e 26 anos revelaram respostas similares a argumentos em favor da urgência na luta contra o aquecimento global. Esses jovens citam o tamanho do problema, a sensação de impotência, o silêncio da mídia e a preocupação com problemas mais prementes.
Muitos dizem que outras questões parecem mais importantes para o Japão do que o medo do aquecimento global – a economia estagnada, a queda populacional e as tensões no leste asiático, entre outras. Muitos também temem pela segurança energética do país – apenas três dos 45 reatores nucleares do país continuam operantes, resultado das preocupações surgidas após Fukushima –, afirmando que o Japão deveria investir mais em energias renováveis.
Boa parte dos jovens afirma que não acredita de fato que 75 por cento das pessoas da sua geração realmente se interessa pelo aquecimento global: no Japão, dizer que você não está interessado em alguma coisa é considerado rude; e boa parte dos japoneses sabe que deveria se preocupar, mesmo que isso nem sempre se transforme em ação.
Maki Nakamatsu, de 24 anos, aluna de pós-graduação na Universidade Waseda, afirmou que o governo deveria gastar menos tempo tentando conscientizar o público – “Não é disso que se trata”, afirmou, acreditando que a ação correta seria encorajar e exigir comportamentos que levem em conta o meio ambiente.
Em uma pesquisa mundial realizada entre 2007 e 2008 pela Gallup World Poll, o Japão registrava um dos níveis mais altos de conscientização e compreensão a respeito das mudanças climáticas – cerca de 99 e 91 por cento, respectivamente –, além do quinto nível mais alto do mundo (cerca de 80 por cento) de pessoas que acreditam que o aquecimento global é um problema sério, provavelmente porque essa é uma matéria abordada nas escolas do país.
O consumo de energia caiu todos os anos no Japão, desde 2011, mas o governo deseja cortar ainda mais o uso de energia e de maneira mais rápida para cumprir as promessas feitas durante o acordo climático de Paris em 2015. Parece haver uma tensão inerente entre a ineficácia das ações individuais imediatas e a noção de que o governo japonês está tentando torná-las comuns em toda a sociedade para reduzir as emissões e encorajar a participação dos indivíduos.
Campanhas e programas voluntários como os iniciados pelo Japão representam “um impacto relativamente pequeno”, de acordo com Anthony Leiserowitz, pesquisador da Faculdade de Engenharia Florestal e Estudos Ambientais de Yale, além de diretor do programa de comunicação do aquecimento global da instituição. “Para as pessoas é muito difícil ver como esses comportamentos se relacionam com o aquecimento global”, ou como fazem a diferença, afirmou.
Isso parece ser parte do problema para muitos jovens japoneses como Shota Kanai, de 23 anos, analista em uma empresa de e-commerce em Tóquio. “O problema é grande demais”, escreveu em um e-mail, “e eu sinto que minhas ações não fariam qualquer diferença”.
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”