Conforme o bondinho chacoalhava ao longo da Queen Street West, no congestionamento do centro de Toronto, no Canadá, a ansiedade começou a crescer entre os passageiros. Todo mundo começou a conferir os relógios, calculando de quanto seria o atraso na chegada ao trabalho. O transporte vermelho e branco não dá nenhuma impressão de ser rápido. “Não é muito eficiente. Deveria ter pelo menos uma faixa extra para poder ultrapassar os carros”, desabafa Shande McPhee, que chegou meia hora atrasada na empresa em que ocupa o cargo de financista, em uma manhã recente, por causa de um congestionamento pior que o habitual.
Apesar dos ataques de mau-humor, milhares de moradores da maior cidade canadense dependem desses veículos para se movimentar ao longo da maior malha urbana de bondes da América do Norte. Agora que Nova York está trazendo de volta o meio de transporte, com o prefeito Bill de Blasio planejando investir US$2,5 bilhões em uma rota para ligar o Brooklyn ao Queens pela orla até 2024, as autoridades estão se voltando para Toronto para saber como fazer do novo serviço um sucesso. E mesmo em Toronto, onde se movimentam pelas ruas há quase um século, os bondes continuam gerando debates rancorosos – que, sem dúvida, logo se repetirão na metrópole norte-americana. As discussões também valem para as cidades brasileiras que têm implantado ou planejado modais como o Veículos Leves Sobre Trilhos (VLT) ou Pneus (VLP).
Há alguns meses, a prefeitura nova-iorquina contatou Adam Giambrone, ex-presidente da Comissão de Trânsito de Toronto, para administrar o projeto e vender o conceito àqueles que vivem ao longo da futura linha. Sua chegada foi um sinal de que os planos vão mesmo ser postos em prática, apesar de um tanto tumultuada, já que a cidade ficou sabendo do escândalo sexual que desestabilizou sua carreira política, gerando manchetes que o comparavam a Anthony Weiner.
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Os alertas
Enquanto os norte-americanos trabalham para concluir um estudo rigoroso da linha antes de dezembro, passageiros e especialistas canadenses repetem os mesmos dois alertas: construam faixas exclusivas para evitar que os bondinhos fiquem presos no congestionamento e se preparem para a revolta pela perda de espaço e vagas de estacionamento.
Em Toronto, cerca de 250 mil pessoas usam as onze linhas de bonde da cidade diariamente. Muitas delas, que ligam o leste ao oeste, correm nas mesmas vias que os carros, conectando os passageiros a uma rede mais ampla de metrô e ônibus; já outras, como a Spadina, têm faixa exclusiva, separada do tráfego por uma plataforma elevada. “Eu só uso o bonde aqui porque tem faixa própria. Se fosse para andar junto com os carros, acho que preferiria arranjar um jeito de pegar o metrô”, admitiu Matthew Hibbert, passageiro da linha Spadina, há pouco tempo.
Porém, segundo Josh Colle, vereador de Toronto e presidente da Comissão de Trânsito local, a reação dos outros motoristas à exclusividade das faixas para o transporte público pode ser politicamente problemática. Anos depois de a cidade ter criado uma via exclusiva na linha St. Clair, o tópico ainda é delicado. “Parece uma guerra santa. Não é só reclamação, não. A coisa é meio violenta”, admite ele, em entrevista em seu gabinete.
Os comerciantes temem perder clientes se não houver mais vagas para estacionar; os motoristas, que o trânsito piore por causa da redução do espaço. Talvez o maior crítico do sistema tenha sido Rob Ford, o ex-prefeito belicoso de Toronto que ficou famoso no mundo inteiro ao admitir que usava crack enquanto estava no cargo. (Ele morreu em março.) Embora sua intenção de tirar os bondinhos das ruas não tenha se concretizado, há quem diga que a campanha manchou sua imagem permanentemente – e o atraso na entrega dos novos veículos não ajudou muito.
Mesmo com toda a celeuma, muita gente adora os bondes e se delicia com sua elegância e a nostalgia que evocam, um tipo de romantismo que também é palpável em cidades como Nova Orleans e San Francisco. “Para falar a verdade, gosto mais do bondinho que do metrô, só pelo fato de poder ver a paisagem e não ficar escondido no fundo da terra”, diz o ator Rob Bird, na linha Queen. E se refere à viagem como “serena”.
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É cada vez maior o número de cidades nos EUA que estão se voltando para o bonde – que, segundo os defensores, é ambientalmente correto, tem uma estrutura menos cara que a do metrô e é mais atraente que o ônibus. Por outro lado, em centros como Washington e Atlanta, as novas linhas foram boicotadas por causa de atrasos, custos altos e o baixo número de passageiros.
Em Nova York, o democrata de Blasio propôs uma rota de quase 26 km, a chamada Conexão Brooklyn-Queens, saindo de Astoria até Sunset Park. Nos últimos anos, Giambrone, 39 anos, reinventou a carreira como especialista em trânsito, trabalhando em projetos em Milwaukee e Montreal.
Steve Munro, que já foi assessor de Giambrone no Canadá, disse que os nova-iorquinos têm que traçar e seguir um planejamento quadra a quadra e ficarem atentos às manifestações da comunidade. “O Adam vai ter um trabalho danado para convencer a população da área à qual o projeto vai servir de que é uma boa ideia. Se esse pessoal supostamente beneficiado se recusar a aceitá-lo, a iniciativa vai fracassar”, avisa Munro.
Giambrone, que está morando perto de onde será o corredor proposto, entre o centrinho do Brooklyn e Fort Greene, parece estar consciente dos desafios que tem pela frente e está animado para começar o trabalho. Conta que já caminhou ao longo da rota e planeja fazer várias reuniões públicas.
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E afirma também entender a frustração de ver os bondes parados no trânsito de Toronto, acrescentando que a linha nova-iorquina será “bastante dependente” de um sistema exclusivo de preferência. De fato, a prefeitura já falou que quer que mais de 70 por cento da linha tenha faixa própria, configuração mais comum para os sistemas de veículo leve como o Hudson-Bergen Light Rail de Nova Jersey, cujas estações são mais distantes umas das outras. O bondinho, além de mais lento, faz mais paradas.
Para Giambrone, ele deve oferecer um serviço confiável e ter conexão fácil e abundante com o metrô para estimular o público a usá-lo. “Não é só transporte turístico, nem só para desenvolvimento econômico; tem que funcionar como um projeto de transporte”, conclui.
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