Nos últimos anos, as cidades brasileiras têm sido palco de movimentos que realçam o papel fundamental que o espaço público sempre teve nas aglomerações urbanas ocidentais. Embora a mobilidade urbana tenha dominado o debate público sobre o futuro de nossas cidades, não sem certa dose de razão, circular não pode ser o único ponto balizador para a melhoria de nossas cidades. A vida cotidiana é muito mais complexa! Por isso, o conjunto das manifestações políticas, a pluralidade dos blocos de carnaval de rua, a nova onda de comidas e bebidas de rua e tantas outras dinâmicas que enriquecem nosso dia a dia devem ser entendidas conjuntamente neste momento de recuperação de importância do espaço público, em sua mais ampla acepção, para todos e todas, sem distinção de classe socioeconômica, cor de pele, condição de locomoção e idade.
Alguns esforços internacionais ajudam a compreender como ainda temos um longo caminho a percorrer. O Prêmio Europeu do Espaço Público Urbano, que acontece desde 2000 com o suporte de várias instituições, consagrou-se como uma forma de reconhecer e divulgar as boas ações de tratamento do espaço público nas cidades europeias, que tomaram corpo sobretudo a partir dos anos 1980. O conjunto das obras premiadas evidencia quão ricas são as possibilidades de espaços acessíveis à coletividade, como intervenções espaciais por vezes simples podem fomentar a coesão social e como profissionais, comunidade e poderes públicos estão se envolvendo cada vez mais na qualificação do espaço urbano. Certamente, este prêmio evidencia a importância do domínio público para a vida cotidiana nas cidades da Europa.
Do outro lado do Atlântico, uma prática adotada por várias municipalidades norte-americanas tem garantido que obras públicas atinjam alto grau de excelência: constitui-se uma comissão pública, formada por profissionais de variados campos do conhecimento, com o objetivo de julgar e rever todos os projetos e planos que são propostos para o espaço público. Em Nova York, funciona desde o século19; em Seattle, arranjo quase cinquentenário, presenciei uma situação sui generis, quando a revitalização da calçada em frente a um estabelecimento comercial bancada totalmente pelo mesmo foi rejeitada pela qualidade “acima da média” da proposta em relação ao seu entorno, pois poderia significar uma indevida privatização e, assim, induzir sua utilização. De fato, o espaço púbico é um bem tão precioso e complexo que não pode ficar à mercê da iniciativa privada, dos políticos e corpo técnico de plantão: a participação comunitária qualificada é essencial para seu resguardo e promoção.
Um dos aspectos que ainda contribui para destacar Curitiba no cenário latino-americano se deve a um conjunto diversificado de espaços públicos, como o calçadão da Rua XV, o Parque Barigui, o Jardim Botânico, dentre mais alguns; constituem-se em verdadeiro patrimônio cultural que tanto residentes quanto turistas sabem reconhecer. Contudo, o modelo de pensamento que sustentou a criação de todos eles tem mostrado esgotamento. E, para piorar, nos últimos anos, a política tem falado mais alto que a técnica. O futuro de nossos espaços públicos deveria repousar na mais ampla abertura para sua criação e defesa, através de co-criação, concursos e revisão pública. Certamente, com esse espírito, experimentaríamos um novo patamar de qualidade para nosso valioso bem comum.