Uma sequência de agruras da vida levou Rosângela Bibiana de Miranda, de 45 anos, ao Tatuquara, bairro no extremo Sul de Curitiba, beirando a vizinha Araucária. “O pior lugar que já morei” era, até dezembro do ano passado, um cômodo único de três por dois metros, com vigas de alturas diferentes, o que impedia a madeira de tocar no teto e abria espaço para ventos e chuva. Há três meses, dona Rosângela e o inseparável neto Jackson, 5 anos, ganharam uma casa nova da ONG Teto, que atua em comunidades carentes do mundo todo. No Brasil, já foram mais de 70.
As casas são feitas com painéis pré-fabricados e construídas em esquema de mutirão, que reúne moradores e voluntários. São moradias “de emergência” que, no modelo construído no Brasil, têm área de 18 metros quadrados, janelas, portas e telhas. Uma manta térmica, dessas que refrescam em dias quentes e retêm o calor no frio, faz as vezes de forro. O dinheiro é arrecadado pelos próprios voluntários, em geral jovens de classes média e alta. O ponto alto é a “coleta”, quando o grupo vai para a rua divulgar o trabalho da Teto e pedir contribuições a quem passar por ali.
A ideia dos mutirões de moradia não é nova. Em São Paulo, ganhou força no governo Luiza Erundina (1989-1992), que utilizou a verba do Fundo de Atendimento à População Moradora em Habitações Subnormais (Funaps), criado por Jânio Quadros para financiar moradias populares construídas por empreiteiras, para financiar os chamados “mutirões autogestionários”.
Foi nesta época que surgiu a assessoria técnica usina, criada por arquitetos vinculados à Universidade de São Paulo (USP), e que até hoje presta trabalho técnico em obras em conjuntos habitacionais populares. A assessoria é contratada por movimentos sociais urbanos. Os futuros moradores participam desde a fase do projeto, até o mutirão de construção da obra.
Uma parceria com a Caixa Econômica Federal (CEF) permitiu à ONG Ação Moradia construir um loteamento popular em esquema de mutirão. Foi em 2002, em Uberlândia, no triângulo mineiro. A ONG mantém uma fábrica de tijolos ecológicos e trabalha com geração de renda, e forneceu a matéria prima para a construção do residencial Campo Alegre.
A construção da casa é o meio do caminho. O trabalho da ONG, que começa com um recenseamento. Uma pesquisa para conhecer os moradores e se fazer conhecido por eles. Érica Fernanda Santos Oliveira, 25, saía para o velório do marido no dia em que o pessoal da ONG bateu na sua casa para a pesquisa. Desse dia ela não se esquece. Dispensou os voluntários de forma apressada. Uma delas, Mirella, só descobriu o quão errada era aquela hora quando voltou com a reportagem à comunidade. Érica também não esquece da data 14 e 15 de dezembro de 2015. “Foi quando eles construíram tudo isso aqui, em dois dias. Eu nunca vou esquecer na minha vida”.
A casa virou o quarto em que ela dorme com Luys e Ingridy, de 4 e 2 anos. Pintado de azul bebê e com ursos de pelúcia dispostos de forma organizada pelas paredes, o lugar é um “capricho”. A obra a fez desistir de deixar o bairro para trás, com suas lembranças ruins. Sua antiga casa, ao lado, virou sala e cozinha. A próxima etapa: “Ainda vou comprar as madeiras!”; ela quer construir chão e madeira para unir os dois cômodos em uma só casa.
As famílias se comprometem a ficar dois anos sem vender ou alugar o espaço construído pela organização. É uma forma de impedir que “grileiros urbanos” entrem no projeto para depois comercializar os imóveis. Os voluntários se ambientam com a realidade local, e passam a entender que não são eles que decidem o que é melhor para a comunidade.
“Não queremos criar o voluntário herói, que vem para tirar foto e acha que aparecendo uma vez vai mudar a vida”, explica a engenheira Aline Tavares, diretora do ONG no Paraná. A organização tentar fugir da lógica do “assistencialismo”, como se o voluntário prestasse um serviço. “Você vir só um dia aqui bater prego não vai mudar a vida dessas pessoas”.
Quem decide quais os problemas e as soluções a serem tomadas são os próprios moradores. Aos voluntários, cabe oferecer ajuda, seja de mão-de-obra braçal ou apoio técnico. É a terceira etapa. Com os laços de confiança já estabelecidos, é hora de focar no desenvolvimento da comunidade. Trabalho que não tem prazo para acabar.
ONG promove “coleta” em abril
Entre 8 e 10 de abril, a ONG Teto realiza em todo o Brasil a “Coleta”, sua principal campanha de arrecadação financeira. Os voluntários vão para as ruas, literalmente, coletar o dinheiro. Cerca de seis mil jovens devem se dividir para pedir dinheiro a transeuntes nos principais pontos de São Paulo, Campinas, Santos e do ABC Paulista, em São Paulo, além de Curitiba, no Paraná, Rio de Janeiro e Salvador, na Bahia. Qualquer pessoa pode participar. É só se cadastrar como voluntário em teto.org.br/coleta.
A tão sonhada biblioteca da Caximba
Na Caximba, Sul de Curitiba, a Teto já organizou pelo menos duas ações de desenvolvimento comunitário em um ano e meio de trabalho. As crianças de 10 a 12 anos participaram de um debate sobre empreendedorismo, em parceria com a Escola Quíron, que promove a liderança juvenil.
Recentemente, uma casa da ONG deu lugar à tão sonhada “biblioteca da Caximba”, no quintal de Edilaine Aparecida de Lima, 31. Nascida em um “berço um pouco melhor”, ela teve a chance de estudar, e há cinco anos recebe a criançada da vila em sua casa, em uma espécie de contraturno espontâneo. Além de incentivar as crianças a ler e escrever, Edilaine tenta ajudar as mães, que muitas vezes desconhecem o direito a atendimento no Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e a políticas como o Bolsa Família, por exemplo.
A estrutura da biblioteca era a casa de uma família, que saiu de lá para um conjunto da Cohab. A venda de pastel e rifas financiou o resto da obra: um quadro-negro novinho em folha, tintas para as paredes, fiação elétrica, lâmpadas e giz. Faltam os livros infantis, já que as doações que chegaram são de produtos didáticos e de nível universitário.
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