A guerra entre Uber e táxi pode ter feito mais uma vítima, em Curitiba. Desta vez, uma passageira. Ela conta que foi empurrada por um taxista, enquanto tentava embarcar em um carro do aplicativo, e que seu dedo foi prensado à porta. Entidades que defendem os taxistas condenam a violência, mas denunciam que o Uber funciona de forma ilegal. A reportagem não conseguiu contato com o suposto agressor. Projeto de lei que prevê a regulamentação do aplicativo está parado desde junho na Urbs, responsável pelo transporte da cidade, que deve dar parecer sobre a demanda do serviço.
Análise: Olhar para o táxi não vai resolver os desafios das cidades com o Uber
Leia mais sobre mobilidade em Futuro das Cidades
Um vídeo divulgado pelo motorista Uber mostra o momento da agressão, que teria ocorrido no último sábado (27), em frente a um bar na Avenida Vicente Machado, em Curitiba – a Gazeta do Povo tinha publicado as imagens na primeira versão desta matéria, sem identificar os envolvidos no caso, mas retirou o conteúdo do ar a pedido da passageira.
Nas imagens, é possível ver o agressor se aproximar de forma enfática, e a passageira gritar “ai, meu dedo!”. O mesmo homem parece chutar o veículo, enquanto este se distancia. Ao fundo, transeuntes pedem para que o homem pare o que está fazendo. As cenas foram captadas por uma câmera instalada no veículo, “que instalei já pensando em me proteger de um ataque”, conta o motorista.
“Fui entrar no carro e veio um taxista por trás, me impedindo de entrar e fechando minha mão na porta. Ele chegou por trás de mim e começou a chutar o carro. Me empurrou, mas eu não podia me mexer porque estava com a mão presa”, conta a vítima. Ela não sabe dizer se o agressor prendeu sua mão à porta de forma proposital, ou se foi uma consequência da confusão do momento.
Ela registrou boletim de ocorrência e aguarda que a polícia investigue o caso. O motorista Uber disse que faria o mesmo na tarde desta terça-feira (30). Ele prometeu entregar à polícia a gravação completa da cena, que não divulgou para preservar a passageira, que ficou receosa sobre exposição do caso.
O motorista da Uber relata ter feito a denúncia também à prefeitura, por meio da Central 156. A Urbs informa não ter recebido uma reclamação formal, em seu departamento de táxis. De qualquer forma, o órgão relata não ter competência para apurar o caso. Caso a justiça reconheça a agressão e o acusado for condenado, cabe à Urbs proceder de forma administrativa, e o motorista pode perder a permissão de conduzir táxis.
“Anatomia da crise”
Em entrevista à Gazeta do Povo, o economista Luiz Alberto Esteves – que fez uma análise do tema quando chefiava o Cade – explicou que há uma “anatomia da crise” do Uber. No mundo todo seria assim: primeiro o governo tenta proibir; depois, criar uma regulação “meia-boca”; e só depois pensa em alternativas de regulação “para valer”. Curitiba estaria no meio do caminho.
Regulamentação
Assinado por metade dos vereadores de Curitiba, um projeto que prevê a regulamentação do transporte individual de passageiros encontra-se em análise, na Urbs, desde o final de junho. Responsável pelo sistema de transportes da capital, a empresa deve enviar à Câmara um parecer técnico sobre a demanda por este tipo de serviço nos próximos dias.
Entidades que representam os taxistas veem o debate como indevido. Não faria sentido pensar na regulação dos aplicativos, uma vez que o Código de Trânsito (CTB) já dita as regras do transporte do transporte individual, que deve ser realizado por táxis, em carros de aluguel (com placa vermelha).
Acirramento
Motoristas parceiros da Uber relatam que os conflitos nas ruas de Curitiba tornaram-se mais frequentes, nas últimas duas semanas. “Parece que o fato de a Uber ter liberado o pagamento em dinheiro e a prefeitura intensificar as fiscalizações acirraram os ânimos dos taxistas, ameaças e agressões aumentaram”, conta um deles.
De fato, o número de multas dobrou, no último mês. Segundo dados da Secretaria Municipal de Trânsito (Setran), 183 motoristas Uber foram multados até esta segunda-feira (29). No início de agosto eram 83. O número de abordagens saltou de 525 para 761, no último mês.
Para ajudar na fiscalização, o Sindicato dos Taxistas do Estado do Paraná (Sinditáxi) montou um “Cadastro Anti-pirataria”, para monitorar os “veículos suspeitos de pirataria” em Curitiba e Região Metropolitana.
A entidade orienta que os taxistas não cometam ações de violência, física ou moral, e sim que preencham o cadastro e busquem os órgãos competentes, explica Abimael Mardegan, presidente do Sinditáxi. “Sempre nas reuniões das entidades que representam a categoria esta questão da violência é tratada com reprovação de todas as formas possíveis”, explica Eduardo Fernandes, que já presidiu uma associação de taxistas e hoje é do setor comercial da rádio-táxi Faixa Vermelha.
Mas o ponto de vista não é consenso na categoria. Em uma mensagem de rede social à qual a reportagem teve acesso, um motorista chega a ironizar que a melhor maneira para o uber parar de operar seria “matar o condutor e escrever no peito do motorista ‘fora uber’, e matar o passageiro e escrever na testa ‘trouxa’”. Mensagem que foi recebida com humor por alguns colegas.
Multa de R$ 1,7 mil não está valendo
Aprovado em abril deste ano – e sancionada em junho, pelo prefeito Gustavo Fruet – a lei que prevê multa de R$ 1,7 mil para os motoristas do Uber ainda não está valendo, porque carece de regulamentação. A prefeitura estuda a edição de um decreto suplementar. Entre outras coisas, o texto deve prever o destino do dinheiro arrecadado, o que fazer em caso de reincidência e punição para os inadimplentes.
O texto aprovado altera a chamada “lei do táxi”, estipulando um valor para a multa administrativa a quem explorar “a atividade de transporte de passageiros sem a prévia autorização”. A cobrança pecuniária já estava prevista em lei, mas não havia valor discriminado.
Mesmo sem a regulação da punição administrativa, a Secretaria Municipal de Trânsito (Setran) já fiscaliza os carros do Uber com base no Código Brasileiro de Trânsito (CTB), que prevê multa de R$ 83,15 para quem realizar o transporte de pessoas ou bens sem estar licenciado para este fim. A regra consta no artigo 231, inciso oitavo do CTB.