Nos últimos meses, Londres, na Inglaterra, e Helsinki, na Finlândia, anunciaram novos projetos ambiciosos para a construção de pontes para pedestres e ciclistas. Newcastle, na Inglaterra, já possui uma das estruturas desse tipo mais famosas no mundo, a Gateshead Millenium, inaugurada nos anos 2000 para a travessia do Rio Tyne. Paris, na França, também tem uma ponte para pedestres famosa: a Ponte das Artes, que ficou conhecida pelos cadeados que moradores e turistas prenderam nela em nome do amor. Mas o que de prático essas pontes oferecem para as cidades?
Em quase todos os casos, essas estruturas são instaladas em regiões onde há tráfego intenso de veículos automotores e sérias dificuldades de travessia para pedestres e ciclistas. Não raro, pontes dedicadas ao chamado transporte ativo também têm um papel importante em rotas turísticas das cidades. Tudo dentro da ideia de aumentar a “caminhabilidade” do espaço urbano, fator fundamental para a segurança e a saúde da população.
Em países marcados pela ascensão da “cultura do automóvel”, como é o caso do Brasil e dos Estados Unidos, o primeiro desafio tem sido o de revisar pontes e viadutos construídos nos anos 1960, 1970 e 1980. Em várias cidades mundo afora, a opção mais comum tem sido, ao invés de adaptar, a de implodir essas velhas estruturas. Esse foi o caso do Elevado da Perimetral, no Rio de Janeiro, por exemplo, demolido no início das obras de revitalização da área portuária, em 2014.
O elevado Costa e Silva, o Minhocão, em São Paulo, também é um caso emblemático. Ainda no início de março deste ano, o viaduto ganhou status legal de parque. Mas a via ainda é centro de um debate entre os que querem seu desaparecimento por causa do impacto negativo na paisagem da cidade e os que lutam para transformá-lo em uma área permanente de passagem e de lazer.
São Paulo como exemplo
A capital paulista, aliás, serve de exemplo quando o assunto é mudança de comportamento e transporte ativo no Brasil. Ainda em 2014, um grupo de trabalho da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade) foi criado para discutir as dificuldades de travessia em pontes, viadutos e trincheiras da cidade. “Em São Paulo, o chamado centro expandido é isolado do resto da cidade por um arco formado pelos rios Tietê e Pinheiros. Esses rios têm pontes expressas que, para pedestres e ciclistas, representam um verdadeiro muro. Para tentar achar uma solução, primeiro nós reunimos pesquisadores. Depois criamos a campanha Adote uma ponte, em que, por meio de uma mapa georreferenciado, os ciclistas da cidade puderam apontar as principais dificuldades de travessia”, conta Gabriel di Pierro, diretor de participação da Ciclocidade. A falta de espaço para pedestres e ciclistas em pontes e viadutos foi uma das principais reclamações registradas. “A ponte Estaiada [Octávio Frias de Oliveira] virou um símbolo da cidade nesse sentido também. Ela simboliza a prosperidade da cidade, mas também a falta de espaço para o transporte ativo. Ali só passam carros”, diz Gabriel.
Após conversas com a Companhia de Engenharia de Trânsito (CET) de São Paulo e outros órgãos, a prefeitura de São Paulo apresentou um plano de reforma para pontes e viadutos – seriam incluídas ciclofaixas em pelo menos 28 pontes e viadutos, principalmente sobre as marginais Pinheiros e Tietê. “Mas em muitos casos, foi sugerido a construção de uma ciclopassarela, porque a estrutura existente não suportaria a passagem de pedestres e ciclistas. A nossa preocupação é que esse tipo de solução tende a ser mais custosa. Quando se diz que não se pode acomodar [pedestres e ciclistas] e porque o poder público também não está disposto a tirar o espaço do carro. Daí a desculpa passa a ser que a passarela é cara e não é viável economicamente”, afirma Gabriel.
No geral, ele acredita que o trabalho da Ciclocidade e outras entidades deu resultado, mas que, com um novo prefeito – João Doria Júnior (PSDB), eleito em 1.º turno –, os espaços de diálogo terão de ser reestabelecidos. “Cerca de metade das pontes previstas do lado do Tietê, por exemplo, saiu do papel (...) Estamos montando um dossiê para o novo governo e buscando garantir os espaços de discussão que já estavam estabelecidos”. Ao longo das eleições deste ano, a Ciclocidade organizou um site (mobilidadeativa.org.br), em que os planos de governo dos candidatos foram avaliados. Doria e Celso Russomano (PRB) foram os que menos pontuaram na plataforma, já Luiz Erundina (PSOL) e Fernando Haddad (PT) tiveram os planos melhor avaliados.
As famosas
A Millenium é uma ponte de aço suspensa que corta o Rio Tâmisa, em Londres, ligando a Cidade de Londres – onde estão a Catedral de São Paulo – e o Bankside – onde se localiza o Globe Theatre e as galerias Bankside e Tate Modern. Sua construção começou em 1998 e ela foi aberta ao público em 2000. Naquele mesmo ano, porém, ela foi fechada porque a população reclamou que ela balançava demais. Após algumas modificações que deram mais estabilidade à estrutura, ela foi reaberta em 2002.
Em Newscastle, a Gateshead Millenium permite a passagem de pedestres e ciclistas sobre o Rio Tyne. No formato de um arco de 126 metros de extensão, a estrutura de aço é sustentada por cabos, que, com a ajuda de oito motores elétricos, levantam a ponte para a passagem de navios. a levantam para a travessia de navios. A Gateshead Millenium foi inaugurada em 2001.
A ponte ou passarela das Artes de Paris foi construída em 1804, durante o regime de Napoleão Bonaparte. No início dos anos 1980 ela foi reconstruída. Essa ponte para pedestres atravessa o Rio Sena, ligando o Instituto Francês e a Academia de Belas Artes à praça central do Palácio do Louvre. Os cadeados começaram a ser colocados por turistas e moradores da cidade na ponte por volta de 2008. Devido ao peso dos cadeados, uma parte inteira da balastrada da ponte cedeu em 2014. Os cadeados foram retirados em 2015.
A ponte está localizada em um distrito que há apenas 15 anos era um grande deserto inabitado. A estrutura está a cinco metros do chão e o acesso a ela é feito por escadas rolantes. Apenas pedestres podem passear por ela. Construída em 2011, a ponte de Luijiazui fica sobre um rotatória numa região de tráfego intenso e que virou o centro financeiro do distrito.
Terminada em 2015, a ponte Cirkelbroen, em Copenhague, na Dinamarca, foi desenhada pelo artista Olafur Eliasson. As formas arredondadas da ponte conectam os dois lados de um dos canais do porto de Copenhague. À noite, a iluminação da ponte é muito bonita.
Na cidade de Rotterdam, na Holanda, a ponte para pedestres Luchtsingel foi construída pela comunidade em um local com alto tráfego de trens e carros, no distrito de Laurenskwartier, e com recursos arrecadados via crowfunding. As informações são dos sites especializados em arquitetura Sustentarqui e Dezeen. O projeto de 400 metros idealizado pelo estúdio local ZUS exigia a utilização de 17,5 mil placas de madeiras, a um custo de 25 euros cada uma. Ao colaborar com o valor de um tábua, o morador podia ter o seu nome inscrito nela. Mais de 8 mil pessoas colaboraram com o projeto, que deu lugar também a uma horta comunitária em um dos prédios que fazem parte do percurso, entre outros espaços.
Projeto do escritório LoebCapote Arquitetura e Urbanismo, a ponte Friedrich Bayer, em São Paulo, foi concluída em 2014. A estrutura fica em frente da sede paulistana da multinacional alemã Bayer, na confluência do Rio Pinheiros com o canal extravasor da represa de Guarapiranga. A estrutura permite a continuidade de um ciclovia e também do caminho dos pedestres na região, facilitando a ligação da empresa com a comunidade e com a estação de metrô Santo Amaro. Como o canal é navegável, o meio da ponte é móvel, pode se abrir para a passagem de embarcações.
Projetos
As pontes de Kruunusillat vão criar uma rota para pedestres e ciclistas ao longo da baía de Kruunuvuorensilta, em Helsinki. A particularidade do projeto está na sua extensão: mais de meia milha, ou mais de um quilômetro. Ao todo são três estruturas para pedestres e ciclistas, além de uma linha de trem, que vão conectar o centro da cidade a novas áreas residenciais, no distrito de Laajasalo. A rota estará integrada com o transporte público da cidade e deve ser usada por 3 mil pedestres e ciclistas todos os dias. O concurso de design que deu origem ao projeto foi lançado em 2012, mas só no último mês de setembro é que o Conselho de Helsinki deu luz verde para o projeto. A construção das pontes está prevista para começar em 2018.
A terceira ponte para pedestres, e segunda também para ciclistas, de Londres é um projeto envolto em muita polêmica. Com um custo estimado em mais de 185 milhões de libras ( algo como R$ 723 milhões), a proposta de ponte é ser um verdadeiro parque sobre o Tâmisa, com mais de 270 árvores. No último mês de setembro, o novo prefeito da cidade, Sadi Khan, pediu uma auditoria sobre o projeto e também lançou uma consulta pública sobre a ideia. A polêmica do projeto está no fato de que ele terá uma parte de dinheiro público (cerca de 60 milhões de libras, ou R$ 234 milhões) e será uma estrutura verde construída do zero (?!), algo um tanto contraditório em se tratando de um projeto “sustentável”. Segundo uma reportagem do The Guardian, o NAO, órgão responsável pela auditoria do projeto e que é uma espécie de CGU britânica, levantou suspeitas sobre um suposto esquema de desvio de dinheiro público, já que vários técnicos aconselharam as autoridades a não participarem da ideia e mesmo assim a parceria saiu. O departamento de transporte se limitou a dizer que vai “analisar com cuidado” as conclusões do NAO antes de tomar qualquer decisão sobre o projeto. Abaixo, uma simulação, em vídeo, de como seria a ponte.