Enquanto o Congresso Nacional discute a medida provisória que libera a iniciativa privada para conduzir desapropriações, há um movimento que busca aumentar participação do mercado na construção de moradias populares por meio de parcerias público-privadas. Outros países já apostam nesse modelo a mais tempo. A Índia, por exemplo, tem projetos de PPPs para entregar 20 milhões de unidades até 2022. Já a Inglaterra revitalizou um bairro inteiro apostando nesse modelo. São Paulo deu sua primeira cartada no ano passado, quando iniciou as obras para 126 unidades no Bom Retiro, e outras cidades, como Curitiba, abriram espaço legal para esse tipo de intervenção na revisão de seus Plano Diretores.
Há, porém, críticas ao formato. Urbanistas veem com preocupação a diminuição do papel do estado na formatação do espaço público. “Em um momento de crise, fiscal, enxergaram no mercado a possibilidade de financiamento da política habitacional. Mas a maioria das unidades [da PPP de São Paulo] não é voltada para quem mais precisa. O governo dá a terra e dá recursos públicos para produzir imóvel para a classe média”, avaliou arquiteta e urbanista Paula Santoro, professora da FAU/USP.
Basicamente, o modelo de PPP empregado em São Paulo propõe que o poder público entre com o terreno – tido hoje pelas construtoras como o principal fator de custo de uma obra – e dilua o pagamento de subsídios ao longo de um prazo de 20 anos. A construtora ou consórcio privado, por sua vez, participa das licitações de cada lote, oferecendo o menor preço possível e tendo a oportunidade de explorar, por 20 anos, os serviços de administração condominial e manutenção predial das unidades. Isso tudo sem contar os projetos com possibilidade de construção e exploração de espaços comerciais, como shoppings.
O lote 2 do contrato de PPP prevê ocupar área sobre os trilhos e estação do metrô
Paula afirma que a PPP de São Paulo segue a mesma lógica da aposta do governo federal para reduzir o déficit habitacional: subsidiar a construção de unidades para famílias com maior poder aquisitivo. O programa da União entregou 2,6 milhões de unidades desde a criação, cerca de um milhão para famílias com renda entre R$ 2,3 mil e R$ 6,5.
As famílias com renda de até três salários mínimos respondem por quase 90% do déficit habitacional no Brasil, que hoje supera a marca dos cinco milhões de unidades. Entre 2009 e 2012, por exemplo, o programa entregou quase um milhão de moradias, mas a redução no déficit habitacional, segundo dados do Ipea, foi de apenas 458 mil nesse período. O edital da PPP paulista traz uma reserva de 4.583 unidades para famílias das faixas 1 e 2 (renda familiar de até R$ 2.430) – apenas 32% do total.
Outro problema apontado por urbanistas é o risco de gentrificação da região em que a PPP for implantada. Em 2014, jornalistas do The Guardian passaram seis meses na região do Woodberry Down, uma antiga área degradada no Nordeste de Londres que passou por processo de revitalização por meio de implantação de moradias via PPP. A conclusão foi de que a região perdeu moradores pobres e os que permaneceram acabaram isolados na nova configuração do bairro.
Os lotes da PPP que estão na área denominada como Nova Luz também preveem revitalizar a região hoje conhecida como Cracolândia. As obras de 126 unidades do primeiro lote começaram em setembro do ano passado, seis meses após a assinatura do primeiro contrato para 3.683 moradias.
R$ 7,4 bilhões
sse é o valor do contrato previsto nos quatro lotes da Parceria Público-Privada para moradia em São Paulo. Deste total, estima-se, o setor privado pagará R$ 3,5 bilhões. Os contemplados com as unidades passam a pagar os apartamentos apenas após a entrega das chaves – e o poder público, neste caso composto por governo estadual e prefeitura de São Paulo, também só começará a pagar a sua parte após a entrega das construções. A retorno desses projetos para o setor privado, porém, também podem vir de outras formas.
O terreno previsto para o primeiro lote, por exemplo, uma área de 18 mil metros quadros na Luz, terá 5 mil metros destinados para comércios e serviços. Apesar de hoje degradada, a região tem potencial de valorização. Recentemente ganhou ligação direta do metrô com importantes vias da capital como a Avenida Paulista e a Rua da Consolação.
Para acelerar obras, governo quer setor privado desapropriando
Leia a matéria completaJá o segundo lote prevê mais sete mil unidades em áreas hoje pertencentes ao Metrô e CPTM, na região compreendida entre o Parque Dom Pedro e do Brás. Ali estão previstas mais sete mil moradias. Um terceiro lote do projeto deverá ser executado em uma área conhecida como Fazenda Albor, na divisa dos municípios de Guarulhos, Itaquaquecetuba e Arujá. Já uma área de 47 mi m² na Penha, na zona leste, também é cogitada para receber uma PPP da moradia. Hoje o local é ocupado por cerca de cinco mil pessoas no que é conhecida como ‘Favela do Tiquatira’. Mas oficialmente o estado ainda estuda se o lote poderá receber essa modelagem para construção de moradias.
Capital paulista pode ser a primeira a usar MP da Desapropriação no país
Aprovado em 2014, o último Plano Diretor de São Paulo criou a figura dos Projetos de Intervenção Urbana (PIU). Eles permitirão exceções à lei de zoneamento em caso de interesse público para revitalizar áreas da cidade, dando a elas novas construções e atividades econômicas. E o Secovi-SP entende que a MP 700/2015 – que está em discussão no Senado e precisa ser aprovada até o próximo dia 17 para não perder a validade – poderá ser utilizada para viabilizar esses projetos. Essa visão é corroborada até por quem é contra a medida.
A MP 700/2015 é polêmica e vem sendo criticada, principalmente, por entidades e especialistas em Urbanismo, já que permite, entre outras mudanças, delegar a tarefa da desapropriação, até então uma função do Estado, à iniciativa privada. “Tudo ainda está no campo das ideias, porque a MP é muito nova. Mas está muito claro que tudo faz parte de uma estruturação. O Plano Diretor de São Paulo, por exemplo, já tem vários instrumentos para utilizar essa medida provisória”, aponta o arquiteto Paulo, pesquisador do Instituto Pólis e do LabCidade (USP). Ele também cita como exemplo de consequência da aprovação da MP uma iniciativa do governo de São Paulo de fazer uma parceria público-privada para moradia em uma área na Penha, zona leste de São Paulo, hoje ocupada por mais de cinco mil pessoas.
Apesar de irregular – e portanto fora do objeto da MP 700 – , a ocupação pode dar uma noção do interesse do mercado nesse tipo de projeto. A intenção da gestão Geraldo Alckmin é realizar a PPP em quatro etapas: as duas primeiras para construir 2 mil unidades habitacionais – 70% delas de interesse social; já as fases seguintes seriam voltadas à construção de torres empresariais e um shopping.
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