Não se sabe até que ponto essa é uma dúvida generalizada, mas frequentemente me questiono acerca da necessidade de tantas praças nas cidades brasileiras. Também pudera: muitas delas, sobretudo nas áreas residenciais, estão completamente vazias durante a maior parte do tempo; outras, abandonadas, são quase um descampado. No centro, elas acabam sendo vistas como locais de aglomeração de moradores e trabalhadores de rua, estão quase sempre sujas e com o mobiliário urbano quebrado. Tornaram-se locais de passagem, servem para encurtar o caminho, mas não para uma parada estratégica.
Por outro lado, dado o crescimento não tão bem planejado de nossos municípios, a falta de terrenos públicos sempre é um fator preocupante na decisão de se implantar um novo equipamento urbano – quer seja uma creche, um posto de saúde, ou mesmo uma quadra coberta. Quanta contradição: tantos “terrenos sem uso” e tantas necessidades sem terreno. Por isso, foi muito comum, na história brasileira, que prefeitos distribuíssem áreas destinadas a praças para outros usos – até igrejas – o que é proibido por lei atualmente. Mas será que foi sempre assim?
A praça é uma criação social antiga. Muitos pensadores apontam para a ágora grega como o lugar que materializou o germe dessa invenção do mundo ocidental, como centro cívico e de trocas comerciais. Mas, de modo mais amplo, locais abertos que abrigariam diversos tipos de atividades comunitárias sempre foram uma constante em muitas civilizações. Certamente, foi uma solução encontrada por vários povos para dispor as questões gerais de modo irrestritamente aberto; afinal, somos seres extremamente comunicativos.
O fato é que na história da humanidade, as praças serviram a múltiplos usos, muitas vezes combinados: lugar de acolhimento de atividades religiosas, ponto de permutas mercantis, local para a demonstração do poder político do governante, espaço livre para a contemplação de edifícios monumentais, etc. Mas, hoje, com a ampliação das possibilidades de comunicação no universo virtual (fala-se em “novo espaço público”), com o avanço do individualismo e com tantas possibilidades de diversão nos domínios privados, as praças ainda teriam sentido de existir? Ou então, será que na cidade do futuro as praças públicas terão vez?
Em primeiro lugar, não há como descolar esse debate de outro maior: muitos dos problemas que afligem as praças advêm de como temos tratado o espaço público em geral. Portanto, não se resolve plenamente suas questões sem enfrentar outras maiores. Porém, existem especificidades que permitem compreender porque os desafios deste tipo de espaço público são passíveis de serem observados separadamente.
Quais seriam as funções das praças hoje, então? Primordialmente, são locais privilegiados para a permanência ativa e passiva, política e festiva, mais demorada. Mas são também locais que permitem um atalho, que abrigam referências históricas (monumentos, estátuas, etc.), prestadores de serviço (quiosques, taxistas, dentre outros) e equipamentos urbanos (quadras esportivas, conjuntos de aparelhos de ginástica, etc.). Porém, em virtude da ocupação e impermeabilização cada vez maior do solo urbano, as praças também possuem uma função ambiental valiosa, embora nem sempre lembrada: constituem-se em áreas de arejamento visual, drenagem e sombreamento que trazem possibilidade de trégua diante da massa construída. Se tais usos já seriam suficientes para a defesa inequívoca de sua presença entre nós, porque continuam tão esvaziadas? Talvez estejamos vivendo o fim de um ciclo, evidente quando se observa a longa história das praças no Ocidente.
“Mas como o espaço público não faz sentido sem as pessoas que os preencham, esboça-se um problema de gestão. Ou seja, as praças precisam ter usos que sejam significantes para a comunidade local. Elas precisam captar o espírito de cada época”
De fato, as praças têm demonstrado uma enorme capacidade de adaptação frente às transformações sociais. E essa força faz acreditar que são e serão muito importantes para abrigar a vida cotidiana na cidade ocidental. Mas como o espaço público não faz sentido sem as pessoas que os preencham, esboça-se um problema de gestão. Ou seja, as praças precisam ter usos que sejam significantes para a comunidade local. Elas precisam captar o espírito de cada época – de nada adianta lastimar que atualmente os casais não se sentam mais nos bancos para namorar, se uma infinidade de usuários não são bem quistos como, por exemplo, os skatistas, pois tais espaços não estão preparados para recebê-los. Assim, a saída é uma constante reinvenção desse espaço público, que demanda esforços administrativos e também comunitários.
Em Curitiba, as praças e jardinetes compõem menos de 1% de nosso território municipal. Muitas sequer apresentam condições para um uso seguro e confortável. Infelizmente, são uma parte ínfima do espaço público. Por outro lado, praças são tidas como símbolos inequívocos do orgulho local em várias cidades mundo afora: motivo de concursos disputadíssimos entre variados tipos de profissionais do projeto e vitrines que demonstram a capacidade inventiva de sua comunidade. São locais para celebrar a vida cotidiana e também as conquistas éticas e estéticas. Certamente, precisamos olhar com mais carinho para nossas praças.