O lixo eletrônico ou e-waste é a fonte de resíduos que mais cresce hoje no mundo, graças ao apelo consumista e à curta vida útil dos aparelhos produzidos por essa indústria. Concentrados em cidades, os seres humanos produzem, a cada ano, um novo recorde desse tipo de lixo. Em 2014, últimos dados das Nações Unidas, foram descartadas 41,8 milhões de toneladas desse tipo de resíduo: 4,7% a mais que em 2013 e 21% a menos do que é projetado para 2018. Pior. Mais de duas décadas após a assinatura da Convenção de Basiléia, que trata do controle das fronteiras no que diz respeito aos resíduos perigosos, boa parte de todo esse lixo continua sendo “exportado” clandestinamente para regiões pobres do globo, colocando em risco não só o meio ambiente, mas milhares de pessoas.Isso é o que constatou um novo projeto, batizado de E-Trash Transparency Project, da rede de ativistas de Seattle Basel Action Network (BAN) em parceria com pesquisadores do Senseable City Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT), divulgado no último dia 9 de maio.
“Estamos trabalhando desde 2010 no laboratório com métodos para rastrear eletronicamente o lixo. Nesse caso,a BAN utilizou a nossa tecnologia para descobrir o que acontece com o lixo eletrônico depois que ele é depositado em um centro de reciclagem nos Estados Unidos”, explicou o brasileiro Fabio Duarte, professor do programa de pós-graduação em Gestão Urbana da PUCPR e um dos líderes do projeto dentro do Senseale City Lab do MIT, ao setor de comunicação da instituição. Assim, pequenos dispositivos de GPS foram instalados em 200 equipamentos, entre monitores de televisão e impressoras descartados.
Resultado: pelo menos 65 dos 200 equipamentos rastreados pelo projeto foram exportados clandestinamente para áreas pobres da Ásia (China, Tailândia, Taiwan) e outros continentes, sendo que 46 desses equipamentos, em particular, foram coletados por meio do programa Goodwill de descarte responsável, que tem parceria com a gigante Dell. “Infelizmente, estamos vendo um considerável retrocesso da indústria de eletrônicos [nesse aspecto] se comparado há alguns anos. O lixo eletrônico tóxico está fluindo para fora de nossas fronteiras todos os dias, em operações clandestinas, prejudicando pessoas e o meio ambiente mundo afora. Nesse meio tempo, essas ‘exportações’ tiram da nossa nação [EUA] empregos verdes e fazem com que fique difícil para os recicladores responsáveis desse tipo de resíduo competir e sobreviver nesse mercado”, afirma o diretor-executivo da BAN, Jim Puckett, em release divulgado pela entidade.
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Puckett sabe bem do que está falando. Ainda em 2001, a BAN lançou um documentário – Exporting Harm: The High-Tech Trashing of Asia – que já mostrava esse caminho perverso do lixo eletrônico. Ou seja, faz tempo que ele acompanha o setor e ele lamenta que pouca coisa tenha mudado de verdade. “Goodwill e Dell têm fortes reputações em responsabilidade social e ambiental. Nossa descoberta, porém, abala essa confiança pública e revela a necessidade de uma reforma imediata em termos de gestão de lixo eletrônico”, ressalta Puckett.
Não só a Goodwill e a Dell tiveram suas reputações abaladas pelo projeto. A maior recicladora de eletrônicos da região do Pacífico Noroeste dos EUA, a Total Reclaim, foi pega pelo projeto da BAN e do MIT exportando clandestinamente monitores de televisão para Hong Kong, na China. A empresa, que já é investigada por órgãos ambientais de seu estado e também do vizinho Oregon, admitiu o problema e pediu desculpas aos consumidores. Em comunicado, os donos da companhia, Craig Lorch e Jeff Zirkle, disseram que “perderam de vista os seus valores e tomaram decisões de negócios contrárias às certificações e padrões” que eles mesmos concordaram em atingir.
Segundo o Earthfix , site que nasceu de uma parceria de vários veículos de imprensa em prol do meio ambiente e que dedicou uma série de reportagens especiais ao projeto, a queda no preço de commodities como plástico e cobre e o aumento nos custos de mão de obra estão deixando companhias como a Total Reclaim sem saída já que elas estão presas a contratos de longo prazo, com preço pré-definidos. Além disso, dados da Agência Ambiental dos Estados Unidos também mostram que tratar o lixo eletrônico dentro do país sai cerca de dez vezes mais caro do que exportá-lo. Por tudo isso, conforme observou Puckett, é necessária uma reforma imediata no setor.
Veja um dos vídeos produzidos pelo Earthfix sobre o E-Trash Transparency Project. O Earthfix é formado por profissionais dos seguintes veículos de comunicação: Oregon Public Broadcasting, Idaho Public Television, KCTS9 Seattle, KUOW Puget Sound Public Radio, Northwest Public Radio and Television, Jefferson Public Radio, KLCC and the Corporation for Public Broadcasting
Rotas
No site lançado pelo MIT – MoniTOUR - E-Trash Transparency Project (http://senseable.mit.edu/monitour/) – é possível ver, em detalhes, as rotas dos aparelhos monitorados por GPS. Lá, o laboratório Senseable City Lab também explica que a iniciativa é uma continuação de outros projetos que investigaram a cadeia de remoção de resíduos no mundo, incluindo um de 2012, em que foi mapeado o comportamento de catadores de recicláveis em São Paulo, Brasil.
Destino insólito
A área rural de Hong Kong, conhecida como Novos Territórios, foi uma das que mais receberam os eletrônicos vindos dos EUA. Ali, Jim Puckett e outros membros da BAN e do E-Trash Transparency Project encontraram materiais dispostos da pior maneira possível, em depósitos clandestinos e colocando em risco a vida de vários trabalhadores, que manuseiam o lixo sem qualquer proteção. Tubos com mercúrio dos monitores LCD e outros elementos com chumbo estavam, aos montes, expostos no chão desses depósitos.
E-waste per capita
Embora os Estados Unidos e a China sejam os maiores produtores em volume de lixo eletrônico no mundo – juntos respondem por um terço do total –, é nos países mais desenvolvidos da Europa que estão as maiores quantidades per capita desse tipo de lixo: Noruega, Suíça, Islândia, Dinamarca e Reino Unido.
América Latina e Brasil
Segundo os últimos dados consolidados sobre e-waste da ONU, em 2014 o Brasil produziu 36% do lixo eletrônico da América Latina, que, por sua vez, foi responsável por 9% de todos os resíduos desse tipo produzidos no mundo naquele ano. Mesmo que o Brasil não chegue a ser um “exportador” de lixo-eletrônico como os EUA, é provável que um rastreamento semelhante ao que a BAN e o MIT fizeram por lá localizasse os resíduos em locais inadequados dentro do próprio território nacional – evidenciando não só riscos ambientais como o quanto de dinheiro ainda se perde pelo não aproveitamento desse tipo de lixo.
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