As torres sobre o Monte Qasioun (foto) cercam a cidade. Mas os cafés próximos ao topo, que já foram muito populares, agora estão de portas fechadas. A artilharia antiaérea recobre o topo da montanha e os tiros ditam o ritmo da guerra.| Foto: Anne Barnard/NYT

Uma sensação de tensão e agitação sempre toma conta de quem segue em direção a Damasco, uma cidade habitada há milhares de anos, onde culturas e influências se misturaram e se acumularam como corais em um recife. Depois de mais de cinco anos de uma caótica guerra civil, a capital da Síria está relativamente intacta e funcionando bem, repleta de trabalhadores, mercados e restaurantes – especialmente se comparada a Aleppo, onde os bombardeios lançados pelo governo esta semana estão cravejando os bairros dominados pelos rebeldes, que respondem atirando de volta nos bairros ocupados pelas forças do governo. Contudo, minha estada em Damasco no início deste mês, ainda que dentro das restrições imposta pelo governo, revelou novas maneiras pelas quais a guerra feriu e distorceu a cidade, que já visitei nove vezes desde 2001.

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Quando fazemos o trajeto de Beirute a Damasco, a estrada passa em frente ao palácio do presidente Bashar Assad. Os subúrbios dominados por rebeldes são visíveis, muitas vezes soltando a fumaça deixada pelos ataques aéreos do governo. Em uma base aérea das redondezas, prisioneiros de guerra e oponentes do governo muitas vezes desaparecem sem deixar rastro. Então entramos na capital pela Rodovia Mezze, uma avenida larga e repleta de prédios de apartamento, escritórios do governo, cafés e lojas de celular.

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De repente, estamos no coração da cidade. Aos pés da Mesquita de Umayyad, um dos lugares mais lindos da Cidade Velha, casais e famílias se divertem, alimentam os pombos e posam para um homem que usa a mesma câmera Polaroid há décadas. Os muros da mesquita foram erguidos pelos romanos para abrigar um templo pagão, que se converteu em catedral, e o pátio continua a ser um dos lugares mais pacíficos que já vi na vida.

No interior, crianças brincam sobre o piso de mármore polido que reflete o céu; mulheres sentadas murmuram as novidades; murais e vitrais coloridos brilham sob a luz do pôr-do-sol. Mas às vezes o som dos aviões de guerra rompe a tranquilidade.

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No Sheraton Damascus Hotel, casamentos luxuosos e, durante o verão, tardes na beira da piscina continuaram a ocorrer ao longo da guerra, mas cada vez menos gente pode participar da festa. 

Os funcionários do governo, com os salários destruídos pela inflação e pela desvalorização cambial, deixaram a classe média e caíram na pobreza, levando muitos casais a adiar casamentos pelos quais já não podem pagar. E com tantos homens metidos no exército e nas milícias – ou no exílio, para evitar a guerra – faltam noivos na cidade.

O centro de Damasco continua animado e vivo, com pessoas enchendo vans e ônibus para ir ao trabalho, como em qualquer outra cidade. Porém, o trânsito pesado se deve em parte à instalação de postos de segurança que se proliferam pelas ruas.

As ruas parecem seguir a lógica de sempre, com pessoas esperando uma lotação para ir ou voltar do trabalho, mas há algo de diferente. 

Os sinais da guerra

Durante os 12 dias que estivemos na Síria, fomos proibidos de fotografar os postos de segurança, mas eles estão por toda a parte. Nosso acompanhante indicado pelo governo castigava, provocava e, ao mesmo tempo, cativava os soldados e milicianos para que eles acelerassem nossa passagem. Contudo, os postos de segurança são mais do que um simples incômodo para os sírios, que muitas vezes são obrigados a pagar propinas para não serem presos e enviados para o serviço militar.

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As torres sobre o Monte Qasioun cercam a cidade. Mas os cafés próximos ao topo, que já foram muito populares, agora estão de portas fechadas. A artilharia antiaérea recobre o topo da montanha e os tiros ditam o ritmo da guerra, com o estranho espetáculo de uma capital que ataca seus próprios subúrbios e às vezes é atacada de volta.

A simples tentativa de trocar dinheiro demonstra como a economia entrou em colapso com os custos da guerra, da destruição das fábricas e da fuga de capital, à medida que os sírios mais ricos fogem ou enviam dinheiro para fora do país.

“Por US$ 600, recebemos um bolo de libras sírias com 10 centímetros de espessura na fronteira com o Líbano. A libra vale apenas 10% do que valia em relação ao dólar antes da guerra. Por isso, a conta nos restaurantes é paga com maços de dinheiro e, ainda assim, são ridiculamente baratas se comparadas a visitas anteriores. “

No Naranj, o restaurante mais chique da Cidade Velha, um menu repleto de pratos típicos da Síria em torno das fontes de mármore e dos mosaicos custou o equivalente a cerca de US$ 10 por pessoa.

As sanções impostas pelos EUA e pela Europa, com o objetivo de punir o governo por abusos contra os direitos humanos, impediram a maioria dos sírios de usarem cartões de crédito ou de abrirem contas bancárias internacionais. Até mesmo setores que seriam isentos, como a indústria farmacêutica, muitas vezes sofrem com o medo que os bancos internacionais têm de contrariar as regras das sanções.

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O centro velho de Damasco é seu bairro mais famosos e bonito, com bulevares, alamedas repletas de parreiras e casas centenárias construídas em torno de pátios. Longe de ser um cenário artificial para os turistas, o centro é um espaço vivo, repleto de áreas que se sobrepõem, refletindo a diversidade cultural e religiosa da cidade, onde lojas vendendo artesanato típico e antiguidades convive lado a lado com mercadinhos que vendem pasta de dente e detergente, ou lingerie e roupa de banho.

Contudo, muitas dessas lojas fecharam as portas ou continuam abertas apenas para que seus donos possam ter companhia para tomar café e jogar gamão com os comerciantes vizinhos. Os milicianos libaneses do Hezbollah, ou os sírios treinados por eles montam guarda nas ruas.

O centro velho de Damasco é seu bairro mais famosos e bonito. Contudo, muitas dessas lojas fecharam as portas ou continuam abertas apenas para que seus donos possam ter companhia para tomar café. 

Alguns comerciantes sussurram para dizer que sentem como se o país tivesse sido ocupado, ou resmungam por terem sido obrigados a pintar bandeiras da Síria na porta das lojas. Outros gostariam de sair do país, mas não podem pagar porque tudo o que tem está no estoque das lojas – prata, azulejos, bronze, brocados de seda, marchetaria – e eles não têm para quem vender tudo aquilo. De tempos em tempos, morteiros rebeldes caem na cidade, matando pessoas aleatoriamente.

Alguns comerciantes lidam com a situação transformando antiquários em bares, especialmente na Rua Direita, o destino bíblico do Apóstolo Paulo em Damasco.

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No sábado antes do Dia das Bruxas, o garçon do Tiki Bar fazia as vezes de DJ com seu laptop e clientes fantasiados bebiam e fumavam. Só mais tarde percebi, enquanto assistia um vídeo feito no bar, que o rapaz que estava ao meu lado havia se fantasiado de nazista. Ele tinha uma suástica desenhada no braço.

O fabuloso templo de Sayeda Rokaya, uma figura adorada pelos xiitas, conta com muitas camadas de decoração: por que escolher entre azulejos azuis, pastilhas espelhadas ao estilo iraniano, ou candelabros enormes, quando se pode ter tudo isso de uma vez?

Existe um senso de comunidade entre as mulheres que trazem as crianças ao templo na expectativa de absorver suas bênçãos, esfregando bonecas e roupas contra suas grades. Elas batem no peito em lamentação. Muitas são peregrinas vindas do Iraque, Irã e Líbano, países com milícias que apoiam o exército sírio, uma intervenção que divide a opinião da população.

As privações da guerra também chegaram até ali. A eletricidade cai, como resultado dos apagões diários impostos por toda Damasco, em função da falta de combustível. A ladainha continua, mesmo quando as caixas de som deixam de funcionar. Até que a luz retorna, junto com as orações amplificadas.