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Quer dirigir em Pequim? Boa sorte então no sorteio das placas

Com um população de cerca de 21 milhões de habitantes,  Pequim tem hoje 5,6 milhões de carros, mais do dobro que dez anos atrás. | GILLES SABRIE/NYT
Com um população de cerca de 21 milhões de habitantes, Pequim tem hoje 5,6 milhões de carros, mais do dobro que dez anos atrás. (Foto: GILLES SABRIE/NYT)

Para agradar os futuros sogros, dia desses Larry Li encarou a lentidão do trânsito de Pequim para levá-los da estação ferroviária à sua casa, no centro, no Volkswagen branco que comprara há apenas um mês. A boa ação acabou saindo caro: uma multa de 200 renminbi, equivalente a US$ 30, e vários pontos na carteira. O financista de 28 anos conta que estava de casamento marcado e tinha acabado de comprar o automóvel.

“Eu me senti na obrigação de ir buscar a família da minha noiva na estação. Pegamos uns atalhos, mas acabamos sendo filmados.” A infração: falta da placa local. O carro tinha só o registro de outra cidade. Li tem um longo histórico de brigas com as autoridades locais por causa da tentativa da prefeitura de reduzir o tráfego limitando a emissão do número de placas. Nos últimos cinco anos ele se registrou 47 vezes para requerer uma licença local, obtida através de uma inscrição on-line com jeitão de sorteio – e a cada tentativa, a mesma resposta, curta e grossa: “Pedido indeferido”.

Pequim é uma das várias cidades chinesas a limitar o número de placas por decreto oficial, o que gera uma disputa feroz. De acordo com os dados oficiais, na loteria de junho, somente um em cada 725 dos 2,7 milhões de inscritos conseguiram uma, o que torna o sistema um dos mais seletivos do mundo.

Conforme o país foi se urbanizando e os chineses passaram a ganhar mais, o automóvel passou a ser objeto de desejo de grande parte da classe média. Mesmo em Pequim, castigada pelos engarrafamentos, a vontade de ter um carro continua forte.

Sofrendo com o sistema de transporte público, sempre lotado, a classe média passou a associar o carro com a liberdade de movimento. A capital, cuja população atual é de cerca de 21 milhões de habitantes, tem 5,6 milhões de carros, mais do dobro que dez anos atrás.

Para a agência ambiental municipal, esse excesso é responsável por 30% da poluição do ar local – e os veículos não só lotam as ruas, como também já limitam os espaços públicos, como as calçadas e ciclovias, por causa da falta de vagas de estacionamento.

Limitação versus status

Com tantos problemas decorrentes desse aumento, a prefeitura decidiu agir: em julho, a Secretaria dos Transportes de Pequim anunciou que quer manter o número de carros abaixo dos 6,3 milhões até o fim de 2020, reduzindo drasticamente a cota anual de placas fornecidas à população. Em 2015, o limite foi de 120 mil; este ano, não passa de 90 mil. E já pensa em implantar taxas de congestionamento, baseadas nas distâncias percorridas e no número de viagens.

A China é o maior mercado de automóveis do mundo. Nas cidades grandes, ao lado da casa, o carro é visto como item obrigatório antes do casamento. No caso de Li, conforme a data da cerimônia foi se aproximando, sua paciência foi se esgotando, pois, após comprar o Volkswagen, em abril, teve que rodar mil quilômetros até Jilin, província no norte onde nasceu sua noiva, para registrá-lo.

Li apelou para a placa “de fora”, um recurso que já tem pelo menos dez anos chamado “jinjingzheng”, que significa mais ou menos “certificado para entrar em Pequim”. Emitida pela polícia, permite a circulação em Pequim, mas tem que ser renovada semanalmente e proíbe a movimentação nos horários de pico, de manhã e no fim da tarde, e das seis da manhã às dez da noite nas principais vias expressas.

Mercado paralelo de licenças

O jinjingzheng, criado no fim da década de 70 para monitorar o fluxo de tráfego das províncias vizinhas à capital, agora ajuda gente como Li a driblar o racionamento municipal de placas. (Li tirou o seu depois de tomar a multa.)

Zhou Pei, engenheiro de 39 anos que mora na cidade, tentou um método diferente depois de ter negado seu pedido na loteria das placas: com um vendedor de carros como intermediário, alugou uma placa por 5.800 renminbi/ano (cerca de US$870), em 2013. Detalhe: Zhou e o dono do veículo assinaram um contrato sem nunca terem se visto.

Então, em 2014, sua sogra vendeu o carro; com isso, tinha seis meses para registrá-la em outro veículo, gratuitamente. Zhou, achando que seria mais seguro dirigir usando a licença em nome de um parente, tentou romper o contrato com o desconhecido dono da placa – e descobriu que o homem tinha morrido.

“Tecnicamente falando, meu carro estava no nome dele; era como se fosse um bem do espólio. Tive a maior dor de cabeça para resolver esse problema”, conta. “A legislação que controla o congestionamento acabou criando um mercado negro, obviamente ilegal, de placas. É contra a lei alugar um registro obtido através do sistema de loteria e quem é pego está arriscado a perdê-la”, explica Nie Huihua, professor de Economia da Universidade Renmin.

Sem contar a responsabilidade legal. Uma vez que se assume que o dono da placa é o dono do carro, aquele que aluga teme que a outra pessoa, aproveitando-se da situação, “venda” o carro ou o use como garantia em tempos de aperto financeiro. Da mesma forma, o proprietário da placa teme que tenha que se responsabilizar se aquele que a aluga se envolver em algum acidente grave. “A verdade é que muita gente continua se inscrevendo no sorteio, mesmo com um carro licenciado na família, e quem precisa, não consegue. É muito injusto”, afirma Nie.

Atualmente a maioria desses acordos é feita pela internet, com preços absurdos. Fóruns de discussão dedicados a veículos e sites de classificados, como o 58.com, estão lotados de anúncios de aluguel de placas para Pequim, com preços entre 10 mil renminbi (cerca de US$1.500) e 13 mil renminbi (US$1.950) por ano.

A Agência de Gestão de Tráfego de Pequim, responsável pelas placas, se recusou a comentar a situação. Song Jianguo, ex-diretor da instituição, foi condenado à prisão perpétua este ano por liberar licenças em troca de propina.

Assim, tudo o que Li, o noivo financista pode fazer, é torcer pela sorte grande no sorteio das placas. Ele e a mulher têm que usar o transporte público para ir para o trabalho – mas o carro é sempre uma boa opção para uma fugida para o campo nos fins de semana, comprar móveis para a casa nova e visitar os pais dela, que agora moram a meia hora de distância.

“Ter um carro é muito importante para a minha família”, conclui.

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